E-sports desafiarão as ligas de esportes?
Investidores das grandes ligas dos EUA começam a prestar mais atenção aos campeonatos de videogame
Investidores das grandes ligas dos EUA começam a prestar mais atenção aos campeonatos de videogame
Meio & Mensagem
22 de janeiro de 2016 - 8h10
(*) Do Advertising Age
A NFL, liga de futebol americano, entrou nas negociações de pré-temporada antes mesmo do início dos playoffs começarem, com três de suas franquias disputando a mudança de sede para Los Angeles e a liga aprovando a primeira realocação de times em quase duas décadas. Isso não foi nada comparado com a agitação que aconteceu em uma liga de um esporte ligeiramente menos famosa, o League of Legends Championship Series (LCS). Quando a nova temporada começar no sábado, no local mais proeminente dos videogames competitivos, três dos dez times do braço norte-americano da LCS estarão sendo comandados por novos donos, várias equipes existentes terão em campo times inteiros de novos jogadores, e pouco da paisagem estará intocada em relação a 2015.
Vamos falar logo de cara: é bobagem comparar a LCS, em que as franquias são negociadas por cerca de US$ 1 milhão, a um rolo compressor multibiolionário em que estrelas como Tom Brady ganham isso apenas por jogar dois jogos da temporada regular. Mas, para os que estão tentados a zombar das competições de jogos de videogame, o avanço dos últimos meses marca a chegada de grandes negócios – e veteranos da indústria do esporte profissional – para o mundo emergente de e-sports. Entre os novos donos dos Legends estão Andy Miller e Mark Mastrov, que também têm uma participação no Sacramento Kings, assim como o coproprietário do Memphis Grizzlies, Steve Kaplan, e a antiga estrela do NBA, Rick Foz. Esses entrantes cheios de dinheiro chegaram ao campo de jogo a tempo de empurrar este mundo insular para algo que se parece muito mais com os esportes profissionais.
“Os caras que estão comprando times querem um ecossistema no estilo da NFL”, aponta Michael Vorhaus, presidente da Magid Advisors, uma consultoria que trabalha com negócios de e-sports. Os novos magnatas dos e-sports estão começando um processo de mudança de longo prazo. “Todo mundo com quem eu conversei que está procurando comprar um time está de olho em valorização do capital”, diz, sendo que a expectativa comum é de um aumento de 10 vezes no valor atual algum dia. “E ninguém acha que isso será no ano que vem”.
Chegar lá não é simplesmente uma questão de escala. Videogames competitivos ainda estão na sua fase inicial de expansão, com todos os percalços inerentes. A paisagem dos e-sports consiste em uma bagunça de editores de jogos, organizadores de torneios independentes, times e plataformas de streaming – sendo que todas elas são tipicamente comandadas por homens jovens que trabalham com objetivos opostos e sem uma estratégia global.
A LCS é uma ilha de relativa estabilidade, pelo menos em comparação com a desordem dos e-sports. Principalmente porque a Riot Games, editora do jogo League of Legends, comanda ela mesma a competição e mantém um controle rigoroso sobre as equipes envolvidas. Ainda assim, a Riot tem que desenvolver muitos dos apetrechos do modelo de negócio padrão da liga esportiva. Não há contratos de transmissão de longo prazo ou organizações estáveis que mantenham os times funcionando, nem padrões para a maneira que os jogadores são tratados, e nem muita coisa parecida com uma estratégia para assegurar a paridade competitiva. A recente mudança na propriedade dos times talvez seja um sinal de profissionalização precoce – e um indicador de turbulência significativa à frente.
As grandes mudanças na Legends começaram na última primavera, quando o Time 8, que estava passando por dificuldades nas temporadas recentes, decidiu sair da liga. Vender um time de e-sport é diferente de comercializar uma franquia na NBA. Não há arenas com rendas ou contratos robustos com jogadores para mudarem de mãos: a única coisa a venda é o direito de entrar na própria competição. Os termos dos acordos dos e-sports não são públicos, mas pessoas com conhecimento sobre as transações recentes dizem que as franquias nesta pré-temporada foram vendidas por valores entre US$ 800 mil e US$ 1,2 milhão, o triplo dos preços do período anterior.
Os novos donos da franquia do Time 8 apelidaram seu time como os Imortais. Eles rapidamente construíram um elenco cheio de estrelas, usando montes de dinheiros de investidores externos para atrair os melhores jogadores. Antes mesmo de contratar os jogadores, Noah Whinston, chefe executivo do time, contratou pessoal de apoio para fazer coisas como programas de nutrição e desenvolver programas de treino para a equipe. Quanto tudo estava pronto, apenas uma pessoa do Time 8 havia restado. Comentaristas começaram a se referir à nova equipe como time dos sonhos.
A vantagem mais notável dos Imortais é o acesso ao capital. Whinston diz agitar o dinheiro foi a melhor maneira de convencer os jogadores a se juntarem a ele em vez de um time rival, com melhor imagem junto aos fãs, como os favoritos de sempre Cloud9 e SoloMid. “Você precisa poder gastar para recuperar o atraso. Nenhuma startup viria e diria ‘nós só pagaríamos a você o mesmo tanto que a Intel’”, conta Whinston.
No final do ano passado, dois outros grupos de investidores seguiram padrões similares e começaram novos times, NRG e Echo Foz, apoiados por recursos significativos. Representantes desses times ou não responderam ao pedido de entrevista ou se recusaram a comentar. O novo dinheiro significa que a fraternidade fechada dos donos dos e-sports estão sob pressão crescente. Segundo alguns relatos, os salários dos jogadores quadruplicaram em um ano, tornando a tarefa de manter os elencos um desafio assustador para os donos de times sem recursos financeiros consideráveis.
“As expectativas cresceram exponencialmente. Os times estão quase sendo forçados a assumir investimentos externos desfavoráveis”, analisa Stephen Ellis, ex-jogador de videogame profissional e que agora está envolvido em uma série de negócios de e-sports.
As preocupações dos times mais pobres apareceram em um recente debate online sobre se as equipes devem tornar públicos os salários dos jogadores. Falar sobre quanto os seus colegas ganham é estranho, não importa em que campo profissional você esteja. Os funcionários preferem negociar os salários em privado, e discutir o valor abertamente é um tabu em muitos locais de trabalho – ainda que existam leis que proíbam penalizar os funcionários por compartilhar quanto eles são pagos. Uma exceção notável é a dos esportes profissionais. Não somente todo mundo do Cleveland Cavaliers sabe o valor do mais recente contrato do Tristan Thompson vale (US$ 82 bilhões por cinco anos), como os fãs de NBA começaram a debater se ele deveria ser o sexto mais bem pago da liga no momento em que o número se tornou público. Discussões sobre os salários se tornaram parte do espetáculo dos esportes profissionais.
Os jogadores de e-sports e seus empregadores ainda não têm as suas finanças submetidas a esse tipo de escrutínio público. Isso pode mudar. O time Ember, outra equipe recém-formada, publicou uma lista em que detalha quanto paga a cada jogador para competir em um nível abaixo da League of Legends. Os salários variavam entre US$ 70 mil e US$ 92 mil, juntamente com auxílio saúde e auxílio moradia. A Elemental, a empresa responsável pela equipe, levantou US$ 2 milhões com investidores na Signia Venture Partners e disse que discutir salários era uma maneira de fazer a coisa certa com seus jogadores. Como alguém pode negociar um salário justo sem saber quanto os outros jogadores estão ganhando?
Esse argumento ressoou em muitas pessoas na indústria dos e-sports e inspirou cobranças para que os times provem que não estão tirando vantagem de seus jogadores, a maior parte adolescentes. Whinston, dos Imortais, imediatamente apoiou a ideia. Donos de outros times recuaram. Devin Nash, diretor executivo do Counter Logic Gaming, outro time da liga, acredita que times apoiados por capital de risco estão pressionando pela transparência de salários como uma forma de ganhar vantagem contra aqueles que não têm condições de acompanhá-los. O novo dinheiro, ele argumenta, já está minando a estabilidade do mercado. “O ecossistema está transmitindo uma mensagem: dinheiro ganha. Novos grupos de investidores mais fortes estão chegando, ou os que já existem fazem outra rodada de investimentos. Os salários sobem 200% de novo. E de novo. E de novo. Em dois anos, é impossível ter um time de e-sport a não ser que você seja um monstro”, escreveu Nash em um artigo online.
A NFL e a NBA suavizam tensões entre os times mais ricos e mais pobres por meio de um intricado sistema de divisão de lucros e tetos salariais. Não há nada disso nas ligas de e-sports. Whalen Rozelle, diretor de e-sports na Riot, diz que a companhia não está inclinada a intervir neste momento. “Nós não podemos decidir só por capricho que, se funciona no basquete, vamos aplicar da mesma forma nos e-sports”, afirma. A companhia não tem uma posição oficial sobre se os salários devem ser públicos.
A maior diferença entre a gestão da Riot na LCS e a abordagem da NFL em relação ao futebol profissional é que o e-sports não é o coração do negócio da Riot. Os editores de jogos tradicionalmente viam os jogos competitivos como um investimento de marketing que compensa por encorajar as pessoas a comprar mais jogos. Nunca houve um mercado de direitos de transmissão ou streaming significativo para a receita como no caso da NFL e da NBA. Mas talvez isso também esteja mudando. A Turner anunciou que iria começar a sua própria liga de e-sports, e a ESPN anunciou uma nova operação de e-sports na semana passada. A Activision, editora do Call of Duty, recentemente comprou a Major League Gaming, uma rede online para eventos de e-sports, em um negócio avaliado em US$ 46 milhões.
Os novos donos de times da League of Legends Championship Series que estão esperando ter um retorno de seus investimentos certamente vão incentivar a Riot, que pertence ao conglomerado chinês de internet Tencent, na direção do estilo de gerenciamento da NFL, segundo Bryce Blum, um advogado que representa os times e outras organizações de e-sports. “Ainda não há nenhuma partilha de receita, nem divisão de transmissão”, ressalva. A Riot já ajuda a pagar os salários dos jogadores, mas um fluxo constante de dinheiro vindo dos direitos de televisão e internet, presumivelmente, lançarão bases para uma liga mais estável.
Outras pessoas desse meio estão com a esperança de que a chegada dos investidores dos esportes profissionais faça com que a indústria pareça mais segura para os grandes anunciantes. Se os investidores acabarem pressionando os times menores, que seja. “Tudo o que eu posso dizer é que agora existe uma imensa oportunidade de mercado”, opina Steve Arhancet, coproprietário do time Líquido, da Legends. “Algumas pessoas sabem como lidar com isso, e outras não”.
Tradução: Odhara Caroline Rodrigues
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