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Propósito e criatividade: a publicidade em um lugar de maturidade

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Propósito e criatividade: a publicidade em um lugar de maturidade

Brisa Vicente, da Soko, André Kassu, da CP+B, e Rafael Donato, da Ogilvy Brasil, discutiram como a função do propósito tem se transformado na comunicação


1 de outubro de 2024 - 16h27

Com o passar os anos, o propósito ganhou um espaço considerável dentro da comunicação das marcas. Para além de objetivos estritamente comerciais, anunciantes passaram a expressar propósitos ligados a causas sociais e ambientais, principalmente.

propósito

Da esq. para a dir.: Brisa Vicente, André Kassu e Rafael Donato (Crédito: Eduardo Lopes/Imagem Paulista)

Na visão de André Kassu, sócio e chief creative officer (CCO) da CP+B Brasil, essa ascensão do propósito na publicidade em determinado momento é uma combinação de dois fatores: descrença em relação aos governantes e o amadurecimento das redes sociais. “Essa cobrança [do público] faz com que você tenha que ser mais urgente nas suas respostas, não te permite ficar em cima do muro”.

Apesar de o propósito ter ascendido nos últimos anos, mais recentemente, a publicidade global tem reaberto espaço para o humor e enredos menos densos, com abordagens promocionais e com mais entretenimento. Inclusive, essa mudança no tom das campanhas publicitárias foi bastante observada na edição do Cannes Lions deste ano. Neste sentido, Kassu ressaltou que, mais recentemente, o propósito de superfície, ou seja, aquele que não é, de fato, enraizado no core da marca, vem se saturando.

Rafael Donato, chief creative officer (CCO) da Ogilvy Brasil, no entanto, não concorda que o humor tenha tomado conta de Cannes neste ano. Ele, inclusive, enfatizou que humor também pode ser usado em prol do propósito, como aconteceu no case “The Last Barf Bag”, da FCB Chicago para Dramamine, que tratou um assunto relativamente sério com humor e levou o Grand Prix da categoria de Health & Wellness neste ano.

Para ele, na realidade, a maior tendência de Cannes deste ano foram clientes procurando resultados, ou seja, trabalhos voltados para este objetivo. “No fundo é o que temos que entregar mesmo. A criatividade tem que ser em prol do resultado”, complementou. Neste sentido, co-CEO da Soko, Brisa Vicente, concordou que a publicidade e a criatividade não devem ser pautadas apenas no “espírito do tempo”, mas precisam endereçar objetivos de negócios e dialogar com o público, que tem suas exigências e demandas.

Além disso, para Brisa esse debate de humor versus ativismo no tom das campanhas é ruim para todo o mercado de comunicação, uma vez que condiciona que, eventualmente, campanhas de propósito tem um fim e campanhas de entretenimento, produto ou promoção tem outro fim. “Na verdade, o que deveríamos fazer é pensar estrategicamente o que funciona e qual é o caminho criativo necessário para conectar a marca com o consumidor. Esse é o nosso principal trabalho”.

Propósito como core da marca

Toda essa discussão a respeito do propósito ou falta dele mostra que a relação da publicidade com este tema está chegando num lugar de maturidade, segundo Kassu. “Chegamos nesse lugar que imagino e desejo, que é de mais maturidade em relação as questões que posso ou não abordar [na publicidade]”.

Atualmente, muito por conta da cobrança dos consumidores, o propósito precisa, cada vez mais, estar no core da marca, precisa fazer sentido e ser profundo, na visão Brisa. E foi justamente por isso que a Soko criou sua spin-off, a Walk, consultoria de impacto para marcas.

“Entendemos que essa era uma demanda dos consumidores em temas importantes para algumas marcas que atuávamos, mas nem para todas. A Soko trabalha em função dos objetivos de comunicação e negócios, by the way, aprendemos a fazemos propósito”, complementou, ressaltando que nem todo cliente ou projeto vai demandar esse tipo de comunicação com foco no propósito.

Nessa era do propósito, tornou-se cada vez mais difícil criar comunicações que englobassem esse objetivo, junto aos objetivos de negócio. Com isso, algumas marcas acabaram tropeçando no caminho. “Pepsi vem à mente, quando tentou, literalmente, mostrar que uma Pepsi podia salvar o mundo”, relembrou Donato.

No entanto, o CCO ressaltou que o medo de “errar” ao tentar explorar propósitos nas comunicações é o mais preocupante. “Com certeza muitas ideias ficaram na gaveta e para mim isso é a maior tristeza”. Apesar de alertar que as marcas precisam de autoconhecimento e entendimento do público para definir “defender” determinada causa ou propósito, Brisa concordou com Donato de que o medo do julgamento é perigoso, porque o julgamento é posto, ou seja, sempre vai existir.

Logo, definir o momento de entrar ou não em um assunto, ou tema mais delicado não é tarefa fácil para os anunciantes. “Não pode soar como oportunidade, não pode ser calendário. Se for calendário existe essa chance de estar descompassado com a audiência e de ter teto de vidro”, argumentou Brisa. Para ela, uma boa estratégia para evitar isso é realizar parcerias com quem domine aquele tema e não necessariamente empresas, mas ONG, coletivos, pessoas que tenham o conhecimento necessário sobre determinado assunto.

Donato entende também que é preciso estar com o propósito alinhado com o objetivo de negócio e entender quando é o momento de comunicar o propósito e quando não. Por exemplo, com Pay Day de Magalu, Donato revelou que foi uma escolha consciente de não querer tanto “mudar o mundo”, mas, sim, cumprir o objetivo de vendas da varejista.

Cases fantasmas

Apesar de as empresas estarem mais conscientes sobre o que comunicam, com mensagens cada vez mais alinhadas com seus propósitos, muitas ideias neste sentido ainda surgem perto de Cannes, como uma forma de angariar prêmios, chamados de “cases fantasmas”. Para Kassu, neste sentido, o mercado publicitário ainda precisa evoluir muito. “Ainda tem uma questão de evolução mesmo e essa evolução parte de um debate sincero. Precisamos ser mais responsáveis pelo que produzimos”, reforçou.

O criativo ainda enfatizou que esse movimento do mundo publicitário cria um “cinismo” nos profissionais da área de acharem que estão criando algo, quando, na verdade, nada está sendo feito. Kassu destacou ainda que existem pessoas, como Preto Zezé e Edu Lyra, que estão, de fato, fazendo algo, e de forma silenciosa. “Na tragédia, a melhor coisa é o silêncio, essa ação silenciosa, em que a comunidade percebe que você está integrado”.

Por fim, os criativos ressaltaram que a construção de propósito de marca vai muito além de um simples logotipo ou slogan, é uma questão de identidade e diálogo. Neste sentido, Donato enfatizou que as melhores marcas são multidimensionais, que tem posicionamento claro, capaz de gerar expectativas nas pessoas. Além disso, Brisa complementou que ao desenhar esse propósito de marca é preciso ter consistência, para que o consumidor também a enxergue.

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