As perspectivas de negócios, consumo e imagem do País sob o governo Lula
Especialistas analisam diferenças entre os discursos do presidente eleito e de Bolsonaro, e apontam otimismo com tom de conciliação que favorece a estabilidade
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Roseani Rocha
31 de outubro de 2022 - 15h42
Sempre que um novo presidente é eleito, a euforia imediata após os resultados da festa da democracia aos poucos vai cedendo espaço à realidade com a qual cada um irá lidar, ao iniciar efetivamente um novo mandato. Assim, especialistas em economia e consumo desenham um pouco do cenário que Lula encontrará a partir de 2023 e como devem ficar o ambiente de negócios para as empresas, o comportamento de consumo das famílias, que afeta diretamente a dinâmica das marcas, e a imagem do País no mercado externo.
Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, toma como base os discursos de Lula e de Bolsonaro, após terem anunciadas suas vitórias em 2022 e em 2018, para destacar a diferença de rumo e de narrativa que será construída tanto internamente quanto para fora. “Há quatro anos, o discurso foi ‘chegou a hora de a minoria governar para a maioria’. Agora a frase foi ‘é necessário governar para todos’. É importante destacar isso, porque qualquer modelo de governo que busque a conciliação favorece a estabilidade, que traz investimentos internacionais e, internamente, aumenta o otimismo da população e pessoas otimistas consomem mais que as pessimistas”, afirma
Para o professor Marcelo Coutinho, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV), o cenário macro para 2023 é “bastante complexo”. Isso porque é provável uma retração do crescimento global, dado o aumento de juros promovido pelos principais Bancos Centrais combinado ao rearranjo de diversas cadeias produtivas e preços crescentes de energia, em função da guerra na Ucrânia, o que deverá diminuir o fluxo de investimento para os países emergentes. Ao mesmo tempo, internamente, é preciso, segundo ele, destravar importantes reformas estruturais, sendo a fiscal a mais urgente no curto prazo. “Entretanto, teremos um Congresso bastante polarizado e os governos estaduais, que têm peso importante em questões fiscais, igualmente divididos ao redor de linhas políticas bem claras. De outro lado, a população espera, no mínimo, a manutenção de uma política de gastos públicos que é inviável dentro dos atuais parâmetros orçamentários e que muito provavelmente vai exigir aumento de impostos, o que sempre prejudica o nível de atividade”, analisa.
Já Claudio Felisoni, professor da FIA Business School, pontua que há questões emocionais e racionais com as quais o candidato vitorioso terá de lidar. No primeiro campo estão, principalmente, os temas ligados à pauta de costumes, que tem pontos de difícil conciliação e, nesse sentido, tornam o bolsonarismo até maior que Bolsonaro, ou seja, para Felisoni, o atual presidente vestiu a camisa de um ideário que se opõe ao do vencedor, e esse caldo cultural deverá permanecer. Já para definir os aspectos racionais, numa situação futura, ele lança mão de um ditado do Nordeste, região determinante para a vitória de Lula: “Um caminhão de jerimum vai andando e as coisas vão se ajeitando”. Ou seja, passado o momento crítico da decisão em si, e considerando que questões de costumes vão ficar, o realismo, na economia, irá se impor.
Para Felisoni, o primeiro ponto é que a regra do teto de gastos não tem como ser respeitada em 2023, considerando a proposta enviada pelo Executivo ao Congresso este ano. Além disso, se em 2022 houve condições mais favoráveis – como a subida dos preços das commodities no mercado internacional, aliviando pressões – isso não vai se repetir ano que vem. A Selic será mantida em patamar elevado até o meio do próximo ano e, com isso, diz o professor da FIA, o nível de atividade econômica será freado, seja porque investimentos são inibidos pela taxa de juro mais alta, seja pela repercussão que a taxa básica tem nas taxas de juros embutidas no financiamento ao consumo. Isso tudo associado ao cenário externo turbulento ressaltado por Coutinho, e também destacado por Felisoni.
O professor da FIA pontua que o fato de o Brasil ocupar a nona posição no G20, em relação ao peso da dívida, logo, aparentemente numa situação intermediária, não é, na verdade, algo confortável. Isso porque os oito países que detêm peso maior que o Brasil têm taxas reais de juros negativas, ao passo que a nossa é positiva em 6,4% ao ano, considerando uma Selic de 13,75% para uma inflação de 7,17%. Entre os caminhos para diminuir esse peso estariam aumentar receita ou reduzir despesas. Mas, diz, esta última opção não ocorrerá devido aos compromissos assumidos pelo vencedor, “que a bem da verdade não são diferentes daqueles apontados pelo candidato derrotado”. Já o aumento da receita poderia se dar por aumento de tributos ou recursos advindos da implementação de programas de privatização, o que é improvável no governo Lula.
Já o crescimento do PIB é esperado, pontua Felisoni, principalmente a partir de meados do próximo ano. “O mercado, apesar das tensões emocionais provocadas pela campanha, não parece preocupado com o resultado das eleições”, diz ele, elencando dados que confirmariam essa tese. O primeiro ponto são as projeções de inflação; em 2022 era de 6,8%, e já cai para 5% em 2023 e para 3,5% para 2024 e 2025. Além disso, ao contrário de Coutinho, ele argumenta que o Brasil apresenta boas perspectivas para atrair investimentos estrangeiros, principalmente em razão das dificuldades que seus concorrentes vêm enfrentando. “Isso será reforçado se o governo no começo, aproveitando o cacife eleitoral que conseguiu, atuar com firmeza rumo à racionalidade, por exemplo, encaminhar com firmeza uma proposta de reforma tributária. Isso geraria confiança e ânimo, que são aspectos essenciais a uma retomada”, afirma Felisoni.
O bolsonarismo e a máquina de enganar gente
Quanto ao clima e às condições que estarão disponíveis ao empresariado, das pequenas às grandes empresas, no próximo ano, Coutinho, da FGV, acredita que os próximos 12 a 18 meses ainda serão nebulosos, mas menos tensos, que 2022. Para ele, a incerteza na condução da economia deve permanecer, ou até aumentar, em função do desenho da reforma tributária que sair do Congresso e do quanto a complacência dos investidores vai perdoar (ou não) um estouro do teto de gastos que já está contratado para 2023: “As negociações do governo eleito com as bancadas no Congresso nos próximos 90 dias serão cruciais para determinar o ambiente de negócios em 2023 (lembrando que a próxima legislatura só começa dia 1º de fevereiro)”.
Meirelles, do Instituto Locomotiva, analisa que o que vem é “um ano de reconstrução, não só no Brasil como no mundo”. Atribui isso um nível mais baixo da pandemia, sem as consequências diretas do período mais agudo da crise. Internamente, prevê que ainda haverá dificuldades na relação com o Congresso, mas acredita que a rápida sinalização do presidente da Câmara, Arthur Lira, apoiando o sistema democrático, ao parabenizar Lula pela vitória, mostra que haverá um ambiente favorável à busca de um ponto de encontro entre a redução da desigualdade e a sinalização ao mercado de crescimento econômico. “O presidente eleito deixou claro que não foi uma vitória dele ou do PT, mas de uma ampla coalizão democrática. Isso mostra que ele não dará as costas à amplitude do setor econômico que o elegeu, o que aumenta a estabilidade e amplia as chances de reformas econômicas necessárias para o Brasil voltar a crescer, sem deixar para trás as parcelas dos consumidores mais pobres”, diz o pesquisador, lembrando que essa foi a tônica do primeiro governo Lula, o que resultou na criação da chamada “nova classe média brasileira”, à época.
Quanto às perspectivas em relação ao nível de consumo das famílias, Renato Meirelles diz que não há “nenhuma chance de Lula não cumprir a manutenção do Auxílio Brasil” e crê que isso, associado a aumentos reais do salário-mínimo, criam um círculo de economia virtuoso, “como as melhores democracias fizeram”, e lembra que o atual governo foi o único a entregar um salário-mínimo menor do que quando assumiu o posto.
O professor Marcelo Coutinho, da FGV, destaca que nos últimos meses houve uma injeção de recursos com fins eleitorais que impulsionou o consumo de forma artificial e vai produzir um bom ambiente neste final de ano “supondo que estes benefícios se mantenham até a data prevista no orçamento, 31/12”, pois isso injetaria até R$ 68 bilhões na economia que vão diretamente para o consumo. “Isso também influenciou positivamente a confiança do consumidor e dos empresários, o que, somado à Copa, deve garantir um final de ano razoável. Mas daí por diante estamos no terreno do imponderável, que vai depender de como irão ocorrer as articulações entre o novo governo e o Congresso”, pontua.
Felisoni, da FIA Business School, tem uma visão de médio prazo mais otimista. Se até meados de 2023 deve haver crescimento de consumo, porém, limitado, depois disso a expectativa para o consumo das famílias é mais promissora, segundo ele, em razão da redução esperada das taxas de juros. “Em que pesem as dificuldades políticas de um Congresso com uma oposição expressiva, e essa oposição será bastante ruidosa, acredito que o candidato vitorioso seja capaz de forma uma maioria para encaminhar seus projetos. Assim tem sido historicamente”, afirma. Para o professor, esse maior otimismo poderá ser até alavancado se o governo agir rapidamente, emitindo um sinal positivo de uma reforma tributária, mas não apenas de aumento de alíquotas e, sim, de uma reforma de fato. Ele lembra que a estrutura existente é altamente regressiva, o que estimula sonegação e incorpora a bitributação de forma recorrente, ou seja, a aplicação de impostos distintos sobre a mesma base. “Portanto, uma reforma se faz absolutamente necessária. Por dois motivos: primeiro, elevar receita e, assim, diminuir peso da dívida; segundo, para promover maior eficiência e equidade na geração dos volumes recolhidos”, enfatiza. Ele resume o quadro para 2023, nesse aspecto, dizendo que será preciso dosar demandas por mais gastos, que são os compromissos assumidos em campanha, abrindo espaço fiscal para que eles estejam no orçamento e não fora, pois, se isso não ocorrer, a resposta virá como mais inflação.
Se no âmbito interno o Brasil tem desafios como aumentar a produtividade sem contar mais com o “bônus demográfico” (a população economicamente ativa crescer mais rapidamente que os dependentes – idosos, crianças e adolescentes), o que faz o País crescer abaixo da média do G20 há décadas nesse quesito, e somente a produção de commodities não dará conta de aumentar a renda e preparar o País para o aumento da população idosa, de outro lado, pontua Marcelo Coutinho, o Brasil poderá ter na transição para a energia limpa, uma janela de oportunidade. “O País pode ser um exportador deste tipo de energia para diversas economias vizinhas e pode também se beneficiar de uma maior demanda por produtos que não pressionem tanto o meio ambiente, algo muito forte nos mercados do Atlântico Norte”, argumenta. Todavia, alerta ao fato de que se trata de um volume de investimentos, em educação e infraestrutura, além da capacidade do Estado e do setor produtivo nacionais. Por isso, seria preciso contar com a boa vontade do capital internacional para aproveitar essas oportunidades.
Para ele, o resultado apertado da eleição colocará o País sob uma lupa do investidor e dos empresários internacionais. Se o governo Lula confirmar um caminho rumo ao centro, na composição da equipe econômica, e demonstrar que vai governar também para os mais de 50 milhões de eleitores que escolheram outra opção, haverá “uma confirmação da solidez das instituições brasileiras, o que no longo prazo sempre favorece o investimento internacional”. Mas alerta a um período de transição que pode ser bastante complexo. “A imagem do Brasil pode melhorar em um primeiro momento, mas se não houver um ajuste de expectativas (via composição do ministério e medidas rápidas na economia) essa confiança pode se esgotar rapidamente. Não será um começo de ano fácil”, diz.
Questionado sobre se deve haver mudanças num certo isolamento diplomático internacional em que o Brasil teria caído, especialmente pela forma de condução da pauta ambiental, o professor Felisoni, da FIA, acredita mais numa “guerra de narrativas”, do que no fato de o Brasil ter sido claramente prejudicado por conta das posições assumidas pelo atual governo. “Mas não há como negar que as polêmicas não foram boas na criação de um clima mais positivo. Essa mudança do Executivo traz um estímulo para ampliar o diálogo, suscitando mais confiança e disposição dos investidores com o País”, acrescenta.
E para o presidente do Instituto Locomotiva o maior sinal sobre o que a eleição de Lula representa em termos de imagem do Brasil internacionalmente, foi o fato de 40 minutos após a confirmação de resultados o presidente dos EUA, Joe Biden, ter feito contato para parabenizá-lo e referendar a democracia brasileira, assim como fizeram outros líderes, como o presidente francês, Emannuel Macron. “O mercado internacional quer estabilidade. Uma estabilidade democrática facilita a entrada de dinheiro internacional, assim como o compromisso com o meio ambiente também traz de volta os fundos soberanos e outros investidores”, diz.
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