Crise de imagem afeta apps de transporte
Casos de assédio e violência sexual repercutem e passam a ser um desafio para Uber, 99, Cabify e Easy enquanto serviços específicos para mulheres ganham adesão
Casos de assédio e violência sexual repercutem e passam a ser um desafio para Uber, 99, Cabify e Easy enquanto serviços específicos para mulheres ganham adesão
Luiz Gustavo Pacete
1 de setembro de 2017 - 9h32
A declaração da escritora Clara Averbuck sobre um estupro que sofreu de um motorista de Uber, que repercutiu no início da semana, colocou ainda mais em evidência um dos maiores desafios atuais para os aplicativos de transporte privado: segurança da mulher. Após o depoimento de Clara, várias manifestações, campanhas e até pedidos de boicote aos serviços de transporte surgiram nas redes. A crise de imagem não ficou restrita ao Uber, mas passou a ser um caso a ser gerenciado pelos concorrentes 99, Cabify e Easy.
O caso deu origem aos movimentos #MeuMotoristaAbusador e #MeuMotoristaAssediador. Dados da Secretaria de Segurança Pública mostram que, apenas no último ano, o registro de casos envolvendo o assédio sexual teve um aumento de 20% na capital paulista. Questionadas sobre a forma como lidam com o tema, as empresas se limitaram a reforçar o “compromisso com segurança”. Diante do caso de Clara, a Uber afirmou, em nota, que “repudia qualquer tipo de violência contra mulheres. O motorista parceiro foi banido e estamos à disposição das autoridades competentes para colaborar com as investigações. Acreditamos na importância de combater, coibir e denunciar casos de assédio e violência contra a mulher”, diz a empresa.
A Easy se posicionou afirmando que apoia campanhas de conscientização e contrárias à cultura do assédio. “Temos uma política de intolerância a qualquer acusação de assédio com a retirada imediata do taxista do aplicativo de forma permanente”, diz a Easy, em nota.
Já a Cabify, que construiu sua marca sobre o atributo segurança, também repudia o assédio e a violência contra a mulher. “A Cabify solicita que usuários e motoristas parceiros reportem qualquer situação que considerem atípicas para realizar as ações cabíveis, inclusive a suspensão e bloqueio do usuário ou do motorista parceiro.” Em entrevista ao Meio & Mensagem nesta semana, Daniel Velazco, diretor-geral da Cabify, reforçou que segurança é a principal plataforma de diferenciação da marca.
Apesar de não comentar o assunto, a 99 já lançou campanhas contra o assédio. Em parceria com o Movimento Vamos Juntas?, o aplicativo aderiu a Vamos Juntas de 99?. Para a sexóloga e psicóloga Priscila Junqueira, os casos desta semana serão cruciais para mudar a lógica do mercado de aplicativos de transporte privado. “Seria prudente que os candidatos a motoristas passassem por avaliação psicológica e melhor processo de seleção já que a violência está em todos os contextos. Precisamos cuidar mais disso, notificando os casos, levando informação para termos políticas públicas que realmente funcionem”, afirma.
Mulheres no volante
Apesar dos posicionamentos institucionais, a grande questão é como essas empresas vão, de fato, garantir a segurança das passageiras. Diante da repercussão, os aplicativos que conectam motoristas mulheres às passageiras vêm ganhando força. Desde segunda-feira 28, quando o caso de Clara Averbuck veio a público, o aplicativo de motoristas mulheres FemiTaxi registrou um aumento de 164% em suas chamadas. Outros serviços passaram a ficar em evidência como o Lady Driver e o Táxi Rosa, no Rio de Janeiro, Venuxx, FeminiDriver e DivasFor.
De acordo com Marienne Coutinho, sócia da KPMG no Brasil, a criação de serviços específicos para as mulheres é um progresso por ser consequência de uma resposta ao momento atual e suas demandas. “Alguns serviços são direcionados a mulheres por resultarem de uma necessidade identificada para o gênero como táxi para mulheres para lidar com questões de segurança”, diz Marienne.
“O assédio é um problema estrutural”
Lançado em dezembro de 2016, o FemiTaxi surgiu após seus sócios fundadores identificarem reclamações de comportamento inadequado de motoristas durante as corridas. Segundo Helena Rodrigues, diretora de relacionamento do aplicativo, a questão do assédio vai além de serviços de transportes e táxis, ela é estrutural e social. “O único caminho possível para uma mudança real é investir em educação, debater sobre identidade de gênero e orientação sexual nas escolas”, diz Helena.
M&M – Vocês enxergam algum tipo de falta de atenção a esse assunto por parte dos concorrentes?
Helena Rodrigues – Não vejo como uma falta de controle ou atenção dos concorrentes, pois esse é um problema muito mais amplo. É uma questão estrutural da sociedade e o único caminho possível para uma mudança real é investir em educação, debater sobre identidade de gênero e orientação sexual nas escolas, por exemplo. Infelizmente, o assédio está presente diariamente e em todos os lugares, não apenas nos apps de carona, como também — e principalmente — no transporte público, como o caso recente da passageira que foi assediada por um homem dentro do ônibus, em São Paulo. É importante se atentar para como o sistema – seja preventivo ou de acolhimento – ainda é muito falho e ineficaz. Não é à toa que apenas 10% do total de estupros são notificados. As mulheres sabem da ineficácia do sistema e acabam não formalizando a denúncia.
“O ideal seria que as mulheres não precisassem se isolar para se sentirem seguras”
M&M — Qual o papel da FemiTaxi neste momento?
Helena — O FemiTaxi não tem a pretensão de acabar com o assédio, mas sim de proporcionar mais segurança para as mulheres, em um cenário onde a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil. O FemiTaxi e apps similares não são uma solução no longo prazo, mas podem ser alternativas com um papel paliativo, principalmente quando casos como o da escritora Clara Averbuck vêm à tona. Claro que o ideal seria que as mulheres não precisassem se isolar para se sentirem seguras, mas enquanto não existe segurança o suficiente para pedir um táxi na rua durante a madrugada, os apps de transporte exclusivos para mulheres são uma solução imediata a um problema urgente da nossa sociedade.
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