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Toyota, Covid e Jogos: o desafio dos patrocinadores olímpicos

Pandemia e desaprovação dos Jogos por parte da população japonesa leva marcas envolvidas a adotarem postura mais discreta em Tóquio


22 de julho de 2021 - 6h00

*Colaborou Fernando Murad
** Atualizada às 09h22

Dois dias antes das primeiras competições oficiais da Olimpíada começarem, a Toyota anunciou que não faria ativações e nem comerciais para destacar o patrocínio aos Jogos, que acontecerão em seu país de origem , e que não participará da Cerimônia de Abertura, marcada para sexta-feira, 23. Posteriormente, a Panasonic, outra patrocinadora do Comitê Olímpico Internacional (COI), também declarou que não enviará seus membros à cerimônia e que também não fará anúncios e comerciais sobre o evento no Japão. Até o momento, outras marcas que compõem o quadro de patrocinadores dos Jogos em Tóquio, como Asahi, Fujitsu, Meiji, NEC, Nippon Life e NTT, sinalizaram que não comparecerão à abertura.

A montadora japonesa, uma das principais patrocinadoras do COI e as demais empresas tomaram a decisão com base em um cenário em que as disputas por medalhas e a expectativa em torno do desempenho dos atletas não figuraram, até então, entre os assuntos mais comentados na imprensa, como é comum antes do maior evento esportivo do mundo.

 

(Crédito: Reprodução)

A pandemia de Covid-19, que já havia adiado por um ano a realização dos Jogos de Tóquio, ainda traz ameaças para a celebração esportiva. Na vila Olímpica já foram registrados casos de contaminação entre atletas e membros de comissão técnica. A capital japonesa, que há alguns meses havia registrado uma queda nos índices de contágio, voltou a ver os casos de Covid-19 subirem e declarou estado de emergência. Com isso, a Cerimônia de Abertura não terá público – com exceção de membros das delegações, chefes de estados e convidados das marcas patrocinadoras. A decisão da Toyota, Panasonic e das outras empresas têm como pano de fundo um cenário de rejeição por parte do povo japonês em relação à realização dos Jogos.

“A decisão da Toyota pode ser vista como uma apólice de seguros contra qualquer crítica no Japão”, explica Ricardo Fort, fundador da Sport by Fort Consulting e especialista na relação de grandes marcas com o universo esportivo. Apesar da postura mais discreta em relação aos Jogos, a decisão anunciada pela fabricante de automóveis não afeta o investimento e nem os negócios da empresa no local, na opinião de Fort. “Não tem nenhum impacto no negócio deles, nem no Japão, onde efetivamente suspenderam a propaganda Olímpica, nem fora, onde nada mudou”, comenta.

O executivo faz sua análise com base no modelo de patrocínio da Olimpíada. Segundo ele, as empresas costumam colher os frutos de seu patrocínio (a visibilidade e exposição de se envolverem com um evento que mobiliza dezenas de países) nos meses anteriores ao evento. O que acontece nos 17 dias da Olimpíada, segundo Fort, não muda nada o resultado do investimento.

A Toyota é patrocinadora do Comitê Olímpico Internacional desde 2017 e possui um contrato que vai até 2024, englobando os ciclos olímpicos e paralímpicos de Tóquio (2020) e Paris (2024). O pacote também envolve o patrocínio aos Jogos de Inverno. Informações da mídia japonesa apontam que a companhia teriam investido mais de US$ 835 milhões nessa parceria. Além da montadora e da Panasonic, também são patrocinadoras oficiais do Comitê Olímpico Internacional a Coca-Cola, Airbnb, Alibaba Group, Atos, Bridgestone, Dow, GE, Intel, Omega, P&G, Samsung e Visa. Considerando os patrocinadores somente dos Jogos de Tóquio e marcas apoiadoras, a quantidade de empresas atreladas aos Jogos passa de 60.

Opinião pública
Anderson Gurgel, pesquisador e professor de marketing esportivo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, destaca que vem existindo uma relação inversamente proporcional entre as marcas patrocinadoras e sua postura nos grandes eventos: quanto maior for a indisposição da opinião pública em relação à sua realização, menos as marcas patrocinadoras irão ativar sua presença em torno daquele contexto. “A atitude da Toyota em não ativar sua marca e nem fazer ações na Olimpíada foi a maneira encontrada de lidar com o momento que requer um certo comedimento. E é um comportamento que faz sentido”, analisa.

Embora tenha um contexto diferente, é possível enxergar um paralelo entre a indisposição em torno da Olimpíada com a situação vivenciada pelos patrocinadores da Copa América, cuja edição também foi adiada de 2020 para este ano. Após a desistência dos dois países-sede – Argentina e Colômbia – o Brasil acabou aceitando receber o torneio, que acontecem em junho e julho. O fato de receber a competição quando a pandemia estava bem longe de ser controlada gerou críticas por parte da imprensa e do público, que motivaram um comportamento inédito de algumas marcas patrocinadores. Antes do evento começar, Mastercard, Ambev e Diageo, patrocinadoras do torneio da Conmebol, declararam que não ativariam suas marcas em torno da competição. O aplicativo Kwai, que havia anunciado o patrocínio à transmissão do SBT, desistiu do projeto, embora tenha mantido o patrocínio à Copa América.

 

Miraitowa e Someity são as mascotes dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio (Crédito: Divulgação)

Na visão de Gurgel, as demais patrocinadoras dos Jogos de Tóquio também devem adotar uma postura mais ‘quieta’ ao longo dos próximos dias. O professor, entretanto, não acredita que outras empresas seguirão a Toyota no sentido de externar publicamente a adoção de uma postura mais contida em relação à exposição na Olímpíada. “Com o evento já começando, quem tinha que adotar uma postura radical, já adotou. O que deve acontecer, a partir de agora, é um processo de gestão em relação ao evento, com ações bem comedidas”, aposta.

Ricardo Fort também acha improvável que outras empresas sigam a Toyota nesse sentido. “Ficarei muito surpreso se qualquer outro patrocinador global seguir os passos da Toyota. Quanto aos patrocinadores locais, é possível que alguns façam o mesmo”, alerta. De acordo com a mídia internacional, marcas japonesas como Asahi, Fujitsu, Meiji, NEC, Nippon Life e NTT realmente sinalizaram que ficarão distantes das competições, apesar de manterem os investimentos no evento. 

Nas últimas semanas, a capital japonesa chegou a ter algumas manifestações – que não chegaram a contar com uma grande quantidade de pessoas – contra a realização dos Jogos.

Desafio aos grandes eventos
Pela grande quantidade de atletas, nações, recursos financeiros e estrutura que movimenta, a Olimpíada é um tipo de evento que exige um planejamento e um trabalho bastante antecipado de todos os agentes envolvidos, inclusive dos patrocinadores. No caso dos Jogos de Tóquio, toda a preparação acabou atravessada em 2020 assim que pandemia eclodiu e trouxe uma atmosfera de incertezas em relação à própria realização do encontro esportivo.

Embora a pandemia seja um fato totalmente atípico no contexto Olímpico, os megaeventos internacionais já vinham enfrentando desafios que acabam, por consequência, afetando seus patrocinadores, segundo Anderson Gurgel. Há, em sua análise, uma crescente indisposição em relação aos altos custos, à complexidade e, especificamente no caso de Tóquio, em relação às adaptações impostas pela pandemia. “O Japão é um país habituado a receber grandes eventos. Então, uma Olimpíada não é recebida pelo povo local com o mesmo frescor com que foi recebida pelo público brasileiro, por exemplo. Além disso há toda uma mudança no caráter do evento. Os atletas não poderão receber as medalhas do modo tradicional, os cumprimentos terão de ser evitados. Tudo está muito protocolado. Então, tudo isso acabou gerando um mau-humor em torno da realização dos Jogos”, analisa.

Para uma marca, no entanto, investir no maior encontro esportivo do planeta tem suas compensações. Os Jogos ainda figuram entre as maiores audiências do mundo e movimentam uma grande quantidade de recursos em termos de direitos de transmissão, pelas negociações feitas com emissoras do mundo todo, e também em termos de patrocínio. A relação do COI com os patrocinadores geralmente são de longo prazo e contemplam não apenas uma edição dos Jogos, mas o chamado ciclo olímpico, de quatro anos de duração, que envolvem os Jogos Paralímpicos e Jogos de Inverno.

De acordo com a Bloomberg, os valores dos pacotes básicos de patrocínio, com duração de quatro anos, partem de US$ 200 milhões. Esse valor, segundo o veículo, tende a aumentar nos próximos dois ciclos pelo fato de o evento ser sediado por cidades ocidentais altamente lucrativas (Paris, em 2024, e Los Angeles, em 2028).

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