Além do posicionamento: o papel de patrocinadores diante do racismo
Episódio enfrentado pelo jogador Vinicius Jr. traz à tona debate sobre a atuação das marcas investidoras em projetos e eventos esportivos
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Bárbara Sacchitiello
23 de maio de 2023 - 13h34
“Por que os patrocinadores não cobram a La Liga? As televisões não se incomodam de transmitir essa barbárie a cada fim de semana? O problema é gravíssimo e comunicados não funcionam mais.”
Esse desabafo de Vinicius Jr, publicado em suas redes sociais nessa segunda-feira, 22, sinalizam como o episódio do racismo vivenciando pelo jogador durante uma partida do campeonato espanhol extrapola as questões esportivas e caem no âmbito dos negócios.
A cada rodada fora de casa uma surpresa desagradável. E foram muitas nessa temporada. Desejos de morte, boneco enforcado, muitos gritos criminosos… Tudo registrado.
Mas o discurso sempre cai em “casos isolados”, “um torcedor”. Não, não são casos isolados. São episódios… pic.twitter.com/aSCMrt0CR8
— Vini Jr. (@vinijr) May 22, 2023
Desde que as imagens das ofensas dos torcedores do Valencia para o brasileiro ganharam o mundo no domingo, 21, além da própria organizadora do campeonato, os patrocinadores de La Liga, como Santander, Microsoft, Puma e EA Sports, têm sido fortemente cobrados nas redes sociais pelo fato de investirem em uma competição que, na visão do público, não toma medidas efetivas para punir episódios de racismo.
O desabafo de Vinicius Jr e muitas das críticas feitas pelas pessoas nas redes sociais tocam no mesmo ponto: os comunicados e manifestações de repudio são suficientes para provocar mudanças efetivas? De que maneira os patrocinadores e a própria La Liga poderiam atuar para combater, de fato, crimes de ódio e de racismo?
Esse tipo de acontecimento vem sinalizando que o papel do patrocinador de grandes eventos ganha novos contornos, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem. “Qual a responsabilidade e a necessidade de manifestação do patrocinador nos eventos patrocinados? É uma mera exposição de marca sem nenhum grau de responsabilidade ou aceitação tácita da ‘regra do jogo’?”, questiona Dario Menezes, diretor executivo da Caliber, consultoria especializada em reputação de marca.
Menezes considera que, se os patrocínios de uma empresa fazem parte de sua cadeia de valor, em épocas de valorização da agenda ESG, se faz necessário cobrar deles o mesmo código de conduta e ética que se cobra para qualquer outro fornecedor.
“No meu entendimento, os patrocinadores do Real Madrid, com destaque para Emirates e Adidas, precisam fazer no mínimo uma nota de repúdio e usar de sua rede de influência para amplificar essa mensagem com campanhas. Já patrocinadores de La Liga, como o Santander, precisam exigir uma mudança na regra do jogo e de comportamento nos estádios ou, por coerência com a agenda ESG, retirar o patrocínio”, sugere o consultor.
Detentor do naming rights da La Liga, o Santander enviou à reportagem o seguinte comunicado: “O Santander repudia veementemente qualquer manifestação de preconceito ou racismo”.
Em julho do ano passado, o Santander declarou que não renovaria o acordo de patrocínio para as próximas temporadas do campeonato espanhol. A parceria do banco com La Liga, portanto, terminará daqui três rodadas. A companhia não declarou as razões que a levaram à decisão de não seguir com o patrocínio, ainda em 2022.
Em resposta ao episódio, a Puma, também patrocinadora de La Liga, enviou seu posicionamento. “Na Puma, não toleramos racismo e condenamos qualquer forma de discriminação. Nos solidarizamos com Vinícius Júnior e toda a comunidade do futebol ao condenar os eventos de ontem.”, escreveu a empresa nessa segunda-feira, 22.
Esse acontecimento aponta como os investimentos das marcas no âmbito esportivo têm impactos em diferentes áreas. “O que temos visto é um movimento, que considero bastante positivo e interessante, é que as marcas cada vez mais olham para as propriedades esportivas que vão patrocinar analisando além da visibilidade que aquele projeto oferece”, comenta Sergio Lopes, sócio e cofundador da LiveMode, empresa que atua na área de negociações de direitos e patrocínios esportivos.
O executivo também diz que é natural vermos o universo esportivo mais voltado às pautas que vêm crescendo de importância perante o público, como a agenda ESG e as preocupações socioambientais.
A visão de que um patrocínio representa para a marca um compartilhamento de valores com aquele projeto também é destacada por Ivan Martinho, professor de marketing esportivo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Ao se associar a um produto de audiência global, como a La Liga, as marcas buscam não somente projeção e visibilidade de seu logo, mas também criar relação com um produto esportivo bem organizdo, de alta qualidade, respeitoso com seus membros e que possa atribuir aspectos positivos a sua percepção, segundo o professor.
Essa imagem positiva, contudo, pode ruir diante de situações como o episódio de Vinicius Jr. “A medida que a La Liga começa a ser interpretada como conivente ou omissa nos repugnantes casos de racismo que temos assistido com pesar, sem dúvida tal valor decai e cria-se nos patrocinadores uma urgência de se posicionar de maneira exemplar e correta perante o mundo, deixando nítido que não concordam com tal ato, tampouco com a falta de instrumentos corretivos”, complementa Martinho.
O fato de o jogador brasileiro ter sido alvo de dez diferentes episódios de racismo – todos contabilizados pela própria Liga – sinaliza a importância de ver o problema não como algo isolado, de acordo com o sócio e CMO da agência de marketing esportivo End to End, Bruno Brum.
Segundo ele, no curto prazo, é necessário que a Liga seja mais dura nas atitudes, penalizando desportivamente e de forma severa o clube envolvido, com perda de pontos e multas pesadas.
E, para os patrocinadores, o papel tem ir além da óbvia pressão e do posicionamento público, na opinião de Brum. “Eles precisam cobrar atitudes rápidas da La Liga, sob pena de cortarem seus patrocínios e também devem exigir regras e adequações que transformem o futebol em um ambiente antirracista”, conclui o executivo.
Na segunda-feira, 22, a liga espanhola tomou algumas atitudes em relação ao episódio de racismo denunciado pelo jogador brasileiro.
Ainda no domingo, 21, no primeiro comunicado enviado à imprensa, a La Liga havia declarado que pediria uma investigação sobre os episódios ocorridos na partida e esclarecia que vinha acompanhando as outras nove denúncias anteriores de racismo feitas por Vinicius Jr.
Já na segunda-feira, 22, a entidade de futebol decidiu se posicionar de forma mais ampla. A Liga usou suas redes sociais para divulgar um vídeo em que detalha as providências que vem tomando para combater o racismo e diz que dará respaldo a Vinicius Jr e a qualquer outro jogador que sofra ataques. Veja:
l La intolerancia y el racismo no tienen sitio en nuestro fútbol. LaLiga condena y actúa siempre ante cualquier insulto o actitud racista, xenófoba o violenta, dentro o fuera del terreno de juego.
LaLiga apoya y respaldará a @vinijr y cualquier jugador que sufra estos… pic.twitter.com/WW8S3F6lIK
— LaLiga Corporativo (@LaLigaCorp) May 22, 2023
No mesmo dia, a La Liga também comunicou a criação de um canal de denúncias, que ajudasse a identificar os torcedores que proferiram as ofensas racistas na partida de domingo, 21.
Já nesta terça-feira, 21, as autoridades da Espanha informaram a detenção de sete torcedores que teriam cometido crimes de racismo. Três deles, que estiveram presentes no jogo entre Real Madrid e Valencia, teriam prestado depoimento e foram liberados. Outros quatro torcedores, que estariam envolvidos em outros episódios de racismo contra Vinicius Jr, estão detidos.
A La Liga informou, ainda, que pedirá mais poderes sancionatórios, com o objetivo de ser mais ágil e eficiente na luta contra a violência, o racismo, a xenofobia e a intolerância.
“A La Liga lidera a identificação e a denúncia de tais comportamentos nos estádios de futebol há nos, mas se sente impotente ao ver como suas denúncias acabam”, diz a entidade.
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