Festivais e cultura negra: a importância e os desafios das iniciativas
Afropunk, Batekoo e Boogie Week redefinem o mês da Consciência Negra mas ainda encontram dificuldades em estabelecer relações com marcas
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Rafaela de Oliveira
25 de novembro de 2024 - 14h50
Há pouco tempo, o mês de novembro, destinado à Consciência Negra que é celebrada no dia 20, deixou de ser o momento para se tratar sobre questões exclusivamente trágicas para a população negra.
Como exemplo desse movimento, há diferentes festivais que são realizados em prol de enaltecer a cultura preta, assim como suas raízes ancestrais, exaltando a diversidade e autenticidade.
Entre as diversas atividades oferecidas, tais eventos reúnem artistas negros encontros que promove entretenimento para a comunidade, também como forma de resistência explorada por várias plataformas de conteúdo.
No entanto, o principal desafio encontrado no meio publicitário para consolidar esses projetos é comum entre os festivais: a dificuldade em angariar marcas e patrocínios. A falta de verba privada e pública é o principal fator que ainda inviabiliza tais eventos.
Conheça alguns desses festivais que acontecem no Brasil, com foco exclusivo em pessoas negras e com objetivo de exaltar a potência negra em um mês simbólico:
O Afropunk é uma plataforma que celebra a cultura e a diversidade negra através da música, arte e conexões com a comunidade. Com presença global e surgido nos Estados Unidos, o movimento completa 20 anos em 2024, tendo chegado em 2021 no Brasil, inicialmente em Salvador. Neste ano aconteceu no Parque de Exposições de Salvador, nos dias 9 e 10 de novembro.
“Apesar de já marcar presença em Salvador, foi preciso inserir o Afropunk em São Paulo, por ser o principal polo de movimento de imprensa e de atenção de algumas marcas”, explica Rose Sousa, diretora de negócios da IDW, agência de marketing digital responsável pelo Afropunk Brasil.
A executiva ressalta que o primeiro desafio encontrado para se consolidar no País foi mobilizar as marcas para conhecer esse espaço, uma vez que já tinham fãs engajados no propósito.
“Neste ano conseguimos captar mais recursos e trabalhar previamente com as marcas, tendo entendido melhor o movimento do mercado”, afirma Rose. “Temos marcas parceiras que são resultados de um trabalho de anos atrás, e assim percebemos o amadurecimento do mercado em reconhecer que o nosso festival não cabe em verbas regionais e ou de diversidade.”
Nesse sentido, os outros obstáculos encontrados são referentes à localização e à estrutura do evento.
“O mercado publicitário entende que estar alocado na capital baiana, fora do eixo Rio-São Paulo, o torna um festival regional, considerando que o mesmo não deve receber uma verba de patrocínio, e sim de estratégia regional”, conta Haloá Sousa, executiva de negócios da IDW. “As marcas ainda enxergam que pautas identitárias só devem ser tratadas no período que é reservado para elas, como em novembro, para a Consciência Negra, e junho, para o Orgulho LGBTQIAPN+.”
“Sabemos que durante o ano inteiro, marcas terão oportunidades de falarem sobre nossas dores, mas o Afropunk tem a intenção de ser uma celebração no mês de novembro”, continua Rose.
O evento, que até o momento teve cinco edições no País, também funciona como impulsionador econômico da cadeia empreendedora, uma vez que pequenos e médios empreendedores negros esgotam suas agendas e estoques no período do festival para responder à demanda gerada.
“Entendemos que a mudança no ponteiro acontece pela economia, por isso, intencionalmente, 96% da força de trabalho envolvida no evento é composta por pessoas negras, proporcionando poder aquisitivo a elas”, diz a diretora de negócios da IDW.
De acordo com o Índice de Movimentação Econômica de Salvador, o Afropunk registrou um crescimento acumulado de 22,7% no primeiro semestre de 2023, com uma movimentação econômica de R$ 18,6 milhões gerada na cidade.
“Outro grande desafio é como o Brasil enxerga a negritude no mercado publicitário”, comenta Haloá. “Em um certo momento houve um boom de cargos de diversidade e inclusão nas empresas, e hoje observamos um movimento contrário, onde essas vagas estão sendo desfeitas ou reduzidas.”
Rose Sousa explica que para manter o engajamento da comunidade criada, o Afropunk não gara conversas unicamente no mês anterior ao evento, a troca é estabelecida o ano inteiro, tanto pela plataforma quanto pela própria comunidade de forma orgânica, bem como em portais de conteúdo negro.
A partir de parcerias estratégicas com veículos de comunicação, a plataforma consegue impulsionamento nas divulgações, como aconteceu ao ser firmada a parceria de transmissão e de mídia com a Globo. Banco do Brasil, Heineken, Vivo, Coca-Cola e Sprite também marcaram presença enquanto apoiadores do festival.
Além disso, para contemplar uma audiência nacional, a plataforma conta com mídia exterior, comunicação em São Paulo e mídia programática no social.
Para as pessoas que não conseguem ir ao festival entenderem a magnitude do evento, a plataforma criou o Afropunk Experience, que terá no dia 14 de dezembro uma edição em São Paulo, no Parque Villa Lobos “A ideia é que em 2025 o evento chegue em outras praças, sendo um projeto itinerante com Salvador sendo a casa do festival no País”, menciona a executiva de negócios da IDW.
A Batekoo, que teve seu início em 2014, também começou em Salvador, sendo uma plataforma voltada para pessoas negras e que traz à tona a reivindicação de espaços de produção cultural preta.
Posteriormente, o evento foi consolidado em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Brasília e Belo Horizonte, totalizando seis praças. Assim, foi compreendida a necessidade de organizar o festival enquanto empresa e trazer uma visão de negócios para além de seu propósito.
“A Batekoo nasceu de uma demanda coletiva, e não de uma oportunidade de negócio, e cresceu organicamente conseguindo se expandir para outras cidades e construindo uma forte comunidade”, afirma Artur Santoro, curador e sócio da Batekoo.
A plataforma também oferece serviços de produção, educação de cultura e criatividade para pessoas negras e núcleo de influencers.
“Quando falamos de cultura no Brasil, sabemos o quanto as marcas ainda ocupam um lugar de relevância, tanto em relação ao patrocínio direto quanto às leis de incentivo”, enfatiza Santoro. “O poder ainda está nas mãos das marcas que decidem quais projetos culturais terão um fomento para se concretizarem.”
O executivo aponta que 90% dos contratos de marca que a Batekoo fechou durante esses dez anos foram encabeçados pelas poucas pessoas negras inseridas nesse meio.
“Os modelos de negócios em grandes agências demonstram como a questão da diversidade ainda está longe de ser resolvida, o que também explica a falta de investimentos em projetos que coloca essa temática como centro”, diz o curador e sócio da Batekoo sobre os poucos cargos de lideranças no setor serem ocupados por pessoas negras, principalmente mulheres negras.
Como estratégia para o plano de comunicação, a plataforma organiza os eventos pensando na acessibilidade para alcançar pessoas negras, fazendo divulgação com mapeamento de plano de ação, ativação de rádio, panfletagem, lambe-lambes, impulsionamento de mídia, assessoria de imprensa, comunidades de promoters e embaixadores.
“No entanto, a possibilidade de orçamento financeiro também vai ditar o quanto o festival poderá ser divulgado e impulsionado, além de restringir o fechamento de grandes shows”, destaca Maurício Sacramento, fundador e CEO da Batekoo. “A falta de aporte nos prejudica do início ao fim, pois também impacta na dimensão e expectativa das pessoas sobre o evento.”
A captação comercial da Batekoo é trabalhada com a MAP Brasil, agência que conta com mais de 50% de seu casting formado por pessoas negras.
Neste ano, a Batekoo contatou mais de 100 marcas de diversos segmentos. Segundo os profissionais, as marcas que estiveram com o festival anualmente, não tratando a causa com pontualidade, foram Nivea e Adidas. Além disso, cada vez mais as leis de incentivo têm colaborado para reunir verba do setor público.
Entretanto, frente a um cenário de falta de recursos e patrocínios dispostos a participarem do evento, houve o adiamento deste faltando pouco menos de um mês para sua realização, que estava prevista para o dia 23 de setembro, em São Paulo.
“Não é por falta de dinheiro que as marcas não aderiram às nossas propostas, mas por terem outras prioridades de investimentos”, analisa Artur Santoro. “Esse desafio não é enfrentado apenas pela Batekoo, inclusive o anúncio do adiamento do festival se tornou um momento de desabafo para as pessoas que vivem isso.”
O executivo menciona que ao divulgarem o porquê do adiamento tinham a intenção de abrir um diálogo para que outras pessoas, plataformas de conteúdos e artistas negros conseguissem falar sobre suas experiências e frustações em meio a esse cenário de captação de patrocínio público ou privado.
“Divulgamos o motivo do adiamento em nossas redes sociais porque se trata de um movimento silencioso desejado pela branquitude publicitária”, ressalta Maurício Sacramento. “Mesmo com a consciência da majoritária presença negra no País, as marcas continuam inviabilizando a nossa visão criativa, e até se aproveitando desse movimento de reivindicação de espaços e estéticas.”
“Hoje em dia a Batekoo é procurada por marcas e artistas internacionais, mas o que falta é o investimento”, completa Artur Santoro.
A realização da Boogie Week, por sua vez, acontece durante uma semana inteira no mês da Consciência, em que a cultura negra, a música, a dança e a diversidade são celebradas junto à herança afro-brasileira.
“A Boogie Week foi pensada justamente para servir de respiro em meio a correria do dia a dia, fazendo com que as pessoas dancem, sorriem e se respeitem, à medida que fortalece ainda mais o mês da Consciência Negra que não era compreendido como oportunidade de negócios, servido apenas como uma data para chorar”, explica Eliane Dias, co-fundadora da Boogie Naipe, produtora que realiza o evento.
A produção da Boogie Week foi realizada pela InHaus. Neste ano, o evento firmou parceria com Ifood, Espaço Unimed, B3 e Eletromidia.
“Captar patrocinadores é um grande desafio diante de um produto que é feito para demonstrar o grau de conhecimento em todas as áreas, de tecnologia, ciência, saúde, beleza, cultura e educação”, diz Eliane. “As grandes marcas geralmente estão voltadas especificamente para um produto que já está saturado.”
A executiva analisa ainda a presença do mercado publicitário em grandes festivais, onde dificilmente conseguem destaque devido à grande quantidade de informação reunida. “Poucas marcas têm a visão de trabalhar conosco a tendência que nossa curadoria aponta, tentamos mostrar isso com muito esforço para abrir os olhos dos publicitários”, completa.
O festival, que teve sua quarta edição em 2024, também valoriza a conexão e a construção de redes, por meio de música, bate-papos e atividades infantis,
A programação contou com shows, bate-papos e feira cultural no Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, no Tendal da Lapa, em São Paulo. Fora isso, empreendedores selecionados participaram de uma ação que teve como objetivo fomentar negócios nas periferias, contribuir com o desenvolvimento profissional de pequenos negócios e incentivá-los, gerando impacto social e econômico.
Ainda como parte do cronograma, a Boogie Week promove o Summit “Caminhos Possíveis”, em parceria com o Google, voltado especialmente para jovens estudantes em fase de construção de carreira.
Também houve duas datas destinadas ao show dos Racionais MC’s em São Paulo e o Prêmio Griô, evento dedicado à celebração da excelência negra em suas múltiplas expressões artísticas e vivências.
“O processo para realizar a Boogie Week não é repleta de sorrisos, pois as pedras encontradas no meio do caminho ainda causam muitas frustrações, mas sei que chegará o momento em sorriremos do início da organização, quando ocorre a captação das marcas, até o final do evento”, conclui a co-fundadora da Boogie Naipe.
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