Mauricio de Sousa Produções, 60 anos: de Bidu a Laços
Empresa criada pelo quadrinista Maurício de Sousa completa 60 anos e se posiciona como negócio voltado à economia criativa
Mauricio de Sousa Produções, 60 anos: de Bidu a Laços
BuscarMauricio de Sousa Produções, 60 anos: de Bidu a Laços
BuscarEmpresa criada pelo quadrinista Maurício de Sousa completa 60 anos e se posiciona como negócio voltado à economia criativa
Thaís Monteiro
18 de julho de 2019 - 7h40
Quando publicou a primeira tira do cachorro Bidu e seu dono Franjinha, dois dos primeiros personagens de um universo de 500, em 18 de julho de 1959, na Folha da Tarde (edição vespertina do mesmo grupo que hoje edita a Folha de S.Paulo), Mauricio de Sousa já mostrava uma de suas principais habilidades como astista: inspirar-se em pessoas reais ou nos ambientes onde convivia.
Em sua biografia, A História Que Não Está No Gibi, o quadrinista diz que o nome Bidu foi sugerido a ele por um dos jornalistas da Folha em uma espécie de concurso. Era uma gíria da época para dizer que alguém era adivinhão ou esperto. O schnauzer azul (por um acidente de impressão) se tornou, posteriormente o símbolo da empresa e também deu nome à primeira fase da Mauricio de Sousa Produções (MSP), chamada até 1965 de Bidulândia Serviços de Imprensa.
A capacidade de se inspirar em memórias e experiências da infância em Mogi das Cruzes (SP), nos gibis que lia e, posteriormente, na própria família culminaram na criação de um universo que, nesta quinta-feira, 18, completa 60 anos. O resultado da arte extrapolou um espaço no jornal e se desdobra em uma leva de quatro mil produtos licenciados, eventos, parques, tiragem de 2,5 milhões de gibis por mês, quatro canais no YouTube, três aplicativos e conteúdo audiovisual para quatro canais de TV e um streaming, além do recém lançado filme live-action Turma da Mônica – Laços.
Hoje, a MSP é dividida entre editorial, comercial (que concentra os licenciados, a área digital e as produções audiovisuais) e a Mauricio de Sousa Ao Vivo, que administra o Parque da Mônica, o Circo da Turma da Mônica e outras atrações itinerantes, espetáculos teatrais e iniciativas culturais e de entretenimento. Trabalhando nessas diversas frentes, não só mais o editorial, o estúdio começa a se posicionar como parte da economia criativa.
“Um ponto relevante é que a MSP vem de uma atividade artística que consegue se viabilizar fazendo frente a outras gigantes de entretenimento como Disney e Warner e atuamos em outra áreas, como educação. Ela deixou de ser uma simples empresa de quadrinhos para ser uma empresa de encomia criativa”, diz Rodrigo Paiva, diretor da Mauricio de Sousa Produções. Na casa há 24 anos, Rodrigo diz que um dos desafios atuais da empresa é conseguir representar a economia criativa brasileira fora do País.
Início empreendedor
A visão empreendedora de Mauricio de Sousa desde o começo foi essencial para a empresa se estabelecer e, posteriormente, crescer, mas também para manter-se. Mauricio relata que, no período que começou a publicar na Folha, estava tendo dificuldades de sustentar a família, agora composta por Marilene de Souza, sua esposa na época, e as filhas Mariângela, Mônica e Magali, que eram pequenas. Depois da Folha, ele começou a distribuir suas tiras para o interior do estado de São Paulo e, posteriormente, País, focando, principalmente, em jornais de paróquias, sendo seu próprio representante. Nos anos 1960, o quadrinista participou do projeto para criar a Folhinha, suplemento infantil do jornal, onde publicou mais histórias.
Em 1965, publicou três livros dos personagens com a editora FTD e fechou com a Abril para a publicação de revistas da Turma da Mônica — o acordo durou até 1986, quando foi para a Editora Globo e posteriormente, em 2007, fechou com a Panini. Ainda nos anos 1970, a MSP apostou em espetáculos e em uma loja com produtos dos personagens. No final daquela década começou a criar animações para TV e cinema e comerciais em uma produtora que comprou em sociedade com o jogador Pelé, a Black & White & Color. Nos anos 1980, a Abril ajudou a impulsionar a turma internacionalmente, sendo editada em alguns países europeus. Em 1993, o Parque da Mônica foi inaugurado no Shopping Eldorado, em São Paulo.
Quando a internet surgiu, no final dos anos 1990, a MSP também passou a apostar em games e sites e apresentar personagens que refletiam os hábitos modernos, como o Bloguinho. Hoje, Turma da Mônica conta com três aplicativos (Banca da Mônica, Quero ser Mônica Toy e Mônica Toy TV) e quatro canais no YouTube (MSP, Turma da Mônica, Mónica y sus Amigos e Monica Plus). Das inovações deste século, a MSP desenvolveu novos formatos como o mangá Turma da Mônica Jovem ou a animação Monica Toy. Na TV, Turma da Mônica está no Cartoon Network, HBO e TV Cultura. Na Netflix também há animações. Mais recentemente, Mauricio anunciou a animação Vamos Brincar!, dirigida à primeira infância, e estuda lançar gibis com os personagens adultos.
A força dos quadrinhos
O gibi nunca deixou de ser uma peça central do negócio. A MSP aponta já foram comercializadas mais de 1,2 bilhão de revistinhas com seus personagens. A tiragem é de 2,5 milhões por mês. O estúdio cria, em média, um gibi por dia.
Ivan Costa, cofundador da Chiaroscuro Studios e sócio da CCXP, considera que o legado de Mauricio e da empresa está baseado na renovação constante em um mercado em mutação. “Sempre há algo a explorar. Somente agora os personagens ganharam uma versão com atores no cinema. Há muito a crescer tanto no mercado conhecido, à nossa volta, quanto nos canais e mercados que ainda nem surgiram. Ficar atento a tudo isso é essencial e é um dos fatores de sucesso da MSP”, diz. No último final de semana, Turma da Mônica – Laços faturou R$ 3,4 milhões em bilheteria. “Incentivo os funcionários enxergarem toda a floresta, e não apenas uma ou duas árvores”, escreveu Mauricio em sua biografia. “Se alguém vem com a ideia de um novo produto, recomento que vá além e pense em subprodutos. É um trabalho de criação, não é? Vamos criar de verdade.”
A empreitada de Mauricio em múltiplos segmentos, na visão de Rodrigo, é sua coragem em acreditar na criatividade. “Não é porque algo não deu certo agora, não é que não vai dar certo mais para frente. Os grandes projetos levaram alguns anos. É muito bom ver alguém com tanta autoconfiança no próprio trabalho ou no seu talento criativo. Ele mesmo diz: ‘Se eu estou conseguindo isso, qualquer um pode conseguir com força e criatividade’.” Um exemplo citado em sua autobiografia é a animação A Sereia no Rio, uma história engavetada pois a Globo não a aprovou. Em 1987 ele recuperou o roteiro e fez uma animação para os cinemas.
Pesquisas também são importantes para determinar novos caminhos. Foi assim que Mauricio chegou à ideia da Turma da Mônica Jovem ao ver que parte do público mais velho estava migrando em direção aos mangás e animes. Rodrigo conta que a empresa montou um hub de pesquisa de mercado para estudar esses movimentos.
Pequenas tirinhas, grandes negócios
Outro pilar da empresa é o licenciamento, que hoje responde por 90% do faturamento da MSP. São 4 mil produtos nos segmentos alimentício, educacional, vestuário, higiene, decoração e brinquedos com mais de 200 empresas licenciadas, entre elas Tok & Stok, Kalunga, Brandili, Kimberly-Clark, Nissin, Fischer, Babybrink, Pernambucanas, Piticas, Seara, Panini, Pernambucanas e outras. As condições são que o personagem não tenha seus princípios alterados e não apareçam persuadindo o consumidor a comprar. A empresa ainda enxerga oportunidade de crescimento no mercado brasileiro de licenciados, principalmente no digital.
“O Brasil é um case de quadrinhos no mundo”
Para Marci Ferreira, presidente da Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (Abral), Mauricio foi desbravador quando começou a explorar seus negócios através de licenciamentos, pois o profissional procurou e realizou parcerias, assim como fez ao explorar novos formatos de conteúdo. “Sem perder a essência, seus personagens ganham formas e se renovam em diferentes plataformas ao longo desses anos. É uma fórmula impressionante. Acompanho isso pelo mercado e pela sala de minha casa, quando estou com meus filhos e netos”, opina.
Mauricio conta que o início dos licenciamentos coincidiram com uma mudança de fase na empresa, quando rebatizada de Mauricio de Sousa Produções. Na época, 1965, foi a primeira grande profissionalização da empresa, ampliando o quadro de funcionários, departamentos e publicando três livros pela editora FTD.
Para além da vida familiar, o cotidiano do Brasil e do mundo é também uma referência constante na publicidade e nos quadrinhos. “Tudo que me cercava, qualquer coisa que via, ouvia, lia, assistia, na rua, no rádio, no cinema ou na TV, podia ser parodiado e transposto aos quadrinhos”, descreveu Mauricio no livro. Foi quando o quadrinista criou uma tirinha inspirada no mascote da Cica. Nela, Mônica se confundia com o o pedido de compra no mercado da mãe, e acabava levando para casa um elefante, o Jotalhão. Dessa brincadeira, surgiu a oportunidade da parceria entre as empresas que durou até a Cica ser vendida, em 1993.
“Um dos segredos do Mauricio se manter relevante e criativo é a contemporaneidade dos acontecimentos. É difícil questões que acontecem no País não serem representadas nas obras dele”, afirma Rodrigo. Em uma ocasião, São Paulo teve um excesso de chuva e Mauricio tirou Cascão das tirinhas e fez disso um mistério que o público interagia mandando cartas. Ao final, colocou uma pessoa fantasiada do personagem para descer de um helicóptero e surpreender as crianças em Santo Amaro, bairro de São Paulo. “Foi minha primeira ação de marketing”, escreveu o empresário e quadrinista.
Segundo Ivan, criatividade é a base de tudo no mercado de propriedades intelectuais. O aprendizado passado pela Mauricio de Sousa Produções aos 60 anos é, segundo ele, “ficar atento às oportunidades de mercado, se preocupar com o core business (quadrinhos), mas ir além dele em busca de ampliação de mercados e de faturamento (licenciamento, por exemplo). Atenção à constante evolução das propriedades intelectuais, que são a força motriz de todo o negócio”.
**Crédito da imagem no topo: Reprodução/Mauricio de Sousa Produções
Compartilhe
Veja também
Tigre transforma tubos e conexões em peças de design
Marca promove collab com o estúdio Fahrer, que desenvolve mesas, cadeiras e outros itens produzidos com suas peças
Mari Maria e Burger King: a estratégia por trás da collab
Empresária visa explorar experiências sensoriais para se conectar com o público e entrar no mercado global