Como o mercado de livros foi impactado pela pandemia?
Vendas no digital e ações nas redes sociais crescem, mas comércio físico deve se recuperar apenas em 2021
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Thaís Monteiro
14 de agosto de 2020 - 17h43
No início de agosto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou uma das propostas da reforma tributária do governo que acarretará no encarecimento de livros. A sugestão é que o produto editorial deixe de ser isento e o setor colabore com a nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12%, já que foi desonerado da contribuição do PIS e Cofins em 2004. A isenção de impostos sobre materiais de leitura existe desde a Constituição Federal de 1946 e foi mantida para incentivar a difusão do conhecimento.
Em resposta à proposta de Guedes, associações da indústria formularam um Manifesto em Defesa do Livro, que tem buscado assinaturas nos últimos dias pedindo a reconsideração da medida ao Congresso Nacional. Na carta, as organizações apontam que a isenção em 2004, inclusive, permitiu uma diminuição do valor médio dos produtos e alavancada na venda de exemplares, e argumentam que o livro é commodity da economia criativa e sua taxação torna o acesso à educação mais elitista.
O documento é assinado pela ABDR (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos), ABDL (Associação Brasileira de Difusão do Livro), ABEU (Associação Brasileira das Editoras Universitárias), Abrelivros (Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional), ANL (Associação Nacional de Livrarias), CBL (Câmara Brasileira do Livro), Libre (Liga Brasileira de Editoras) e SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de Livros).
A mudança na tributação, adicionada à crise econômica impulsionada pela pandemia, aumenta consideravelmente os desafios das livrarias, distribuidoras e editoras em se manter viáveis. Um levantamento feito pelo portal G1 com as associações e livrarias em julho aponta que as livrarias estão reabrindo com vendas 70% menores do que o habitual. Dados do SNEL apontam que o volume de vendas entre 29 de fevereiro e 24 de março deste ano caiu 4% e atribui a queda à pandemia. Ainda em junho, a Saraiva fechou 14 unidades, com prejuízo de R$ 17,3 milhões.
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Se, por um lado, o início do período de isolamento social contribuiu para a diminuição das vendas, por outro, mais tempo em casa e a falta de outras atividades sociais pode ter contribuído para uma melhora no hábito de leitura, argumenta o site Submarino. “As pessoas estão aproveitando este momento de isolamento social para desenvolver o hábito de ler. Essa mudança de comportamento trouxe uma busca por mais opções de títulos e gêneros literários”, pontua a empresa. A situação ressoou na Saraiva. “Sofremos com uma pequena queda em vendas em março, porém, a partir de abril, já apresentamos crescimento. O mês de junho foi o melhor mês depois que começou a pandemia”, notifica a livraria.
As livrarias físicas foram as mais afetadas pelo novo coronavírus, sobretudo as que não haviam trabalhado anteriormente com canais online. Algumas delas se reinventaram vendendo livros por delivery e WhatsApp. Nos três primeiros meses da quarentena, o executivo da CBL informa que as lojas estavam faturando de 30% a 40% com uma boa plataforma de e-commerce. Agora, com a reabertura gradual, funcionando já durante seis horas, as livrarias aumentaram as vendas para 50%. O presidente da CBL projeta que, até o final deste ano, esse número aumentará para 70% e, mais à frente, em 2021, as vendas poderão se estabilizar.
Nos últimos quatro anos, o varejo do livro passou por crises e prejuízo. Grandes livrarias, como a Saraiva e a Cultura, entraram em processos de recuperação judicial. Em 2019, no entanto, o mercado ficou estável e a projeção era de que este ano houvesse crescimento de 2% a 3%. Para ajudar os livreiros menores, a CBL, a ANL e o SNEL criaram uma campanha para arrecadar dinheiro (até o final de julho) para 50 livrarias com apenas uma unidade e que tenha 50% do negócio dedicados à venda de livros.
Leitura digitalA procura por e-books aumentou significativamente. Levantamento da Bookwire, que distribui e-books, mostrou que o número de exemplares distribuídos pela empresa entre março e abril foi 80% maior do que a soma de 2019 inteiro. Foram distribuídos 9,5 milhões de livros digitais. Na Cia. das Letras, houve aumento também, mas os livros físicos se superaram. Segundo a editora, a venda de audiolivros vem crescendo ao longo dos anos, mas ainda não é tão significativa.
As livrarias, no entanto, não deixaram de estar no radar das editoras. Em junho, a Companhia das Letras criou um fundo de R$ 400 mil para pequenas livrarias independentes para o financiamento da folha de pagamento. A empresa também ofereceu seu serviço de logística para pequenos livreiros. “Eles são parte fundamental da cadeia de divulgação e da cadeia do livro. Uma vez que as coisas comecem a se normalizar, queremos que o livreiro independente possa retomar sua atividade porque é uma parte importante da cadeia para divulgação de livros que aparecem menos no varejo online. Se, no final disso tudo, o livreiro independente fechar, o mercado todo perde”, argumenta o publisher.
Soluções de comunicação
Otávio, da Companhia das Letras, atribui a melhora nos canais eletrônicos a um investimento maior para divulgação no ambiente digital. A editora, que sediava diversos eventos físicos para lançamentos, passou a realizar lives diárias com a presença de diferentes selos e criou festivais como o Na Janela, série de bate-papos entre autores transmitido no YouTube. Já foram transmitidas edições de não-ficção, literatura brasileira e sobre ditadura militar em parceira com a Folha de S. Paulo.
“O mercado, em grande medida, já estava atento a isso e adaptando sua estratégia de marketing e divulgação para o ambiente online. Isso deveria estar na mesa de todos os editores. Já era algo independentemente da pandemia. A lógica de divulgação já estava alterada em função disso”, defende Costa.
O Submarino implementou melhorias como a oferta de sinopses mais completas das obras, com visualização mais simples e rápida nas páginas dos produtos. E a marca tem cedido espaço nas suas redes sociais para debates sobre temas literários, “como uma forma de se aproximar ainda mais dos leitores”. O e-commerce também tem buscado trazer mais livros em pré-venda e lançamentos. Já a Saraiva tem trabalhado com promoções de incentivo, como cupons de desconto, desconto progressivo e ações de saldão com foco em preço.
Para o presidente da CBL, essas inovações propiciadas pela digitalização — como congressos, festivais e maior troca com os autores nas redes sociais — são o legado positivo da pandemia que deve permanecer. “A rede mundial está de fato criando um elemento de fusão do livro fantástico e as editoras e livrarias estão aprendendo a trabalhar melhor com as redes sociais. Essas são algumas das coisas boas que permanecerão”, diz.
**Crédito da imagem no topo: Jessica Ruscello/Unsplash
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