A crise da carne e o efeito no consumo
Operação que investiga práticas ilegais inclui líderes de mercado e pode mudar a forma como os consumidores lidam com outras marcas; governo minimiza efeito e entidades falam em exagero
Operação que investiga práticas ilegais inclui líderes de mercado e pode mudar a forma como os consumidores lidam com outras marcas; governo minimiza efeito e entidades falam em exagero
Luiz Gustavo Pacete
20 de março de 2017 - 7h07
Atualizada às 14h22 de 20/03/2017
“Voltamos dez casinhas para trás e não será uma tarefa fácil recuperar a imagem do Brasil no mercado internacional”. Essa foi a afirmação de Blairo Maggi, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em entrevista à Jovem Pan no último sábado, 18. A fala de Maggi tentava relativizar os desdobramentos da Operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal na última sexta-feira, 17, que prendeu pessoas envolvidas com práticas ilegais relacionadas à venda de carnes e embutidos.
Ao todo, foram mais de mil policiais que fizeram buscas e apreensão em seis estados e em vinte e duas empresas. Dentre elas, as maiores e com maior presença na mídia BRF (proprietária das marcas Sadia e Perdigão) e da JBS (dona das marcas Friboi, Seara e Swift). Durante entrevista coletiva na sexta-feira, fiscais do ministério da Agricultura garantiram a eficiência do selo SIF para assegurar a qualidade e procedência dos produtos. Em comunicado ao mercado, a JBS afirmou que “suas subsidiárias atuam em absoluto cumprimento de todas as normas regulatórias e apoia as ações que visam punir o descumprimento de tais normas”.
BRF e JBS vão à TV após Operação Carne Fraca
A BRF, em comunicado atualizado na noite do sábado, 18, afirmou que não há papelão algum em seus produtos, como cogitaram os investigadores. “Houve um mal-entendido na interpretação do áudio capturado pela PF. O funcionário estava se referindo às embalagens do produto e não ao seu conteúdo. Quando ele diz dentro do CMS está se referindo à área onde o CMS é armazenado. Isso fica ainda mais claro quando ele diz que vai ver se consegue colocar em papelão, ou seja, embalar o produto em papelão, pois esse produto é normalmente embalado em plástico”, disse a empresa.
Ainda sobre corrupção e a prisão de executivos, a BRF afirmou que não compactua com práticas ilícitas e rechaça qualquer insinuação. “Ao ser informada da operação da PF, a companhia tomou imediatamente as medidas necessárias para a apuração dos fatos”. Ainda na noite da sexta-feira, 17, as duas empresas vieram a público esclarecer o ocorrido. Na noite deste domingo, 19, o presidente Michel Temer se reuniu com embaixadores de países que importam carnes do Brasil para esclarecer informações relacionadas à operação. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Francisco Sérgio Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (Abpa), que representa produtores e exportadores de carne suína e de frango, afirmou que a operação foi “exagerada e deu a impressão de que a carne brasileira é toda fraudada”.
Na manhã desta segunda-feira, 20, a Comissão Europeia afirmou que monitora as importações de carne do Brasil e que todas empresas envolvidas no escândalo terão acesso negado ao mercado europeu. China e Coreia do Sul também estão tomando medidas relacionadas.
Sérgio Lage, coordenador da pós-graduação de gestão da experiência do usuário da ESPM, afirma que, embora as empresas neguem irregularidades e as investigações ainda estejam em curso, elas estão sob os holofotes e viraram tema de críticas severas nas redes sociais. “Nas estratégias de gestão da marca, se uma crise na sua reputação nas mídias sociais, hoje, já traz um impacto bastante negativo e de difícil controle, imagine uma investigação encaminhada pela Polícia Federal que coloca em questão não apenas a qualidade dos produtos vendidos, mas a existência de um suposto esquema de corrupção entre fiscais do Ministério da Agricultura e grandes frigoríficos? Este é um caso singular”, diz Lage.
“Essa crise vai afetar o setor de alimentos como um todo e gerar uma desconfiança maior sobre uma série de outras categorias alimentícias”, diz Lage.
O acadêmico reforça que a notícia rapidamente viralizou pelas redes sociais e até mesmo os garotos-propaganda das principais marcas viraram motivos de memes e descrédito. “Nós todos sabemos sobre o poder da influência e como os comentários se movimentam mais rápidos do que nunca em um mundo conectado em rede. As agências e os profissionais de relações públicas que atendem e gerenciam a comunicação e reputação destas marcas terão a árdua missão de tentar reverter os estragos que as investigações ainda em curso causaram e causarão na confiança destas marcas”, observa.
Para Lage, alguns consumidores, no curto prazo, terão uma tendência a boicotar e banir estas marcas de suas cestas de compras. “Essa crise vai afetar o setor de alimentos como um todo e gerar uma desconfiança maior sobre uma série de outras categorias alimentícias. Estas empresas envolvidas nestas investigações terão que se defender, e este assunto dominará por semanas os noticiários”, observa.
“Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Francisco Sérgio Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (Abpa), que representa produtores e exportadores de carne suína e de frango, afirmou que a operação foi “exagerada e deu a impressão de que a carne brasileira é toda fraudada”.
Segundo Lage, as marcas terão que participar das discussões e responder as críticas e questões rapidamente, trazer a opinião de especialistas e acionar os embaixadores da marca para oferecer um esclarecimento claro. “É essencial que as empresas façam testes e análises para atestar sua qualidade e a segurança dos seus produtos e publiquem estas análises”, observa. “Toda marca, hoje, precisa saber como seus consumidores interagem e como eles recebem informações e precisam criar estratégias para controlar o fluxo de informações e boatos nas mídias sociais para gerenciarem crises de reputação e reverter a imagem negativa perante a opinião pública em geral”, diz Lage.
A repercussão do caso é internacional. Jornais como o New York Times e agências como a Bloomberg colocam em contexto os possíveis impactos que o escândalo pode ter nas exportações de carne brasileira ao exterior.O Brasil é o segundo maior produtor global de carne bovina atrás apenas dos Estados Unidos. De acordo com dados da MB Agro, o consumo per capita de carne bovina no Brasil atingiu 30,7 quilos em 2016, queda de 1,9% na comparação anual, menor nível desde 2001.
E agora, Tony Ramos?
Victor Azevedo, coordenador dos MBAs de Marketing Digital e Gestão de Dados da Universidade Veiga de Almeida, concorda que tanto a JBS quanto a BRF estão agindo estrategicamente para evitar que o assunto cresça. “As pessoas na internet possuem o poder de potencializar as “ondas” geralmente através de ironias ou nesse caso com ataques mais diretos, sendo assim, qualquer nota ou comentário pode ser encarado pela população como insumo para manter o assunto em alta”, diz Azevedo. Segundo ele, o foco das empresas está sendo desvincular as marcas dos seus portfólios para que algumas sobrevivam após essa turbulência.
Embaixadores das marcas
Tão logo a operação veio à tona, a internet gerou dezenas de memes ironizando os embaixadores da marca citada. Dentre eles, o ator Tony Ramos que foi peça importante na construção de marca da Friboi. Em entrevista ao portal Ego, o ator disse que sua relação é com a agência de publicidade, porém, que já visitou as fábricas da JBS e continua comprando produtos da marca Friboi. “Ao se juntar à Friboi de maneira tão simbiótica através de seus testemunhais, Tony deu a sua credibilidade como pessoa à marca. Portanto, Tony, você tem que ir até o fim. Segura a onda, procura entender o que está acontecendo e se transforme num real defensor da marca”, escreveu Mauro Segura, colunista do Meio & Mensagem, em seu artigo recente sobre o caso.
A apresentadora Ana Maria Braga, também embaixadora da Friboi, estampa o projeto Academia da Carne, lançada no ano passado. Além disso, Fátima Bernardes, principal garota propaganda da Seara vem sendo questionada de sua relação com a marca. De acordo com a coluna de Ricardo Feltrin, a apresentadora estaria prestes a romper o contrato com a marca após três anos. A apresentadora está entre os famosos mais ativos na publicidade em 2016 com 4.021 inserções da marca de acordo com o ranking do Controle da Concorrência.
Como a Tesco gerenciou a crise da carne de cavalo
Em fevereiro de 2013, a Europa viveu a chamada crise da carne de cavalo quando grandes empresas foram indiciadas vendendo a carne de equinos em produtos ditos bovinos. Na ocasião, a União Europeia pediu que autoridades sanitárias aumentassem a fiscalização para impedir a venda de carne de cavalo misturada à carne de boi. O escândalo afetou 16 países e levou os supermercados a recolher toneladas de produtos congelados dos supermercados.
Na ocasião, a Tesco, líder do varejo no Reino Unido e uma das cinco maiores redes de supermercados do mundo, deu início a um grande gerenciamento de reputação. O varejista estava entre os comerciantes obrigados a retirar produtos de suas prateleiras por conterem carne equina em suas composições.
Acuado, Tesco reage a escândalo da carne
“Sabemos que a descoberta de carne de cavalo em produtos vendidos em diversos varejistas, incluindo o Tesco, balançou a confiança nos comerciantes de alimentos e nos produtos que vendemos”, dizia o comunicado publicado na ocasião. “Vocês nos disseram que querem produtos britânicos. E que a jornada entre a fazenda e o seu garfo seja bem menos complicada. Ouvimos os seus pedidos e tomamos algumas providências efetivas e definitivas. A Tesco vai trazer a comida que comercializa para mais próximo da sua casa. Tornaremos a cadeia de suprimentos mais simples, transparente e curta, além de construirmos relacionamentos melhores com os produtores nacionais”. O ocorrido influenciou um movimento de maior rigor no rastreamento de alimentos e na preferência por produtos locais e origem comprovada.
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