Roseani Rocha
29 de abril de 2025 - 13h00

Campanha para o lançamento do perfume Prada Paradoxe com a cantora Iza (Crédito: Divulgação)
Após constatar, com dados de pesquisa feita ano passado, que o racismo espanta dos pontos de venda, no varejo de luxo, consumidores negros da classe AB, a L’Oréal criou, primeiro, o Pacto Afroluxo, com diretrizes internas e voltadas aos parceiros varejistas, e, agora, um Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro.
O Código, desenvolvido pela L’Oréal Luxo – divisão voltada ao segmento de produtos premium da multinacional de beleza – em parceria com o Movimento pela Equidade Racial (Mover) e movimento Black Sisters in Law, está sendo oficialmente lançado nesta terça-feira, 29, em evento no Rio de Janeiro.
No documento, estão contidas dez propostas de normas, sem validade jurídica, para combater o racismo – expresso ou velado – no mercado de luxo. Mesmo sem a validade legal, o peso moral do código é ressaltado por Natália Paiva, diretora-executiva do Mover: “O Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro traz caminhos concretos e é um convite para uma mudança profunda, em que a experiência de compra de consumidores negros seja livre de preconceitos e marcada pela igualdade e respeito.”
Entre as normas do código estão:
● Capacitação antirracista: estabelece a obrigatoriedade de treinamento para funcionários e colaboradores em letramento racial, visando erradicar vieses e práticas racistas, verbais ou não verbais;
● Prontidão no atendimento: propõe que consumidores negros sejam atendidos prontamente, reconhecendo a necessidade de reparar a lógica excludente que historicamente os ignora;
● Garantia de livre acesso e circulação: veda qualquer barreira, física ou simbólica, que restrinja o acesso e a livre circulação de consumidores negros nos estabelecimentos, assegurando igualdade de condições;
● Regras para revistas: estabelece protocolos claros para a abordagem e revista de consumidores negros, que só devem ocorrer mediante provas inequívocas, visando coibir a prática discriminatória baseadas em estereótipos raciais.
Há, ainda, regras específicas para o mercado de higiene e beleza, como:
● Disponibilidade de produtos para pessoas negras: estabelece a obrigatoriedade de estoque adequado e suficiente de produtos que atendam às características específicas de consumidores negros, como tonalidades de pele e tipos de cabelo (nesse ponto, a L’Oréal Luxo acrescentou recentemente nove tons de bases a sua marca Lancôme, chegando, agora, a 22 opções).
Mais de mil exemplares do código serão enviados a formadores de opinião e líderes de todo País, incluindo os CEOs das empresas signatárias do Mover. O documento tem apoio, ainda, do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), da Allos (administradora de 56 shopping centers no País) e da Associação Brasileira de Perfumarias Seletivas.
Dione Assis, fundadora do Black Sisters in Law, afirma que o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) tem a função de regular as relações de consumo de forma igualitária e ainda que aponte o tratamento sem distinção de cor, da forma ampla como foi redigido não abrange todas as possíveis manifestações de racismo. Em comunicado, ela afirmou que contribuir com uma releitura afrocentrada do CDC “foi uma oportunidade única de unir minha experiência profissional como jurista à minha vivência como mulher negra, que enfrenta o racismo constantemente.”
Prejuízo ético e econômico
Segundo a pesquisa “Racismo no Varejo de Luxo”, conduzida pela L’Oréal Luxo com o Estúdio Nina, em agosto de 2024, 37% das pessoas que compõem a classe AB no Brasil são negras (na C, chegam a 60%).
A maioria desses consumidores (54%) não volta a uma loja, se sofre racismo. E o problema é frequente: dos 350 entrevistados, 91% já passaram por alguma experiência racista.
E entre as reações desses consumidores, a resposta com maior incidência foi “Saio da loja e nunca mais volto”. Logo, a hipótese da L’Oréal é de que o número de consumidores negros que abandonaram a categoria de luxo é grande, pois embora parte migre para o e-commerce, outros desistem da categoria em si.
E esse é um movimento silencioso, pois além da opção citada de nunca mais voltar à loja, outras possibilidades, menos abraçadas pelos clientes negros, eram “falar com o gerente” e “fazer uma denúncia”. Portanto, diante dessa descrença nas ações dos varejistas, pontua Bianca Ferreira, head de comunicação e diversidade, equidade e inclusão da L’Oréal Luxo, os casos que vêm a público são apenas “a ponta do iceberg”.
Com isso, mesmo antes do Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro, a L’Oréal já vinha convocando parceiros varejistas para o Pacto Afroluxo, e criou protocolos de atendimento tanto voltados a suas 250 beauty advisors que trabalham em pontos de venda selecionados em todo o País, quanto aos próprios varejistas.
A partir da identificação de 21 dispositivos racistas, a companhia traçou, entre as medidas do protocolo, orientações como, por exemplo, só falar sobre parcelamento de compras se o cliente perguntar a respeito e evitar excessos de intimidade que denotem tentativas de se colocar no mesmo patamar do consumidor atendido.
“O Brasil é o quarto maior mercado de higiene e beleza do mundo. Então, podemos imaginar qual será o potencial se nós, como líderes do segmento, ajudarmos a quebrar essas barreiras e incluir a maior parte da população, porque os negros são 56% das pessoas. O potencial é no consumo, na identidade, na autoestima”, enfatiza Eduardo Paiva, diretor de diversidade, equidade e inclusão do Grupo L’Oréal no Brasil.