A potência – e a importância – das Falas Negras
Diretora de especial da Globo, Naína de Paula aponta o papel primordial da TV aberta para a construção de um novo imaginário na sociedade
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Bárbara Sacchitiello
19 de novembro de 2021 - 21h19
O projeto Falas, exibido na tela da Globo desde o ano passado, tem a proposta de levar para as massas assuntos relacionados à inclusão, respeito e tolerância que, por mais que venham ganhando mais visibilidade na sociedade, ainda estão distantes do cotidiano e dos assuntos de parte da população.
Neste sábado, 20, data em que o Brasil celebra o Dia da Consciência Negra, a emissora colocará, mais uma vez, a questão da desigualdade racial do País aos olhos do público. Exibido após a novela Um Lugar ao Sol, o especial Falas Negras deste ano tem a missão trazer ao primeiro plano personagens negros que celebrem a força de seu trabalho e de sua existência como pessoas negras, na definição de Naína de Paula, que divide a direção do Falas Negras junto com Henrique Matias.
Negra, como 90% da equipe de produção envolvida no especial, Naína diz que a estruturação do projeto foi um grande aquilombameto. “Se narrar é construir mundos possíveis, universos compartilhados, só com pessoas pretas narrando teremos uma nação, um universo de fato compartilhado dentro dessa terra”.
Nesta entrevista ao Meio & Mensagem, a diretora fala sobre a proposta da edição 2021 do Falas Negras e destaca a importância de a TV aberta servir como um canal para mostrar como o passado do País ainda afeta o cotidiano da população negra – e, justamente por isso, mostrar a sociedade como é papel de todos atuar na reconstrução dessa história.
Meio & Mensagem: Em 2020, a Globo exibiu o especial Falas Negras, com atores interpretando personalidades da história do Brasil e do mundo. Por que razão, neste ano, o formato decidiu abrir espaço para as falas de pessoas anônimas?
Naína de Paula: A proposta da TV Globo para o formato ‘Falas’ é exibir vozes potentes em primeira pessoa sobre temas relevantes e urgentes na pauta social hoje. Para isso, buscamos diferentes desenhos artísticos e recortes ao abordar as temáticas em cada um dos projetos. Neste ano, decidimos fazer um ‘Falas Negras’ com um diferencial: trazer para o primeiro plano personagens que celebrem a força do seu trabalho e de sua existência como pessoas negras. A mensagem que queremos passar é como o povo negro brasileiro é belo e potente e não tem o reconhecimento que merece. E esperamos que toda essa potência seja vista e reconhecida para além do dia 20 de novembro.
M&M: Como foram selecionadas as pessoas que participarão do especial?
Naína: Tivemos duas pessoas maravilhosas capitaneando a pesquisa, que foram Evandro Conceição e Consuelo Cruz. Depois de definido o tema central, partimos para algumas premissas básicas de quais eram os perfis que buscávamos, com uma preocupação de contemplar a diversidade em diversos aspectos: religiosa, etária, regional etc.
Com isso definido, Consuelo e Evandro partiram para campo e nos trouxeram personagens que contemplavam a ideia inicial, mas também nos trouxeram surpresas incríveis, pessoas impossíveis de serem encaixadas em um perfil pré-determinado. Com esse portfólio em mãos, reunimos a equipe e passamos juntos pela dor da seleção. Por nós, teríamos uns 25 personagens, mas tivemos de chegar a cinco e acreditamos que são cinco vozes muito potentes e representativas. Uma grande marca dessas vozes é que elas têm fé. Fé em Deus, no futuro, fé em si mesmos.
M&M: A questão racial tem sido uma das pautas mais importantes da sociedade nos últimos anos e está ganhando mais espaço. Em sua visão, qual a importância de a televisão aberta abrir mais espaço para a abordagem desse assunto?
Naína: É de extrema importância isso estar na pauta dos grandes meios de comunicação e em diferentes abordagens na TV aberta. A gente não nota, mas o passado está vivo agora. Se uma pessoa preta não consegue emprego e, por isso, falta comida para o filho, pode ter certeza que isso acontece por causa desse passado em que pessoas pretas eram objetos. E isso criou uma imagem na cabeça das pessoas, criou uma prisão de onde a pessoa preta pode estar. Através de um experimento social simples no ‘Falas Negras’ vamos tentar colocar luz sobre esse imaginário e mostrar como é difícil, por causa desse passado, ver a pessoa preta em outra posição. Por outro lado, se mudarmos no presente essa condição, a gente pode ter um outro futuro. Se criarmos um novo imaginário, onde a pessoa preta possa ser o que quiser, sem nenhum tipo de julgamento, com certeza teremos outro futuro. Essa construção tem que ser uma vontade de todos, e a gente propõe ela no especial. Cabe, então, a partir dessa proposta, trabalharmos dia após dia na direção de uma sociedade capaz de não rotular pessoas por causa da cor da sua pele, dos seus traços, do seu cabelo…
M&M: No caso desse especial, a equipe de produção também é composta por profissionais negros. Qual a importância de ter esses olhares para a construção do projeto?
Naína: Montamos uma equipe 90% negra, então foi um grande aquilombamento. É muito lindo ver o projeto pronto e perceber a força do coletivo, dá para ver um pouco de cada um da equipe no especial. É muito importante não só termos pessoas pretas contando suas próprias narrativas, mas pessoas pretas como narradoras do mundo também. Se narrar é construir mundos possíveis, universos compartilhados, só com pessoas pretas narrando teremos uma nação, um universo de fato compartilhado dentro dessa terra.
M&M: Por ser o mês da Consciência Negra, novembro acaba concentrando boa parte dos conteúdos e projetos que abordam a questão racial. Qual a importância, contudo, de trabalhar essa conversa ao longo de todo o ano e de que maneira isso pode ser feito?
Naína: O dia 20 de novembro é uma data fundamental para o debate racial do país e foi construído com muita luta. A questão é que esse debate tem que ser permanente na sociedade, nas empresas, nos meios de comunicação, na produção cultural e audiovisual, nas rodas de conversa, nas escolas etc. Há inúmeras formas de isso acontecer. Fortalecer produções que são construídas a partir dessa perspectiva antirracista é uma delas. Agora isso deve ser contínuo, porque só teremos avanço com atitudes e iniciativas concretas e duradouras que possibilitem cada vez mais o protagonismo das pessoas pretas.
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