Boni: o rei do conteúdo
Dos 50 anos da Globo, José Bonifácio Sobrinho viveu dentro da TV por pelo menos 30 e teve grande responsabilidade em formatar muito do que a emissora até hoje representa
Dos 50 anos da Globo, José Bonifácio Sobrinho viveu dentro da TV por pelo menos 30 e teve grande responsabilidade em formatar muito do que a emissora até hoje representa
Teresa Levin
22 de abril de 2015 - 3h04
A história de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, se confunde com a trajetória da TV Globo. Por 30 anos, ocupou cargos de chefia da emissora e implementou diversas inovações, desde o sistema de grade de programação até o Projac. Prestes a completar 80 anos, ele ainda atua no segmento e é um dos sócios da TV Vanguarda, afiliada do interior de São Paulo. Na entrevista a seguir, Boni comenta o legado que deixou para o mercado e fala do futuro da TV, que, para ele, crescerá atrelada a jornalismo local e conteúdo de qualidade. Dá dicas de como a telenovela poderia ser ainda melhor, reforçando que, competir por audiência, é suicídio. E destaca que no atual cenário multiplaforma, sai na frente quem tem o melhor conteúdo, independentemente do meio.
Meio & Mensagem — Sua história é longa na TV, incluindo 30 anos em posições de responsabilidade na Rede Globo. E está prestes a completar 80 anos. Muito se fala do seu legado: uma TV de qualidade, a grade de programação, a identidade da Globo, o Projac… Mas, na sua visão, o que destacaria?
Boni — Termos criado um mercado para a produção brasileira. Foi sempre a preocupação que nos norteou. Venho do começo da televisão, quando ela era menor e anterior às importações de mercados americanos. À época, tinha produção própria. Sempre tive vontade de retornar àquela origem que me foi deixada pelo Cassiano (Gabus Mendes), Walter George Durst e Túlio de Lemos. Foram os pioneiros de uma TV de vanguarda, de contadores de histórias, do Grande Teatro Tupi. Fui até ator naquele período, fui o Pé-de-Coelho do Falcão Negro, tomei muita espadada. O maior legado não é o Projac nem a própria TV Globo em si, mas termos criado um mercado de trabalho importante que a Globo mantém até hoje para artistas, técnicos, diretores brasileiros. Isso me dá a maior satisfação.
M&M — Ao lado de Walter Clark, o senhor tem na sua história o mérito de ter criado o formato de grade de programação. Ele ainda tem lugar no cenário atual, com plataformas como VOD, streaming, TV everywhere?
Boni — Começamos a desenvolver a grade, depois o Walter foi embora, mas ela só ficou madura em 20 anos, dos quais dez o Walter participou. Tem sido mexida em alguns momentos, mas não pode ser muito alterada, é muito amada e não foi inventada do dia para a noite, amadureceu com o tempo. Esta cara da Globo que está aí apareceu na década de 1970. A grade é um processo para ter a fidelidade do telespectador, o que tem de mudar são os conteúdos. O problema da televisão não é formal nem de grade, mas o conteúdo. Compete com esses eventos com conteúdo, sabendo que o VOD e outros dependem da possibilidade que o sujeito tem de gastar dinheiro com isso. No mundo inteiro é limitado. E você pode rechear a sua grade com o conteúdo que quiser.
A audiência da novela não está ligada a polêmica. As duas senhorinhas da novela são ternas. A baixa audiência está ligada à própria história. Gilberto Braga é um grande autor, fez grande sucesso na televisão, mas o autor não é um poço sem fundo do qual você vai tirando água a vida toda
M&M — O Jornal Nacional, primeiro programa nacional ao vivo, também é um de seus legados. Ele ainda atrai uma alta audiência, mas por quanto tempo continuará assim? Sua fórmula ainda é atual?
Boni — Podemos ver o exemplo dos outros países. A tendência do jornalismo é aumentar. Na época da estreia, todo mundo da emissora queria o Jornal Nacional que colocamos no ar. Minha contribuição foi determinar o formato, que era muito discutido. E a do Armando Nogueira e da Alice Maria foi colocar no ar. Hoje vemos nos Estados Unidos o aumento do jornalismo, especialmente do jornal local. O “Jornal Nacional” americano continua no seu horário, firme. É uma espécie de Diário Oficial da televisão, visto por milhares de pessoas. A França tem o seu, a América tem dois ou três. O Brasil tem. E vai continuar. O que vai mudar muito é o jornalismo local, que deve crescer. A Globo já abriu o Hora Um de manhã cedo, está no caminho certo. Os formatos vão sendo renovados. Na Vanguarda nosso maior índice de audiência é o jornal que vai ao ar meio-dia. O jornalismo vai existir cada vez mais ligado à internet e às redes sociais. E essa interação vai crescer. Não considero a internet concorrente, pelo contrário, é uma aliada. Não é um veículo produtor, mas de distribuição. Nossos conteúdos têm de ser bons para concorrerem com os outros conteúdos, não só da televisão, mas também da internet.
M&M — Resgatando mais um pouco da história, vamos relembrar o acordo da Time Life com a Globo. O quanto foi relevante naquele momento, e o quanto prejudicou?
Boni — A relevância da Time Life vem do fato de ela ter inicialmente, nesta parceria com o Dr. Roberto (Marinho), construído um prédio, embora pequeno, onde se pudesse fazer televisão. Terminou aí. Durante os dois primeiros anos de operação com a Time Life, os resultados foram muito ruins e logo veio a campanha do João Calmon (deputado, presidente da Abert em 1966) contra a Globo. Em 1967, a Time Life se espantou e foi embora. Foi a grande oportunidade que tivemos de fazer a TV Globo. O doutor Roberto comprou a parte deles e passamos a pagar a dívida que havia sido feita pelos nossos antecessores. Mas a grande contribuição que a Time Life nos deu foi ter trazido para cá, na hora do desespero, quando já não conseguia receber dinheiro nenhum, um dos administradores deles mais “mão fechada”, o Joe Wallach. Ele via muitas perspectivas para o Brasil, dizia que ia ser o país da televisão. A Time Life foi embora e ele ficou, acreditava em uma expansão nacional. O Joe foi uma pedra importantíssima na história da TV Globo porque tinha os pés no chão, era muito duro para segurar o dinheiro e nos ajudou muito na questão da organização, da administração, do ponto de vista de contabilidade, métodos de produção.
Leia a íntegra desta matéria no especial Globo 50 Anos, que acompanha a edição 1656, de 22 de abril, exclusivamente para assinantes de Meio & Mensagem.
Confira também: Audiência e novelas: um caso de amor
Compartilhe
Veja também
Quais os desafios de produzir remakes para a televisão?
Emissoras resgatam nostalgia apostando em releituras de sucessos passados sob os moldes dos tempos atuais, retratando novos costumes, tecnologias e comportamentos
As marcas que venceram o BBB 25 em termos de buzz
Stilingue by Blip monitorou as citações das marcas patrocinadoras do reality show da TV Globo nas redes sociais ao longo dos 99 dias de exibição