Empresa “traduz” empreendedorismo para pessoas de baixa renda
“É uma questão de acessibilidade”, diz Karine Oliveira, da Wakanda Educação
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Caio Fulgêncio e Caio Fulgêncio
12 de maio de 2022 - 6h00
Do bairro Engenho Velho da Federação, em Salvador, para a capa da Forbes, como uma das pessoas com menos de 30 anos que fizeram a diferença em 2020. A relação da empresária baiana Karine de Oliveira, de 28 anos, com o empreendedorismo começou cedo, dentro de casa. Solteira, a mãe dela trabalhava como vendedora e ministrava aulas sobre economia solidária em uma cooperativa.
A admiração pela área cresceu e, naturalmente, Karine passou a auxiliar pequenos empreendedores nas áreas de finanças, marketing e planejamento. Com o passar do tempo, no contato com os trabalhadores, ela entendeu que a linguagem rebuscada e cheia de palavras estrangeiras mais afastava do que atraía pessoas para o mundo dos negócios.
Em 2018, nasceu a Wakanda Educação Empreendedora, empresa de impacto social com a missão central de simplificar o empreendedorismo para a linguagem popular e regional. Mais de 1,1 mil pessoas passaram por formações, consultorias e mentorias em aulas presenciais e online. Além desses, a empresa fornece produtos sociais para outras empresas que querem investir no entorno de suas sedes.
No curto período de existência da Wakanda, Karine também participou do programa Shark Tank Brasil, da Band, e concedeu entrevistas a vários veículos de comunicação. Ao Meio & Mensagem, a empresária falou, dentre outras coisas, sobre a necessidade de democratização do ensino sobre empreendedorismo e diversidade no mundo dos negócios.
Meio & Mensagem – Como foi a criação do modelo de negócio da Wakanda Educação?
Karine – Quando comecei a estudar a fundo o empreendedorismo, eu me senti analfabeta, porque todas as palavras eram em inglês. Era como se eu não pertencesse e me sentia mal por isso. Eu tinha uma bagagem grande, já trabalhava na área há cinco anos, mas era como se fosse ainda amadora. Então, imaginei que dava para criar um ambiente bem mais a minha cara. Dessa forma, pessoas como eu – pretas, periféricas e LGBTs – poderiam também entender que já eram empreendedoras, que a linguagem e a história de vida não eram tão afastadas de uma grande empresa. Por isso, criei a metodologia da Wakanda, usando a nossa linguagem, extremamente identitária.
Meio & Mensagem – Quais as principais frentes de atuação da Wakanda?
Karine – Uma delas é auxiliar empreendedores por necessidade, que é o nosso maior foco, com cursos em linguagem informal. Outra frente é a nossa atuação em rede. São iniciativas que juntam pequenos empreendedores para que eles consigam maiores vendas. Isso é uma coisa que vem da economia solidária, são compras coletivas, feiras e comercialização juntos. Na terceira frente, atuamos com grandes empresas que estão começando a desenvolver seus pilares de geração de renda. Por meio da Wakanda, elas apoiam comunidades periféricas ao redor de suas bases. Já trabalhamos com o grupo CCR e Santa Helena, por exemplo. Nessa frente, ajudamos também os empreendedores a terem acesso às grandes empresas.
Meio & Mensagem – Por que é importante promover a democratização do ensino sobre empreendedorismo e de que forma isso pode mudar o mundo dos negócios?
Karine – O empreendedorismo tem servido a grandes empresas e grupos de pessoas brancas e cis, mas existe uma grande parte da população – que é periférica e preta – que sempre empreendeu. A diferença é que é um empreendedorismo por necessidade. Imagine uma empresa nascer e, no mesmo dia, ter que dar bons resultados, já que uma família inteira depende daquela renda? Então, primeiro a gente tem que entender que existem vários tipos de realidades, vários ‘brasis’. É preciso abarcar isso nas aulas para que o ensino seja inclusivo. O desemprego estrutural é um fato e o mercado formal não consegue comportar todo mundo. O empreendedorismo faz esse chamado para aqueles que não têm opção e isso é também libertador, principalmente para as mulheres. É um chamado para a autonomia e para entender que é possível viver com qualidade, sem precisar ser milionário. A nossa economia não gera muitos milionários. O mundo dos negócios é feito por pessoas e é importante trazer essa diversidade de histórias e de lugares de fala. A democratização do ensino pode ser simples. Espero que a gente comece a trazer o lado mais nacional do empreendedorismo – inclusive, mais nordestino, mais resiliente, ‘devagarzinho’ – e que, ao invés de americanizar os termos, sejam usadas as nossas próprias palavras. Quando o empreendedorismo tomar essa cara brasileira, eu acho que ele vai fazer mais sentido na vida de todo mundo.
Meio & Mensagem – O que as startups e os empreendedores por necessidade, como esses que são atendidos pela Wakanda, podem aprender entre si?
Karine – A Wakanda foi criada para ser ponte entre esses dois mundos. Gostaria que o pessoal da rua aprendesse que é possível pensar grande, como ocorre em uma startup. Ter a ideia e querer mudar o mundo não é soberbo, nem impossível. Isso é bom para que eles entendam que dinheiro não é ruim, como fizeram eles acreditarem. Também é bom eles aprenderem que uma empresa não cresce sozinha. Isso é muito legal nas startups, porque sempre se fala em time. Assim, a jornada pode ficar mais leve. Do outro lado, seria interessante as startups aprenderem com os empreendedores da rua que nem tudo é dinheiro. Como seria o seu negócio sem milhares em créditos? Eu acho que é possível aprender a resiliência da rua e a ginga, porque a gente consegue outros jeitos de fazer as coisas, mesmo sem acesso a muitos recursos. Essa é a coisa mais linda que existe nas ruas, é crescer com raízes, igual a uma árvore. E, sinceramente, as ruas são muito mais democráticas. Então, que as empresas entendam que o ecossistema precisa ser igual à rua, democrático, para que todo mundo possa chegar.
Meio & Mensagem – Você esteve na Lista Under 30, da Forbes, em 2020, e participou do programa Shark Tank, da Band. O que mudou com toda a visibilidade?
Karine – Foi muito bom ganhar visibilidade internacional estando em Salvador, para que a cidade e as companhias entendessem que existia uma empresa que trabalhava com um gargalo muito grande, que é a linguagem. Há uma lógica de que os meios tradicionais estabelecem a linguagem e todo mundo precisa se adaptar a ela. Não na Wakanda. Existem vários jeitos de falar e, a partir do momento que me abro para isso, mais pessoas conseguem chegar. É uma questão de acessibilidade. Desde então, trabalhamos com grandes grupos e demos um salto de faturamento. Basicamente, saímos de dois contratos empresariais por ano para oito no ano passado. Agora, estamos alcançando clientes tamanho G, que são prefeitura e governo. Tudo isso em apenas dois anos. Depois que tivemos essas duas validações gigantes, ninguém mais teve dúvida do que a Wakanda fazia. É uma empresa baiana, de uma mulher preta, bissexual e foi muito importante que as empresas entendessem que cheguei com o pé na porta e que não vou sair daqui tão cedo.
Meio & Mensagem – Como você analisa os debates sobre diversidade no mundo corporativo. O cenário está mudando?
Karine – Creio que o ano de 2021 foi sobre as empresas ainda conversarem sobre essas ações. Agora, eu acho que precisamos que elas comecem a agir. Percebo que muitas ainda estão engatinhando e a gente questiona o que vai ser feito para que pessoas negras, LGBTQIA+, PCDs, e outros grupos, estejam em cargos de alta liderança. Que tipo de políticas existem para que travestis e transexuais entrem e tenham bons empregos? Hoje, queremos que as empresas tenham ação e não só totens de diversidade. Ter várias mentes e pontos de vista é muito importante. Isso também é lucrativo. No dia que entenderem, elas vão ver que não é questão de abrir exceção, mas de ser a regra.
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