Páscoa: coronavírus acelera adoção de multicanalidade
Restrições impulsionam empresas do setor de chocolates a anteciparem descontos, investirem no digital, em delivery e até doarem produtos
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Victória Navarro
2 de abril de 2020 - 6h00
Para atender o período de Páscoa, celebrada em 12 de abril, a indústria de chocolates gerou 14 mil vagas temporárias diretas e indiretas de emprego – linha de produção e pontos de venda -, de acordo com dados fornecidos pela Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab), em fevereiro deste ano. No entanto, por conta de medidas direcionadas à contenção da disseminação do novo coronavírus (Covid-19), a data, uma das mais esperadas pelo setor, não será igual aos anos anteriores, afirma Henrique Campos, professor do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas. As empresas, que iniciam o planejamento para a Páscoa com cerca de 18 meses de antecedência, enfrentam os desafios de continuar a atrair o consumidor e de estimular a geração de trabalhos: “Os empregos estão comprometidos”.
Segundo a associação, “a indústria de alimentos é um setor essencial à sociedade. A informação que detemos é a de que as fábricas dos nossos associados seguem em operação e trabalhando para que seus produtos cheguem às casas dos brasileiros, com todas as precauções para garantir a saúde e a segurança dos colaboradores”. A Abicab afirma que as indústrias estão trabalhando, em conjunto com os pontos de venda, para garantir a organização e a disponibilidade de produtos, além de estarem fortalecendo seus serviços de atendimento via internet e por delivery, a fim de dar aos consumidores uma alternativa de acesso aos produtos.
Marcas como Lacta, Cacau Show, Kopenhagen e Lindt estão intensificando os esforços e investimento em e-commerce e nos aplicativos de venda online, bem como antecipando descontos, para evitar aglomerações que costumam acontecer nos dias que antecedem a data nos pontos físicos e sobrecarga de pedidos digitais.
As empresas também estão investindo em ações sociais. O Outback, por exemplo, doará seus ovos de Páscoa para os mercados de bairro. O projeto permite que os pequenos negócios vendam os ovos da marca e utilizem o valor arrecadado em benefício próprio. Já Lacta, por meio da Páscoa Solidária, dará 500 mil ovos para pessoas em situação de vulnerabilidade. A Cacau Show, por sua vez, tomou a iniciativa de doar R$ 1 milhão para o Governo do Estado de São Paulo. A quantia deve ser direcionada, principalmente, para a compra de respiradores para os hospitais mais necessitados.
Na semana da Páscoa de 2019, de acordo com um estudo da Abicab, encomendado ao Instituto Kantar, 67,3% dos lares brasileiros compraram ou ganharam produtos de chocolate. Os ovos artesanais tiveram penetração em 4,6 milhões de lares, ante 12,4 milhões de casas que compraram produtos industrializados. As compras de mercadorias artesanais concentraram-se naqueles produtos de maior peso – 500 gramas -, enquanto os industrializados, em embalagens menores – 22,3% preferiram os de 251 a 350 gramas; e 18,9%, de 100 a 150 gramas.
Na entrevista a seguir, Henrique Campos, professor do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas, analisa os desafios do setor na Páscoa 2020.
Meio & Mensagem – Neste ano, a Páscoa cairá em tempos de combate à disseminação do novo coronavírus. Como isso afetará as vendas?
Henrique Campos – As vendas da Páscoa devem ser afetadas por três motivos principais. Primeiro, ela é muito dependente de atividades promocionais de ponto de venda, que terão efeito reduzido com menor presença de pessoas nos supermercados e lojas de doces. Os supermercados devem estar abertos e também farão entregas, o que pode reduzir um pouco esse item. As promoções precisarão ser adaptadas para esse formato. Segundo, as pessoas estarão praticando distanciamento social. A Páscoa é caracterizada pelo compartilhamento e convívio. A dimensão festiva será, portanto, alterada e afetada. Não será raro o grupo de pessoas que evitará a troca de presentes. Em terceiro, haverá um impacto nas finanças das pessoas, que será sentido já no final de março e começo de abril. Com menos recursos ou com menor perspectiva de receitas, as pessoas serão mais reticentes na compras de itens menos necessários.
M&M – O atual momento brasileiro, de instabilidade econômica e incertezas por parte da população por conta do novo coronavírus, deve fomentar a produção de produtos artesanais?
Campos – A produção de produtos artesanais pode ser vista como uma fonte de renda adicional para alguns micro empreendedores, que terão suas receitas reduzidas. Por outro lado, esses micro empreendedores também enfrentarão os problemas listados na resposta acima. Terão maior dificuldade para entregar seus produtos ou ficarão restritos a uma área geográfica menor. O comércio local tem sido estimulado para evitar deslocamentos, mas esse micro empreendedor também terá sua área de atuação muito reduzida. Ainda não se sabe como ou quando as pessoas conseguirão trocar suas lembranças e o chocolate, notadamente o artesanal, é perecível. Finalmente, os consumidores devem optar por versões mais econômicas, mesmo em produtos artesanais.
“Esta restrição provocada pela pandemia deve acelerar muito a adoção de multicanalidade por parte dos consumidores”, diz Campos, da FGV
M&M – Vê alguma tendência do setor para este ano?
Campos – Eu sou otimista e gosto de ver o lado positivo, mesmo em situações adversas. Esta restrição provocada pela pandemia deve acelerar muito a adoção de multicanalidade por parte dos consumidores. Muitos que não tinham experimentado o consumo de mercearia ou mesmo hortifruti pelo digital foram obrigados a, pelo menos, testar. Outra característica peculiar é a interpretação de que o delivery é uma conveniência e que, portanto, pode ser cobrada do consumidor. Tenho acompanhado alguns varejistas e marketplaces abandonando o frete grátis, para remunerar melhor o entregador e apoiar o aumento dos custos de higiene do processo de entrega.
*Crédito da foto no topo: Alex Raths/iStock
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