Brasil em recuperação?
O que significa a nota das empresas brasileiras no estudo divulgado semana passada pela ONG Transparência Internacional
O que significa a nota das empresas brasileiras no estudo divulgado semana passada pela ONG Transparência Internacional
Roseani Rocha
6 de fevereiro de 2018 - 8h00
Na semana passada, a Transparência Internacional divulgou o estudo “Transparência em relatórios corporativos: as 100 maiores empresas e os 10 maiores bancos brasileiros”, que tem como base a metodologia global Transparency in Corporate Reporting (TRAC). Pela primeira vez, as empresas brasileiras foram avaliadas — a partir dos dados que disponibilizam na internet — nas dimensões “práticas anticorrupção”, “estrutura organizacional” e “dados financeiros relativos à atuação em outros países”. Este último fator demandou uma adaptação, no caso brasileiro, para separar as empresas que não possuem atividade internacional.
Entre os dados destacados por Bruno Brandão, representante da instituição no Brasil, estão a média baixa das grandes empresas do País em transparência: 5,7, numa escala de 0 a 10, e o fato de que nenhuma das cinco primeiras colocadas pertence à lista das cinco maiores empresas brasileiras. As três empresas mais bem colocadas no ranking são: Neoenergia, Votorantim Cimentos e EDP Energias do Brasil (o setor de energia elétrica, a propósito, tem quatro das dez empresas mais bem colocadas no índice geral, com média de 7,7 entre os segmentos pesquisados).
No entanto, mesmo algumas companhias que firmaram acordos de leniência (logo, confessaram crimes), aparecem entre as que tiveram notas acima da média, como a JBS (8,1) e Odebrecht (7,5). A leitura dos organizadores da pesquisa é que essas companhias passaram a investir mais em estruturas de compliance — as iniciativas que asseguram que a empresa atue em conformidade com a legislação e práticas regulatórias do setor — para reverter perdas de imagem, além de algumas medidas serem exigências da própria Justiça como parte justamente desses acordos.
Marcelo Proença, diretor global de compliance da JBS, explica que em 2017 a empresa, que tem capital aberto desde 2007 e uma diretoria de compliance desde 2015, avançou nas medidas que já estavam em andamento e ao longo do segundo semestre do ano passado promoveu diversas iniciativas. Uma delas, foi sua própria contratação e o fato de essa Diretoria de Compliance passar a responder diretamente para o Conselho de Administração. Seiscentos líderes da companhia se reuniram na matriz em São Paulo para o lançamento da campanha “Faça sempre o certo”, para difundir práticas de compliance internamente. O escritório White & Case LLP foi contratado para monitorar as iniciativas e dar apoio à implementação global das ações. Um novo canal de denúncias “Linha Ética JBS” foi lançado; o serviço é terceirizado, confidencial e disponível a todos os públicos de relacionamento da empresa. Além disso, foram criados sete comitês de ética, sendo que um deles cuida dos temas mais relevantes e conta com a participação do próprio CEO da empresa — os outros seis são responsáveis por temas específicos de cada unidade.
“Para continuar avançando, o foco para este ano é o lançamento de um novo Código de Conduta Ética unificado, válido para todas as regiões e países onde a JBS atua, além de auditorias periódicas de controle, revisão de políticas internas (incluindo doações de produtos e patrocínios), treinamentos sobre compliance para toda a operação, normas antitruste e gerenciamento de potenciais conflitos de interesses”, afirma Proença.
Já a Odebrecht afirma estar “convicta e determinada com sua nova forma de atuar nos negócios, de maneira ética, íntegra e transparente”. O marco na mudança de atitude prometida teria sido março de 2016, com a divulgação de um Compromisso com o Brasil — um reconhecimento público das necessidades de mudanças na empresa e em sua forma de atuação. Antes disso, deu início a algumas medidas, como a contratação de responsáveis por conformidade que respondem diretamente ao Conselho de Administração da Holding e das Empresas e de 14 conselheiros independentes. A equipe dedicada às questões de conformidade subiu de 30 pessoas, em 2015, para 72, no ano passado. E o orçamento também cresceu: de R$ 11 milhões para R$ 65 milhões. Para 2018, a previsão é que chegue a R$ 72 milhões.
Entre as iniciativas destacadas por Maria Cristina Lepikson, gerente de Conformidade da companhia, estão ações para evolução da governança, comprometimento das lideranças, capacitação de integrantes, processos e controles, monitoramento independente, terceirização do canal Linha de Ética e assinatura de acordos de leniência com autoridades não apenas do Brasil, mas também dos Estados Unidos, Suíça, República Dominicana, Equador, Panamá e Guatemala. Ela também comentou o impacto que o novo relatório da Transparência Internacional, agora com foco no mercado brasileiro, também pode ter. “O estudo aponta caminhos de melhoria nos quesitos da transparência com a sociedade e na atuação das empresas. Os esforços, contudo, não podem ficar apenas no papel, precisam ser aplicados na prática”, destaca Maria Cristina.
Melhores notas
Na primeira posição entre as empresas pesquisadas no relatório da Transparência Internacional, a Neoenergia afirma que há anos a companhia vem implementando medidas de integridade e transparência em seus processos e o fez independentemente de um contexto específico no Brasil (o de anos mais recentes, de escândalos envolvendo empresas).
“A transparência não se restringe apenas ao programa de integridade, mas também na divulgação de sua estrutura corporativa e na precisão dos seus relatórios financeiros. A Neoenergia entende que agindo assim contribui para criação de valor para a sociedade e seus acionistas”, afirma Roberto Medeiros dos Santos, superintendente de Compliance da empresa.
Sobre o fato de o setor de energia ter quatro nomes entre as dez empresas com melhor pontuação, o executivo relembra que a cultura de conformidade normativa sempre existiu no setor pela própria importância e risco do serviço que presta à sociedade, assim como pelo fato de ter um “robusto modelo regulatório”. Outro aspecto diz respeito ao número elevado de clientes e necessidade de capital intensivo para os negócios, o que obriga as empresas a serem transparentes quanto às informações relevantes do negócio, tanto para os clientes, quanto para agentes financeiros, o que influencia os processos de governança.
Cristiano Fernandes, gerente-geral de Controladoria Global da Votorantim Cimentos, também destaca a existência na companhia, há anos, de um código de conduta. “Nossos empregados, de todos os países, participam de treinamento do Código de Conduta da empresa e nosso programa de compliance é monitorado de forma bastante efetiva, com indicadores criteriosos”, garante.
A empresa também criou um comitê de doações e patrocínios e afirma ter reforçado globalmente suas políticas de brindes, entretenimento, conflitos de interesse e anticorrupção.
O executivo resume as vantagens de andar na linha: “Aumenta a sustentabilidade do nosso negócio, melhora a eficiência operacional, a qualidade dos nossos produtos e serviços e é fundamental para a construção de relações duradouras”.
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