Iza Dezon: não precisamos usar ombreiras para sermos líderes
Fundadora da consultoria estratégica e criativa Dezon e expert em análise de tendências compartilha sua visão sobre o futuro das mulheres na sociedade e nos negócios
Iza Dezon: não precisamos usar ombreiras para sermos líderes
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Michelle Borborema
20 de abril de 2022 - 15h58
As femtechs, empresas em sua maioria comandadas por mulheres que facilitam discussões, produtos e serviços focados em natalidade, menopausa e menstruação, têm apontado para um novo caminho: o futuro das mulheres é consumir cada vez mais entre elas. É o que diz Iza Dezon, sócia-fundadora da Dezon, consultoria estratégica e criativa que analisa tendências de comportamento com foco em projeção de futuro.
Para ela, esse comportamento é consequência da ascensão das mulheres no mercado e no mundo acadêmico, o que, além de ter proporcionado maior poder aquisitivo para elas, é um indicador de que a sororidade está mesmo tomando o lugar do patriarcado e do monoteísmo. “A maternidade só sobrevive em rede. O negócio feminino, também. Uma empresa como a Natura, com a quantidade de mulheres que estão lá dentro, por exemplo, percebeu que era preciso montar uma creche”, diz.
Confira nossa conversa com Iza, que, aos 35 anos, já tem mais de uma década de carreira internacional e está no Brasil desde 2015, desenvolvendo projetos, palestras, workshops e mentorias, além de ministrar aulas sobre macrotendências nas principais faculdades do país.
Que características ou habilidades você considera essenciais em uma liderança? Como você as desenvolve e as alimenta regularmente?
Bom humor, não emular o masculino, ter objetivos claros e acolher. É fundamental ter um plano de no mínimo 5 anos. A liderança depende muito de onde você quer chegar, e não de onde você está, então planejar é importante para uma liderança sólida. Tudo pode ficar muito desgovernado se não houver um planejamento com objetivos claros, que podem ser muito simples, não precisam ser complexos. Há 5 anos atrás, meu plano era ter liberdade para fazer o que eu queria. Hoje, tenho uma empresa com essa autonomia desejada. Não precisa ser detalhado também, mas deve contemplar o que você está fazendo, qual é o seu sonho, para que fique claro para toda a equipe. Organização também acho importante — não tenho, mas admiro muito e tento trazer cada vez mais pro meu dia a dia. E tem a máxima muito cafona, na qual acredito muito: se não tivermos empatia, se não nos colocarmos no lugar das pessoas da nossa equipe, não vai dar certo.
Vim de uma geração de chefes com outra mentalidade, e ainda do mercado de moda. Cheguei a ser chamada de inútil e a ouvir que não tinha cérebro e não servia para nada aos 22 anos de idade, e isso foi muito duro e me ensinou sobre o tipo de liderança que não quero ser. Isso aconteceu muito com mulheres millennials, que ainda pegaram essa rebarba de um sistema mais abusivo e masculinizado. Hoje, sei que não precisamos nos espelhar na liderança masculina, não precisamos usar ombreira para sermos líderes, como as mulheres faziam nos anos 1980. Vejo que muitas mulheres estão acostumadas a lidar com homens e serem sobreviventes de ambientes masculinos, mas eu não sou essa pessoa.
Outro ponto importante é cuidar do emocional. Se uma líder não fizer uma terapia ou um tratamento que faça sentido para ela, isso vai transparecer no trabalho. E sabemos que podemos virar a “chefe louca” rapidamente.
Você é expert em macrotendências. Quais são as principais tendências que estão norteando o universo das mulheres, na sociedade e nos negócios?
A tendência mais legal de todos os tempos é que estamos consumindo nós mesmas. As femtechs, junção dos temos “feminine” e “technology”, são um bom exemplo disso, pois traduzem a busca de mulheres por mulheres, por empreendimentos femininos, e o investimento nisso. São empresas, em sua maioria comandadas por mulheres, que facilitam discussões e serviços focados em natalidade, menopausa e menstruação. O primeiro livro escrito por uma mulher sobre a menopausa foi nos anos 2000. Antes disso, a condição só havia sido retratada por homens. Isso é revolucionário. Óbvio, diz sobre uma entrada maior das mulheres no mercado, mulheres com mais poder aquisitivo e com mais preparo acadêmico. Mas diz também sobre como a sororidade está pegando, algo que infelizmente o patriarcado e o monoteísmo aniquilaram, mas é a base das sociedades ancestrais e matriarcais.
Estamos percebendo que nossa competição não é pelo bofe da sala, pelo afeto do homem mais interessante, e olhando para a força que podemos ter ao viver em rede. A maternidade só sobrevive em rede. O negócio feminino, também. Uma empresa como a Natura, com a quantidade de mulheres que estão lá dentro, por exemplo, percebeu que era preciso montar uma creche. Toda essa inversão de valores, de começar a romper com aquele passado e, de fato, entender que o relacionamento entre mulheres fortalece e contribui para uma sociedade menos patriarcal, representa uma grande mudança. Saímos dessa lógica e começamos a ver, hoje, ícones de sócias mulheres muito fortes. Desde o segmento de bebidas ao de fundos de investimentos, há uma força feminina enorme por trás das empresas. Parece besteira, mas estamos começando a colher os frutos dessa mudança de paradigma na relação intrapessoal de mulheres, e isso afeta imensamente o business, pois as grandes potências sempre foram conduzidas a partir de parcerias de homens. Mas isso está mudando.
Você já teve algum tipo de sentimento de autossabotagem? Como lida com essa situação e que dicas dá para mulheres que se sentem assim nos projetos, áreas e lugares em que atuam?
Vez ou outra, a síndrome de impostora bate. Trabalho com a minha mãe, ela é sócia e diretora de operações da minha empresa, então quando sinto algo parecido, ligo para ela e choro. Em casa, sempre tivemos essa coisa de trabalhar juntos. Almoçávamos e jantávamos falando de negócios. Brinco que era a linguagem afetiva de casa. Então tenho uma relação muito forte de trabalho em casa, o que me fortaleceu muito.
Acho que é preciso ter confiança em quem vamos falar sobre nossa síndrome da impostora para conversar abertamente sobre ela. Se não, piora. Falar sobre frustração é muito importante. Precisamos desmistificar o papel da mulher que dá conta de tudo. Estamos exaustas, não conseguimos mais. Ao mesmo tempo, somos “control freaks” e muitas vezes não aceitamos ajuda dos outros por não querer que eles façam do jeito deles. Mas, para a síndrome da impostora, a única coisa que me ajuda mesmo é falar, ou dar uma ignorada, meditar. A cabeça é feita para entrar minhocas, então é preciso encontrar o equilíbrio entre conversar sobre as inseguranças e vulnerabilidades e saber quando deixar para lá, pois a cabeça produz pensamentos repetitivos e você precisa saber filtrar o que escuta ou não.
Quais mulheres inspiradoras você segue, lê e observa? Como elas te inspiram?
Desde que tive a honra de mediar uma mesa com a Luiza Trajano, fiquei apaixonada. Ela é referência do emotivo, do acolhimento, de uma supermãe, e ao mesmo tempo de uma superempreendedora. Ela traz o feminino à tona na liderança dela, no negócio dela. Também sou muito fã da Chimamanda Adichie desde que a ouvi pela primeira vez no TED “Todos devemos ser feministas”, que está na canção “Flawless”, da Beyoncé. Ela fala sobre um feminismo feminino, que para mim faz muito sentido, pois ainda há muitos mal-entendidos sobre o que é o feminismo e acho importante falarmos sobre ele hoje. A Jane Fonda também me inspira porque ela nunca desiste. Ela está lá, veste vintage e vai para a passarela, usa roupas de brechó, faz série de TV, advoga contra a masculinidade tóxica, faz protestos. Enfim, ela tem uma energia forte de “gosto muito do que faço, não sonho em me aposentar”. No dia em que eu não fizer nada, vou chorar, porque sempre gostei de trabalhar e me sinto privilegiada em fazer as coisas que amo. Me identifico com a Jane nesse desejo de viver e escolher assuntos, causas e coisas que realmente ressoam com você, fazem sentido e por isso te dão gás para não desistir, mesmo com oitenta e poucos anos.
Por fim, tem alguma dica de séries, filmes, livros e/ou músicas que consumiu recentemente e te fizeram refletir sobre a condição e o papel das mulheres?
De música, recomendo “Para todas as mulheres”, da Mariana Nolasco. Também voltei a escutar “Phenomenal Woman”, da Muvla, que é baseada no poema da Maya Angelou. De séries, acho que todo mundo tem que ver Morning Show e a brasileira Aruanas. Estou viciada de novo em Insecure, porque aborda todas as inseguranças femininas por meio de um rap no banheiro, e acredito de verdade que todos deveríamos dançar no banheiro. Fala do feminino e da dicotomia do que precisamos, queremos e podemos ser. E, claro, de como ser.
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