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Danilo Costa, do AfroReggae: “Nós estamos aonde ninguém está”

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Danilo Costa, do AfroReggae: “Nós estamos aonde ninguém está”

Danilo Costa, diretor executivo do Grupo Cultural AfroReggae, fala sobre a evolução da entidade e a migração do investimento das marcas


29 de janeiro de 2025 - 6h01

Em 2025, o AfroReggae, organização social criada no Rio de Janeiro, completa 32 anos. Por trás dessa longevidade, está o propósito de provocar a transformação social por meio da arte e da cultura e a capacidade de se manter inovando. Há dez anos, a entidade passou por uma revisão metodológica com foco na digitalização e empregabilidade.

Hoje, entre as principais atividades do projeto está o AfroGames, que oferece capacitação em e-sports e desenvolvimento de games. A vertical vai ganhar uma expansão nesse ano com 240 novas vagas e o quinto centro de treinamento no Rio de Janeiro. As inscrições começam no dia 3 fevereiro.

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O pilar da música, agora, toma forma por meio do selo musical Crespo Music que vai lançar 80 músicas de jovens talentos nesse ano, em uma parceria com a Universal Music e Virgin. Em entrevista ao Meio & Mensagem, Danilo Costa, diretor executivo do Grupo Cultural AfroReggae, analisa a relação com as marcas e os desafios do terceiro setor no Brasil.

Meio & Mensagem – Como você avalia a evolução do trabalho do AfroReggae ao longo desses 32 anos?

Danilo Costa – O Afroreggae sempre provocou transformação social por meio da arte e da cultura. Nos últimos 10 anos, percebemos que havia a necessidade de uma mudança metodológica. Nós precisávamos introduzir o digital de forma mais contundente e o viés de empregabilidade. Hoje, se o jovem não observar que aquela atividade é um caminho para empregabilidade, para colocação dele no mercado de trabalho, ele não vai se inscrever ou vai se inscrever e depois vai evadir. Essa atividade precisa também, necessariamente, estar conectada ao mundo digital. Então, nós fizemos uma reorganização programática das atividades. Hoje, o nosso carro-chefe é o AfroGames. Nós continuamos atuando dentro da grande indústria criativa. Só que agora por meio dos games. Nós tínhamos, por exemplo, bandas musicais. Hoje, eu tenho um selo musical e vou lançar artistas periféricos e de grupos estigmatizados nas plataformas digitais. Nós tínhamos, há muitos anos, a oficina de teatro. Hoje, nosso foco é formação para o audiovisual, já pensando na empregabilidade e na atuação desse artista para TV e cinema. Diferente do teatro que nós fizemos por muitos anos. O que aconteceu, nesses últimos 10 anos, foi uma reorganização programática para atender uma necessidade deste jovem, uma necessidade da sociedade. Isso foi posto. Coube a nós observar e atender.

M&M – Hoje, como o AfroReggae está estruturado? Quais são os principais pilares?  

Danilo – Os nossos pilares são audiovisual, games e a música, sempre com o viés digital. Eu ainda mantenho algumas atividades como ballet e a percussão porque isso está muito ligado à nossa raiz. Então, eu mantenho esse conjunto de atividades, assim como eu mantenho uma agência de empregos para egressos do sistema prisional.  Porque é o viés da empregabilidade. Inclusive, antes, essa agência era exclusiva para egressos e, hoje, atendemos egressos e suas famílias. Mais uma vez, porque se o trabalho social não tiver o viés da empregabilidade, muito possivelmente, vai fracassar. Nós vemos duas grandes frentes. A frente da atividade que vai se dar dentro de um desses setores de economia criativa. Audiovisual, games e música nas plataformas digitais. O segundo pilar é a empregabilidade.

M&M – Pensando nesses 32 anos, quais foram os principais desafios enfrentados pela entidade?

Danilo – O maior desafio, na verdade, é um desafio comum de toda organização social hoje. Para além de se manter inovando, atuante, com atividades que gerem interesse, é a questão do financiamento. O financiamento das instituições sociais é o grande desafio, porque eu não tenho um produto de prateleira. Então, eu preciso estar constantemente inovando e criando conteúdo para poder estar em evidência e atrair parceiros para essas ações e atividades. O mercado está em constante evolução e ebulição. Isso demanda de nós, apesar de sermos o terceiro setor, estar muito conectado ao mercado e acompanhando para poder atender a necessidade do parceiro. Porque é justamente atendendo a necessidade do parceiro, que vai ser de responsabilidade social, de marketing ou de branding, que eu vou conseguir reverter isso em prol das áreas em que nós atuamos.

M&M – Como é a relação do AfroReggae com as marcas? Como vocês definem esses parceiros?

Danilo – Não é muito fácil fechar um perfil. Nós sempre trabalhamos com grandes empresas. Acho que é a única característica que dá para ficar clara. Normalmente, são grandes empresas porque são elas que têm condições de fazer um aporte e manter uma atividade. Nós sabemos da dificuldade que elas enfrentam. Então, é muito difícil para as empresas investirem para além daquilo que é, de fato, a atividade delas. As grandes empresas têm condições, são cobradas por isso e entenderam, finalmente, que precisam fazer. Acaba sendo essa uma característica. Agora, uma coisa que nós entendemos neste caminho é que precisa ser uma via de mão dupla. Eu preciso colaborar com o parceiro na operação dele. Quando nós fizemos parceria com a Tim, ajudamos a abertura de uma loja dentro do Complexo do Alemão. Quando tivemos a parceria e o patrocínio do Santander, nós abrimos a primeira agência dentro da favela. Nós precisamos sempre estar conectados ao negócio da empresa. Não basta ser minha contrapartida social ou ser uma ação de marketing, uma ativação. Essa precisa ser, de fato, uma parceria de mão dupla em que colaboramos com o negócio da empresa. Tem que ser bom para ela. E, em contrapartida, vai ser bom para nós também.

M&M – O mercado vem experimentando um retrocesso em termos de ações ligadas à diversidade e ao ESG. Como você analisa esse movimento?

Danilo – Houve muitas mudanças nessa forma de fazer. Nós estamos observando e me parece um movimento natural, por exemplo, as empresas atuarem no território em que elas estão, com uma fábrica, com uma loja ou uma unidade. Porém, os problemas sociais estão em todos os lugares da cidade. Esse é um desafio grande. Nós observamos também que, nos últimos anos, as empresas começaram a colaborar muito mais com o poder público, com as ações do poder público, o que é muito bom. Porém, em alguns casos, elas deslocaram esse investimento. Tirando do terceiro setor para poder somar na atividade pública. Isso afetou muito as organizações sociais e, aí, precisamos lembrar que na ausência do poder público porque – nós tivemos alguns avanços. Não dá para dizer que não – , mas o poder público está perdendo capacidade de resposta. O poder público não está conseguindo inovar na rapidez que a sociedade exige e as organizações sociais conseguem. A máquina de administração é muito pesada e as organizações sociais conseguem fazer isso. Na ausência do poder público, quem continua atuando são as organizações sociais. Nós estamos onde nem o poder público, muitas vezes, chega. É importante que as empresas compreendam que somar na atividade estatal é importante, mas não deixem de continuar colaborando de alguma forma com as organizações sociais porque nós, de fato, estamos onde ninguém está. Nós vamos aonde ninguém vai.

M&M – Quais os planos do AfroReggae para 2025 e para o futuro, de maneira geral?

Danilo – Para este ano, nós estamos ampliando o AfroGames. Estamos abrindo, agora, em fevereiro, um centro de treinamento em São Gonçalo, além das unidades que eu já tenho. Duas na Maré, uma em Vigário Geral e uma no Cantagalo. Também queremos aperfeiçoar nossa metodologia. Nós tivemos algumas alterações. Essa reorganização programática, agora, está de alguma forma consolidada e eu preciso ter alguns avanços metodológicos. Esse ano nós queremos aperfeiçoar a metodologia dos projetos, principalmente, do AfroGames. Para Crespo Music, que é nosso selo, temos uma meta que é o lançamento de 80 faixas nas plataformas digitais. Estamos falando de cerca de 30 jovens, de favela, da comunidade LGBTQIAPN+, que não teriam a oportunidade de produzir seu fonograma sem o apoio do AfroReggae. Na agência Segunda Chance, estamos ainda nos recuperando desse pós-pandemia. Porque foi difícil para todo mundo e ainda mais para o público com que nós lidamos. Agora, estamos conseguindo recuperar o retrocesso que tivemos em função da pandemia. Para os próximos anos, queremos também avançar ainda mais na questão da formação dentro do audiovisual. Queremos, por meio do audiovisual, colaborar com a diversidade nas telas. Essa meta está muito clara para nós. Queremos aumentar a participação de artistas, de atores e atrizes negras, de favela, da comunidade LGBT na tela. Para além disso, nós queremos também, formar para atrás das câmeras. Isso é uma coisa que temos muito claro. Para uma visão mais a longo prazo, nós temos, por exemplo, a Antenar que é um negócio social que nós temos com um parceiro, a IHS Tower, que é a implantação de antenas de 4 e 5G dentro das favelas. Esse é um negócio social e acreditamos, inclusive, que nos próximos anos, ele pode colaborar com uma auto sustentabilidade da instituição. Eu preciso, em alguma medida, começar essa diversificação também das fontes de financiamento e ter um negócio social que me permita manter a atividade e a perenidade. A continuidade mesmo.

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