Bárbara Sacchitiello
18 de janeiro de 2023 - 17h38
Julio Beltrão, diretor artístico da Mynd, é o líder do projeto Potências (Crédito: Divulgação)
Criado em 2021 em forma de uma premiação para reconhecer o talento dos criadores de conteúdo pretos, o projeto Potências, da Mynd, ganha novas frentes de negócios a partir deste ano.
Capitaneado pelo publicitário Julio Beltrão, diretor artístico da empresa, o novo pilar se expandirá em um selo para a aceleração da formação de novos talentos e criadores de conteúdo, para o fortalecimento do debate acerca de representatividade e inclusão no mercado publicitário e, também, como uma frente de consultoria para auxiliar as marcas a se aproximarem – e fazerem negócios – com influenciadores pretos e periféricos.
A expansão do pilar Potência, segundo Julio Beltrão, é fruto de uma demanda dos próprios anunciantes em se aprofundar nas questões de diversidade e, principalmente, da própria sociedade em querer se ver representada na publicidade, mídia e nas diferentes situações de consumo.
A partir deste ano, o pilar Potências passa a contar com quatro frentes: Novas Potências, uma escola para criadores de conteúdo; Banco de Potências, plataforma para o cadastro de talentos pretos; Plataforma Potências, que será um espaço de conteúdos e debates sobre a comunidade negra, e a Consultoria Potências, com serviços de apoio para empresas a respeito da contratação de colaboradores mais diversos.
Nessa entrevista, o líder do projeto fala sobre a maior conscientização do mercado a respeito da questão racial e destaca, sobretudo, a necessidade de apresentar novas vozes e talentos pretos para gerar oportunidades aos criadores e, consequentemente, negócios para as marcas.
M&M: O Prêmio Potências já existe desde 2021. De que forma a empresa achou que ele poderia se desdobrar em outras iniciativas?
Julio Beltrão: O Prêmio Potências veio se consolidando nesses anos e, ao decorrer desse processo, íamos ouvindo das marcas que iniciativa essa bacana e notando uma inquietação para querer se aprofundar no assunto. As marcas se interessam pelo Prêmio Potencias e querem estar lá. Se já existe esse interesse no mês de novembro, a ideia é fazer com que isso aconteça de forma perene, com as empresas falando, de janeiro a janeiro, sobre negritude, sobre a importância de ter pessoas pretas trabalhando nas agências, nos principais veículos e entre os criadores de conteúdo. Falar sobre diversidade e inclusão não pode ser um tema sazonal.
M&M: Você sente um interesse maior das marcas em abordar o tema da inclusão racial?
Beltrão: Sim, muito por conta do aumento da preocupação com o ESG. As marcas estão entendendo que não dá mais para se ter o ESG apenas no discurso do presidente em uma premiação ou em uma entrevista e que é importante ter isso no dia a dia. Essa questão, inclusive, já se tornou ponto de avaliação na Bolsa de Valores, o que mostra como o tema do ESG está virando uma questão de dinheiro. E, a partir do momento em que falamos sobre dinheiro, isso acaba se tornando algo de grande importância. Já vemos um pequeno, porém significativo, aumento de profissionais pretos trabalhando nas marcas e agências, o que mostra que há uma inquietação de dentro para fora. Durante muito tempo diversidade ficou dos discursos, mas vem deixando de ser algo que está na boca dos diretores para se tornar algo prático, porque eles começaram a ver que, se a coisa está preta, é sinal de que a coisa está boa financeiramente. E cada vez mais há um publico cobrando a verdade das empresas.
M&M: Duas das frentes de negócios do projeto Potências são voltadas aos creators pretos (novas Potências e Banco de Potências). Quais são as barreiras que esses creators enfrentam e como as marcas podem atuar nessas questões?
Beltrão: Esse questionamento nasce do primeiro dia que comecei a trabalhar com publicidade. Há uma música do Racionais que tem uma frase que diz “Seu comercial de TV não me engana” (a canção é Capítulo 4, Versículo 3, do álbum Sobrevivendo no Inferno). Ou seja, é uma música feita por pessoas pretas e periféricas, falando sobre comerciais de TV, há mais de 20 anos atrás. E essa inquietação se dá sobre isso: será que os comerciais de TV que estamos produzindo hoje está enganando? Será que está passando verdade ao público? E quando pensamos isso sob a ideia do marketing de influência, será que estamos passando verdade quando as marcas contratam esses criadores? Ou ainda continuaremos tendo aquele boom de ter um único criador (preto) e todos as marcas quererem trabalhar com ele por estar na moda? A escola de criadores, Novas Potências, foi criada justamente para apresentar o maior número de pessoas que estão abaixo do radar. Temos criadores brilhantes em diversas áreas. Infelizmente, a grande maioria dos grandes criadores de conteúdo pretos que temos falam sobre racismo, ou seja, ganham dinheiro com a pauta racial. E estamos saturados desse modus operandi da comunicação. Onde estão as pessoas pretas especialistas em viagens ou em culinária? Essa semente plantada agora é para que possamos criar novos talentos e ajudar o dia a dia no influenciador, formando especialistas em diversas áreas, ensinando as boas práticas que temos de redes sociais e trazendo parceiros. Com certeza, daqui a um tempo, conseguiremos promover uma transformação e não ter, por exemplo, apenas a Camilla de Lucas para falar sobre beleza por termos outras 15, 30 meninas no Brasil para falar sobre beleza.
M&M: Essa frente de formação de criadores de conteúdo, então, é uma das partes mais importantes desse projeto Potências?
Beltrão: Quando me pedem para resumir em uma linha o que eu faço, eu digo que potencializo vozes negras e faveladas através da publicidade. Quando começamos a trazer essas pessoas para cima do radar, a fazer com que as marcas comecem a absorver essas pessoas, vemos uma movimentação. E isso parte também da inquietação das marcas. Vemos, por exemplo, em grandes festivais, como Lollapalooza e Rock in Rio, uma grande busca por criadores pretos, para que eles estejam nesses lugares, pois as empresas já sabem da importância de ter esses creators pretos em destaque nos camarotes dos eventos. Então, existe uma demanda por isso e temos um papel nesse contexto de formação de criadores para que não escutemos mais de uma marca que ela até queria trabalhar com um influenciador preto, mas não encontrou. Queremos mostrar ao mercado que, sim, é possível.
M&M: Outra dessas frentes consiste na geração de debates e diálogos sobre inclusão racial. O que pretendem fazer a respeito disso?
Beltrão: Nossa ideia é munir o mercado de informações e insights para que possamos trabalhar de forma correta com profissionais pretos e favelados. A principal frente desse trabalho é o Prêmio Potências, que é uma noite super importante no calendário da Mynd (está marcado para 27 de novembro) e para a qual estamos cuidando da pré-produção, mas também queremos levar essa conversa para dentro das agências. Muitas agências parcerias já procuram a Mynd para semanas de diversidade ou para apoio em alguns trabalhos. Agora, profissionalizaremos isso, com datas, de janeiro a janeiro, para que as marcas e profissionais estejam conosco nessa conversa. Já temos um produto de sucesso, que é o Mynd Day, em que promovemos conversas sobre a importância da influência e, a partir de agora, o Mynd Play ganha um grande irmão, que é o selo Potências, pra falar sobre diversidade e inclusão o ano todo. A ideia é que em todos os meses do ano tenhamos alguma presença ou evento sobre o assunto.
M&M: Algum segmento do mercado vem demandando mais atenção e aprofundamento no tema da inclusão racial?
Beltrão: Isso vem muito mais dos anunciantes, principalmente porque o público vem cobrando por essa transformação. Se olharmos para a transformação da publicidade vamos perceber que as marcas, cada vez mais, vêm deixando de vender produtos para vender valores. E a partir do momento em que isso acontece, elas começam a ter mais preocupações. Todas as conversas que tivemos, inclusive nos bastidores do Prêmio Potência, houve uma percepção de que os anunciantes querem estar ali e isso vem se mostrando também nossas reuniões comerciais. Fico feliz de ver que estamos mudando a estrutura do marketing de influência, colocando dinheiro na mesa para o criador de conteúdo por meio da potencialização de vozes através de veículos, anunciantes e agencias. Acredito que, ano após ano, continuaremos vendo bastante nas premiações a palavra diversidade, mas com a grande diferença das pessoas que estarão ali, em cima do palco.