Apple X Gradiente: disputa pela marca iPhone no Brasil
Gradiente deu entrada em pedido no ano 2000 e obtém o registro da marca "iphone" desde 2008, mas Apple pede nulidade parcial do registro ao INPI
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Thaís Monteiro
23 de outubro de 2023 - 14h13
*Atualizada em 24 de outubro, às 1h45
Nesta segunda-feira, 23, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu reiniciar o julgamento sobre propriedade intelectual da marca iPhone no Brasil. Dez anos atrás, em 2013, a Apple moveu um processo contra a Gradiente e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) pedindo a nulidade parcial do registro de marca iPhone no País. A Gradiente registrou a marca “iphone” em 2000 e o INPI aprovou o pedido em 2008.
A Apple foi vitoriosa nas duas instâncias do processo e o STF estava em votação virtual, que deveria encerrar na segunda-feira, 23. Porém, o ministro Dias Toffoli pediu destaque para que o julgamento ocorra no formato físico. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ainda irá definir uma data para início do processo.
No processo, a Apple alega que utiliza a marca “iPhone” desde 2007 para designar seus aparelhos celulares. Além disso, a empresa argumenta que usa o prefixo “i” em todos os seus produtos desde 1998. A big tech ainda apela pela proibição do uso da marca pela Gradiente. No seu parecer, a Gradiente utiliza o termo apenas de forma descritiva para comunicar a funcionalidade da sua linha de smartphones.
Por outro lado, a Gradiente defende que utiliza a marca “G Gradiente Iphone” desde 2000 e que, ao contrário do argumento da Apple, o termo identifica uma linha de produtos, ou seja, não é apenas descritivo. A marca afirma que a ação da Apple é improcedente.
A Gradiente solicitou o registro da marca “G Gradiente Iphone” em março de 2000. O INPI deferiu o processo em novembro de 2007, mesmo ano em que a Apple lançou seu primeiro iPhone. Por fim, o instituto concedeu o registro à Gradiente em janeiro de 2008. Em novembro, a Apple começou a comercializar o iPhone no Brasil.
No entanto, a Apple também realizou registros em relação a marca “iPhone” no INPI em várias classes de produtos e serviços, menos na classe nº 9, relativa a equipamentos eletrônicos, dispositivos de telecomunicações e programas de computador. Essa é, justamente, a classe onde a Gradiente conseguiu registro.
Segundo Flávia Tremura, sócia e head do time de marcas do escritório de advocacia Kasznar Leonardos, no Brasil, o direito é regido pelo sistema atributivo de direitos, conhecido como “first to file”. De acordo com esse sistema, quem primeiro registra uma marca obtém o direito exclusivo de usá-la para produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou relacionados.
Conforme o INPI, hoje o tempo médio de decisão de um pedido de marca é de 14 meses (sem oposição) e 23 meses (com oposição). Antes disso, o tempo era maior. “Até o início dos anos 2000, o INPI sofria com a falta de recursos, que resultava em elevados tempos de espera pela concessão de registros de marca. Por isso, o pedido da Gradiente levou mais de 7 anos até a decisão técnica”, explica o instituto.
Com a ampliação do número de colaboradores, em 2004, os processos se tornaram mais rápidos. Em 2019, o prazo atingiu uma média de seis a nove meses. Porém, desde 2019, o instituto relata que houve aumento da demanda, perda de pessoal e ausência de concursos. Isso tornou o processo mais demorado. “Este ano, o INPI prevê realizar novo concurso para contratação de 40 examinadores de marcas, de forma a reduzir o tempo de exame”, coloca o INPI.
No entanto, o conflito entre ambas as empresas não reside na duração do processo de registro do instituto. “Como a análise é feita por ordem cronológica, a partir da data do protocolo, a análise sempre será feita a partir de quem primeiro deu entrada no pedido de registro, independentemente do tempo que o INPI leva para a análise dos pedidos de registro”, explica Flávia.
A disputa e suas definições têm consequências para a comunicação das marcas. Conforme o CEO da Interbrand, Beto Almeida, hoje ativos intangíveis, como a marca de um produto, chegam a representar mais de 90% do valor total do negócio. O cenário mudou drasticamente nos últimos 30 anos. Nos anos 1970, os ativos intangíveis representavam menos de 10% do valor total de uma empresa.
“A proteção legal de marcas globais é um assunto complexo e é cada vez difícil criar uma marca do zero. São milhões de marcas registradas todos os anos e achar um nome livre para registro é um desafio e tanto. A digitalização deste processo ainda não é uma realidade em todos os mercados, o que torna esse passo ainda extremamente demorado e caro”, argumenta Almeida. “Um dos grandes legados é sem dúvida a necessidade de se criar um olhar especial para a proteção dos ativos intangíveis”, complementa.
Para o executivo, a Apple assumiu um risco ao lançar a marca no Brasil sem ter tido a aprovação de todos os registros ao qual submeteu a marca “iPhone”. Assim, caso a empresa perca, é possível que a Apple possa tentar adquirir a marca no País, através de indenização, ou renomear o produto localmente, “o que acho extremamente complexo e incomum no setor”, pontua Almeida. Porém, ele cita que há exemplos de um mesmo produto com diferentes nomes em regiões distintas por questões legais.
Se a Apple vencer o parecer do STF, “o recado que fica é a necessidade de um olhar para a proteção de um sistema de nomenclatura que abrange novos lançamentos”, diz o CEO da Interbrand.
Na perspectiva de Flávia, o caso da Apple X Gradiente pela marca “iphone” reforça a importância das empresas realizarem uma busca de anterioridades nos países de interesse antes de definir a marca. Assim, é possível identificar possíveis empecilhos e risco. A advogada recomenda que as empresas deem entrada na marca o quanto antes para evitar que outro titular obtenha o registro de marca idêntica ou semelhante na mesma categoria de produtos ou serviços, e que possa ser considerado um obstáculo ao registro da marca pretendida.
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