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Qual é o impacto das discussões sobre gênero na moda?

Gênero impacta na produção de moda e é desafio para que marcas alinhem narrativas de comunicação entre teoria e prática frente ao público consumidor


15 de maio de 2023 - 6h05

Entre os anos 1400 e 1500 a percepção de gênero na moda pôde ser vista na sociedade ocidental a partir da modelagem de trajes exclusivos masculinos e femininos, estes com cortes mais decotados. O que conhecemos por moda atualmente tem grande parte de sua origem em sociedades europeias milenares, adaptadas, claro, para os costumes contemporâneos.

gênero e moda

Ascensão da pauta relativa a gênero entra no radar de marcas na produção de produtos e ações de comunicação, mas abrangência ainda é tímida (Crédito: Anjar-Parmadi-shutterstock)

A evolução comportamental da sociedade vem ditando novos conceitos e desafiando padrões de consumo construídos ao longo dos séculos. O setor do vestuário é um dos alvos da pauta acerca de gênero, uma vez que a moda é uma manifestação de linguagem, identidade, posicionamento, entre outros. As transformações da indústria acompanham, ainda, a crescente discussão carregada pela diversidade e inclusão, sobretudo da comunidade LGBTQIAP+, no mercado consumidor.

“Esse olhar para a moda respeita as escolhas, oferece opções e celebra o diverso, antevendo uma oportunidade de atender as demandas de um público cada vez menos conservador e conectado aos conceitos de vestuário ‘feminino’ e ‘masculino’. Neste cenário surge o conceito de moda sem gênero – ou genderless”, explica Marina Tozzini, professora do hub de moda e luxo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e especialista em branding.

O conceito já é abraçado pela grande indústria. A Renner conta com uma postagem em seu blog explicando o movimento de roupas sem gênero e sua evolução histórica. A questão teve notoriedade também com a divisão de papéis sociais de homens e mulheres no século XVII entre a burguesia. A marca traz, ainda, dicas de como apostar em looks com roupas sem gênero, a partir de peças como bermudas, camisas oversized, moletons e coturnos.

Além disso, temática vem à tona com as manifestações da Geração Z, que demanda produtos que representem as mensagens que querem passar ao mundo: seja ela sexual, política, de gênero, de escolha, pontua Marina.

Gênero na moda tem viés técnico

A produção do vestuário no geral leva em consideração questões de antropometria, segundo Fernando Hage, coordenador do curso de moda do Centro Universitário Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). O desenvolvimento de peças sempre vai, em um momento inicial, estar atrelado ao modelo do corpo, levando em consideração medidas e proporções corporais. “Quando falamos de gênero, entendemos que existem questões corporais de medidas de protuberância e órgãos que estão relacionados aos diferentes sexos de nascimento das pessoas”, destrincha.

Contudo, o coordenador alerta: “Não necessariamente temos que entrar na discussão da binariedade. Temos que pensar que hoje há uma multiplicidade de corpos”. Assim, a luz é dada à diversidade de numerações, modelagem que atendam a todos os tamanhos de corpos. Há até mesmo soluções de projetos e designs que possam trazer conforto e ergonomia para os produtos. Marina, da ESPM, corrobora: “Diferentemente da moda unissex, elaborada para atender todos os gêneros, a moda agênero não possui a percepção de gêneros e, sim, de pessoas. A proposta é deixar todos livres para usarem aquilo que desejarem. Estamos falando de modelagens, estampas e tecidos que agradem a qualquer pessoa”.

Tais esforços existem com mais frequência em nível industrial na produção em escala. Isso acontece uma vez que o mercado se adapta a uma grade de medidas. No caso das fast-fashions, há uma necessidade de conversar com diversos públicos. Já na alta costura, o movimento é contrário. As peças são adaptadas dentro de um processo de produção sob medida nas passarelas.

Apesar da diferença, as grifes são responsáveis por ditar muitas das tendências que são levadas ou utilizadas de inspiração na grande indústria. Em 2021, marcas como Stella McCartney e Gucci investiram em lançamentos genderless que quebram a percepção comum de cortes quadrados e grandes e paletas neutras, conforme indica reportagem da Vogue. Ademais, a PacSun e a Adidas protagonizaram capítulos nessa evolução com a abertura de lojas sem gênero, ou seja, sem sessões femininas e masculinas.

Práticas consolidadas ou ações pontuais?

Mesmo que a discussão esteja em alta, está longe de se tornar uma prática comum de empresas. O discurso em sua totalidade é adotado por marcas menores com mais facilidade. Enquanto isso, no varejo, o conceito é frequentemente aplicado em ações exclusivas e coleções cápsula.

Na edição de 2021 do Big Brother Brasil, o então participante Fiuk protagonizou polêmicas relacionadas a gênero e moda por utilizar um vestido no programa. Na sequência, a C&A – patrocinadora do programa à época – anunciou o lançamento de uma coleção-cápsula sem gênero. A linha contava com quatro modelos, sendo três vestidos e uma saia envelope.

“As marcas de um modo geral gostam de se apropriar de tendências para conversar com as novas gerações, porém, todo cuidado é pouco: o discurso, imagem e produto precisam estar alinhados para que possam ser convertidos em vendas e ganho de imagem”, endossa a professora do hub de moda e luxo da ESPM e especialista em branding.

Ela pontua que o lado positivo da questão é proporcionar que discussões importantes, como a de gênero, cheguem a mais pessoas através de marcas populares. Na mesma linha, Hage, da FAAP, lembra que há ainda uma questão de educação do público sobre os novos conceitos. “Temos que pensar que são séculos de uma organização de uma indústria a partir de uma construção de gênero de moda masculina e feminina”, finaliza.

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