Quais os desafios de uma Copa do Mundo no Catar?
Na primeira Copa do Mundo que acontece em um país do Oriente Médio, patrocinadores serão desafiados pela barreira cultural e a logística
Quais os desafios de uma Copa do Mundo no Catar?
BuscarQuais os desafios de uma Copa do Mundo no Catar?
BuscarNa primeira Copa do Mundo que acontece em um país do Oriente Médio, patrocinadores serão desafiados pela barreira cultural e a logística
Taís Farias
16 de novembro de 2022 - 6h00
No dia 20 começa, oficialmente, a Copa do Mundo, campeonato mundial de futebol organizado pela Fifa que reúne 32 seleções. A edição 2022 do Mundial é marcada por uma série de ineditismos. O primeiro deles é que, pela primeira vez, a Copa será realizada em um País do Oriente Médio, o Catar.
O país, que é uma monarquia hereditária e controla 13% das reservas globais de petróleo, conquistou o direito de sediar a Copa do Mundo em 2010 por meio de votação entre os membros da Fifa. Na época, disputaram com o Catar países como Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão e Austrália.
Já nesse período, a Copa do Mundo 2022 foi envolvida em polêmicas. Isso porque o Catar foi acusado de pagar US$ 3,7 milhões a funcionários da Fifa para garantir apoio. A denúncia gerou uma investigação de dois anos que inocentou os dirigentes do país. O fato de o Catar ser o país sede do torneio trouxe uma outra novidade.
Essa é a primeira vez que a Copa será realizada no último trimestre do ano – entre 21 de novembro e 18 de dezembro. A mudança aconteceu porque em junho e julho, meses que normalmente a Copa é realizada, o clima no Catar chega a temperaturas superiores a 40°, o que inviabilizaria as partidas.
Mas a mudança de data está longe de ser o único fator que gerou discussão nos últimos meses. O Catar, que construiu sete estádios para o torneio, foi acusado pela Anistia Internacional e o Human Rights Watch de maus tratos aos trabalhadores que construíram a infraestrutura para a Copa. No mês passado, ganhou visibilidade o caso da influenciadora digital Bryanna Nack que recebeu convite de uma marca brasileira para acompanhar a Copa e produzir conteúdo sobre o mundial, mas desistiu por medo de sofrer transfobia.
Na última semana, o ex-jogador da seleção do Catar e embaixador da Copa do Mundo, Khalid Salman, afirmou que a homossexualidade seria um “dano mental” em entrevista à emissora alemã ZDF. Ele disse ainda que o país tolerará visitantes LGBTQIAP+, mas que “eles têm que aceitar nossas regras”, apontou Salman. A Fifa ainda proibiu a seleção da Dinamarca de de treinar com camisas com menção a favor dos direitos humanos.
Para Ivan Martinho, professor da ESPM no curso de Pós-Graduação/MBA de Marketing Esportivo, a iniciativa do Catar em sediar a Copa demostrava um desejo de mostrar maior abertura ao mundo ocidental. Ele cita o exemplo da China, que sediou as Olimpíadas em 2008. No entanto, as movimentações até agora indicam pouca flexibilidade por parte do país.
“Se vai acontecer ou não vai só estando lá para ver, mas me parece menos amistoso”, considera Martinho sobre a presença de visitantes no país. Outro caso citado pelos analistas é a Lei Geral da Copa, no Brasil, sancionada pela ex-presidenta Dilma Rousseff em 2014, quando o País sediou o mundial, que flexibilizava questões como a venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante o evento. O mesmo comportamento não é esperado por parte do Catar. “Os costumes passam a ser uma barreira intransponível”, reflete Rafael Plastina, sócio-diretor da Convocados, consultoria que atua na indústria do futebol.
“Falar que não há um choque cultural é uma mentira”, aponta Michel Issa, chief business officer da DM9, que participou de visitas técnicas com clientes que vão ativar a Copa. Apesar disso, ele conta que os anunciantes esperam e acreditam que o Comitê Organizador e a Fifa consigam inibir situações sensíveis e que a discriminação seja proibida.
Apesar de o tema se tornar latente com a proximidade da Copa, os analistas destacam que os desafios já eram previstos pelos patrocinadores. Nesse sentido, a recomendação é que as marcas estejam preparadas para responder questionamentos sobre a postura do país. O papel da comunicação de crise já se apresenta como chave para o desenvolvimento das estratégias. “Quando tiverem oportunidade, as marcas precisam se posicionar”, defende o CBO da DM9. Ele acrescenta: “Respeito não significa que você tem que concordar”.
Mas há quem enxergue oportunidades para os anunciantes em meio a esses desafios. “Tentar desmistificar a questão religiosa e do oriente médio com um grande programa de promoção de conhecimento”, propõe Plastina.
Na análise de Ricardo Fort, fundador da Sport by Fort Consulting, as discussões sobre cultura e direitos humanos impactam os países de formas diferentes. Para ele, o Brasil é uma das regiões pouco afetadas pelo debate. “São países que, no geral, estão mais preocupados com o futebol do que com o que acontece fora do campo”, afirma Fort.
Ele cita o exemplo da ação do McDonald’s que, tradicionalmente, lança lanches temáticos em homenagem às seleções. Em 2022, o Catar ganhou um lanche próprio no Brasil. Na opinião de forte, na Europa ou nos Estados Unidos, a ação não seria bem aceita. Ele conta que nessas regiões a abordagem das marcas tem sido, inclusive, evitar a menção ao fato de o mundial estar sendo realizado no Catar.
Mas o choque cultural está longe de ser o único desafio desse Mundial. As características geográficas e econômicas do Catar corroboram com a complexidade. O primeiro ponto é que existe uma barreira financeira para os torcedores. Segundo o professor da ESPM no curso de Pós-Graduação/MBA de Marketing Esportivo, o interesse do público brasileiro em ir até o país sede para acompanhar a Copa do Mundo cresceu após a Copa no Brasil, em 2014.
No entanto, segundo uma média feita pelo próprio Ivan Martinho, uma viagem sem grande sofisticação para o Catar, para a Copa, não sairia por menos de R$ 60 mil. Já o site Uol, em matéria, apresentou uma média de R$ 40 mil.
Além disso, a capacidade hoteleira do Catar não tem acompanhado a demanda criada pela Copa. Opções como quartos em navios e até tendas estariam sendo criadas, assim como a hospedagem em países vizinhos. Os analistas dividem outras preocupações, como o transporte terrestre e o fato de outros insumos básicos precisarem ser importados. “É um desafio logístico para os patrocinadores muito grande”, explica Ricardo Fort.
O resultado natural desse cenário é que levar convidados e consumidores para o país sede, uma ativação comum em outras Copas, se tornou mais difícil. Além disso, para executivos e patrocinadores, o cuidado das empresas com questões de compliance intensificou essa diminuição. “Mesmo se decidir fazer tudo isso, tem o retorno para o investimento. Dificilmente, o que a população local vai consumir é o suficiente”, analisa Fort.
Ou seja, para conquistar o retorno compatível ao investimento de um patrocínio, o foco das marcas em 2022 deve ser nos mercados locais. A Copa será, cada vez mais, no Brasil e para a população brasileira.
Compartilhe
Veja também
Unilever deve desistir da venda de divisão de sorvetes
Multinacional desistiu da venda do negócio a fundos privados após dificuldade de encontrar empresas de private equity interessadas na operação
Calendário quer medir a velocidade da equidade racial no Brasil
Iniciativa do Pacto de Promoção da Equidade Racial e da BFerraz busca conscientizar empresas e a sociedade a respeito da urgência de medidas para o tema