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Pessoas com deficiência: como incluir e respeitar

No Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, diretores da AACD analisam como o grupo é sub-representado pelas empresas


3 de dezembro de 2019 - 6h00

Criada há 69 anos, AACD é responsável pela realização de 800 mil atendimentos médicos anuais (Crédito: Denise Tadei)

Os dados oficiais mais recentes sobre a população brasileira com alguma deficiência foram reportados pelo IBGE tendo como referência pesquisas feitas em 2010. Naquela ocasião, o Instituto mapeou que existiam cerca de 46 milhões de pessoas no Brasil com algum tipo de deficiência, em diferentes graus, sejam elas físicas ou mentais.

Embora numeroso, esse amplo grupo de pessoas encontra um universo bem restrito de produtos e serviços próprios. Apesar de existir um esforço crescente em prol da inclusão, quando analisamos a forma como a indústria da comunicação representa – e se dirige – às pessoas com deficiência, ainda é possível encontrar diversas lacunas.

Neste dia 3 de dezembro, data em que é celebrado o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, é natural que diversas matérias, ações publicitárias ou campanhas alertem para a causa da inclusão. Essa discussão pontual, no entanto abriga também um entrave para o amadurecimento da causa no País, na visão de diretores da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD).

Com uma média de 800 mil atendimentos realizados por ano nas nove unidades que possui em todo o País, a AACD dedica-se, há quase 70 anos, ao tratamento médico e à reabilitação de crianças, jovens e adultos com deficiência. Essa experiência leva a entidade a concluir que falta perenidade da abordagem e nas ações efetivas em prol da inclusão, assistência e representatividade das pessoas com deficiência no Brasil.

“As empresas brasileiras ainda não despertaram para a real quantidade de pessoas com deficiência que existem no Brasil. E isso só vai acontecer se houver mais provocação e mais discussão em torno do tema. Do ponto de vista do marketing, faço um paralelo com as questões de gênero, com as causas LGBT e com a pauta racial, que estão sendo cada vez mais debatidas pela sociedade. Isso só acontece porque várias vozes levantaram esses assuntos e fizeram as pessoas e empresas pensarem nesses temas. Se não houver uma entidade ou uma voz forte advogando pela causa, será difícil ela ganhar a notoriedade necessária”, analisa Edson Brito, superintendente de marketing & relações institucionais da AACD.

Menos discurso, mais atuação
Na opinião do superintendente da AACD, é notável um esforço maior das empresas e marcas por incluir, de alguma maneira, a questão da pessoa com deficiência em sua comunicação e ações. Mais importante do que isso, segundo ele, é que essas companhias tenham uma preocupação genuína com o tema e promovam ações práticas em prol dessas pessoas. “É muito legal que uma marca, por exemplo, coloque um cadeirante em uma campanha de TV. Mas de nada adianta isso acontecer se ela não tiver nenhuma ação para incluir pessoas com deficiência em seu quadro de funcionários, por exemplo. Ou se ela não tiver a mínima estrutura adaptada para receber pessoas com deficiência em suas unidades”, exemplifica.

Para auxiliar as empresas a compreenderem seu papel perante essa questão da sociedade e a criar políticas de inclusão de pessoas com deficiência, a AACD realizou, em agosto deste ano, o primeiro fórum de orientação às empresas que buscam auxílio para desenvolver seus programas de inclusão. “As empresas têm muitas dúvidas e, muitas vezes, buscam suporte para compreender melhor e atuar nessa causa. A ideia da criação desse fórum é permitir que as empresas nos demandem suas dúvidas sobre inclusão, política de contratação, treinamento de funcionários e outros temas em que possamos usar nossa experiência e conhecimento para auxiliá-las”, comenta Brito. O evento deve se repetir em 2020.

 

Fora do Brasil, marcas começam a se atentar para a questão das pessoas com deficiência; Microsoft criou versão especial do XBox com controle adaptado às deficiências de mobilidade das crianças, em projeto que recebeu diversos prêmios internacionais de publicidade (Crédito: Reprodução)

A AACD também já foi convidada a prestar consultorias e auxiliar empresas a terem uma estrutura receptiva às pessoas com deficiência. Há mais de 20 anos, quando o Parque da Mônica foi inaugurado, a Dra. Alice Rosa Ramos, superintendente de práticas assistenciais da associação, lembra como a Associação participou do projeto. “Fomos convidados a analisar todos os brinquedos e áreas do Parque para ver as adaptações necessárias para o acesso às crianças deficientes. Também ficamos responsáveis pelo treinamento da equipe de funcionários, para que eles soubessem como auxiliar as pessoas com necessidades especiais que frequentariam o local”, relembra.

Mercado pouco explorado
Os porta-vozes da AACD também destacam que, além da questão da responsabilidade social, pensar no grupo de pessoas com deficiência também é algo que pode ser significativo para os negócios das marcas. “Vemos algumas iniciativas de empresas que lançam coleções de roupas, calçados ou objetos adaptados ao uso de pessoas com deficiência. A indústria automobilística tem investido bastante em inovação para adaptar carros com peças que auxiliem as pessoas com deficiência. Mas todas essas iniciativas são esporádicas. As marcas produzem itens em pequenas quantidades, para avaliar a receptividade do mercado. Em minha opinião, se investissem mais nesse setor, teriam um retorno expressivo. Essa grande quantidade de pessoas com deficiência também são consumidores e têm necessidades de produtos de vários tipos”, pondera o superintendente de marketing, citando como exemplo positivo a coleção de roupas recém-lançada pela Riachuelo, cujo público-alvo são as pessoas com deficiência.

Para a dra. Alice, a pouca exploração desse mercado é fruto de desinformação. “Falta muito conhecimento técnico a respeito do universo das pessoas com deficiência. Muita gente não imagina que a pessoa que usa uma prótese na perna, por exemplo, precisaria de uma roupa com uma abertura que facilitasse o uso. Enquanto as pessoas não tiverem mais informação sobre o universo desse grupo, a questão vai demorar para avançar”, opina a médica.

E esse conhecimento só pode ser ampliado, na opinião da AACD, com visibilidade e informação. “Acredito que tenhamos de ser mais atuantes, provocar mais discussões e mostrar que a inclusão e representatividade das pessoas com deficiência é uma tarefa que cabe às pessoas da sociedade e também às empresas. É preciso mudar o mindset”, defende Brito. “A maioria das pessoas só toma conhecimento das reais necessidades de alguém com deficiência quando convive de perto com alguém assim. É preciso aproximar mais as pessoas desse mundo. Quanto mais exposição de diversidade, mais as crianças e as pessoas, no geral, verão isso de maneira natural. Seja em novelas, programas de TV ou em propaganda, quanto mais pessoas com deficiência forem representadas, mais a sociedade irá aprender com esse convívio e se engajará nas causas”, concorda Dra. Alice.

Marketing contínuo
Do ponto de vista da AACD, que custeia a maior parte de seus serviços com doações, mostrar o público as necessidades e desafios das pessoas com deficiência acaba sendo a base central da estratégia de marketing. Neste ano, no entanto, a AACD decidiu focar em sua comunicação a importância da prática contínua de doações, algo que, na visão do superintendente de marketing, não é comum para o público brasileiro. “As pessoas do Brasil são solidárias, mas geralmente colaboram com causas em campanhas específicas. Temos o Teleton, que é nossa grande campanha anual, mas nosso trabalho é realizado todos os dias. Para nós, é muito interessante receber uma quantia muito pequena, todos os meses, do que uma doação única no ano. Estamos trabalhando muito a ideia de que não é necessário fazer grandes doações para poder ajudar na causa e que qualquer contribuição, desde que constante, será importante para o tratamento e reabilitação de muitas pessoas”, frisa.

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