Tessler: “O coronavírus renovará a qualidade do jornalismo”
A busca da população por informações referentes ao Covid-19 dá aos veículos a oportunidade de aproximarem-se da audiência, explica jornalista e consultor
Tessler: “O coronavírus renovará a qualidade do jornalismo”
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Victória Navarro
25 de março de 2020 - 6h00
No mundo, a rápida disseminação do novo coronavírus (Covid-19) trouxe, para diversos setores, incertezas econômicas. Seja via telas de TV e smartphones, seja por meio de áudios de podcasts e de emissoras de rádio, a população caminha em direção à necessidade de obter informação relevante, enquanto os meios jornalísticos seguem na direção de tentar desacelerar a disseminação do vírus por meio do oferecimento de informação qualificada às pessoas.
Nos últimos dias, a Globo, por exemplo, depois de suspender, por tempo indeterminado, a gravação de novelas, como Amor de Mãe, e deixar de exibir os programas Encontro, Globo Esporte e Se Joga, ampliou a maior parte dos telejornais da casa. Além disso, passou a exibir na grade o Combate ao Coronavírus, uma atração dedicada a tirar dúvidas sobre a pandemia. Além disso, veículos como Folha de S.Paulo, O Globo e outros jornais de várias partes do Brasil, anunciaram a liberação do conteúdo digital que traz informações gerais sobre a Covid-19.
De acordo com Eduardo Tessler, jornalista e sócio-diretor da consultoria Midia Mundo, “estamos vivendo um momento na comunicação em que interessa não apenas o sucesso econômico, mas também manter a população viva e saudável”. Para o profissional, veículos de comunicação, com modelos antiquados, “amparados em valores e estratégias pré-digital”, encararão como desafio, por exemplo, a recessão publicitária, enquanto aqueles com um pé dentro da tecnologia e da inovação encontrarão mais facilidades em enfrentar o atual momento no Brasil. “É uma oportunidade espetacular de aproximar-se da audiência, de modo definitivo e relevante”, afirma.
Confira entrevista completa do Meio & Mensagem com Eduardo Tessler:
Meio & Mensagem — Em meio ao novo coronavírus, a imprensa acaba sendo a maior fonte de informação. A tendência é que o jornalismo seja mais valorizado?
Eduardo Tessler — É nesse momento que se distinguem o bom jornalismo, o fundamental, do jornalismo mais do mesmo, o descartável. Imprensa não conta contaminados, não soma mortos. Imprensa não publica decretos nem fiscaliza pessoas nas ruas. A boa imprensa sabe entender a direção do vento, pensa com a cabeça da necessidade informativa para a audiência. Então, a boa imprensa, que está sendo valorizada e ganhará ainda mais valor, é aquela que escuta informações oficiais, checa com especialistas, cobra de instituições públicas, lança ideias respaldadas por quem conhece o assunto. A imprensa que apenas escuta meios oficiais e segue a onda mais cômoda perderá pontos na mesma proporção que as autoridades e governantes vêm perdendo. O jornalismo precisa ser inteligente, sagaz, ágil.
M&M — Já viu, na história, algum outro episódio parecido?
Tessler — Na Guerra do Golfo, em 1991, brilhou a TV a cabo, que transmitia ao vivo os ataques a Bagdá. Na queda das Torres Gêmeas, em 2001, o mundo inteiro viu, ao vivo, o desabamento do World Trade Center. Agora, sem um epicentro da crise, o cidadão consegue acompanhar a evolução do vírus e as reações da sociedade. E, se organizar, onde os governantes são omissos. O jornalismo, nesse caso, bem abastecido por informações de todo o planeta, consegue comparar dados e levantar hipóteses. Antes, isso não era possível. A imprensa dependia de informações puramente oficiais. Hoje, os veículos conseguem comparar dados, levantar dúvidas, identificar erros e questionar autoridades, com maior conhecimento. O jornalismo é um serviço extremamente relevante para a sociedade.
M&M — O quão grave é o surgimento de fake news, neste momento?
Tessler — O Brasil foi castigado pela emissão em massa de fake news, durante a campanha presidencial de 2018. E, os estelionatários continuam emitindo essas notícias falsas, com interesses pessoais e antissociais. É gravíssimo. É, aqui que o bom jornalismo precisa se concentrar: confiança na marca, nos bons profissionais, para virar outra vez referência informativa. Há ótimos serviços de descoberta de fake news no Brasil, porém, o resultado só aparece quando o dano já está feito. As fake news sabem se propagar com enorme êxito. O bom jornalismo precisa reocupar esse espaço. O jogo está aberto e será vencido por quem entender a nova realidade.
M&M — O novo coronavírus está afetando economicamente parte das indústrias. Acredita que isso afetará de certa forma os veículos jornalísticos?
Tessler — Acredito que o vírus trará, como consequência, um quebra-quebra nas empresas de comunicação com modelos de negócio antiquados, amparados em valores e estratégias pré-digital. Os anunciantes já retiraram boa parte dos anúncios, afinal o setor de serviços está praticamente parado. Alguém vai sair de casa para comprar um automóvel durante essa crise? Alguma empreiteira seguirá com obras para levantar edifícios? Não, a economia do País está parada. E, os mercados e supermercados, neste momento, não precisam de publicidade para vender mais. Pelo contrário. Empresas baseadas fundamentalmente em publicidade vão quebrar, não conseguirão aguentar quatro a seis meses com esse quadro. Nem os eventos, que costumam representar entre 10% e 20% das receitas das empresas jornalísticas, vão acontecer. Quando a crise acabar, o momento econômico do Brasil será outro. A publicidade não voltará de imediato, pela enorme recessão. Ao mesmo tempo, quem entendeu que o modelo vinha mudando, veículos da Infoglobo e Folha de S.Paulo, em especial, vão ter maior facilidade em superar essa crise.
M&M — Acredita que o novo coronavírus marca uma nova fase para o jornalismo?
Tessler — É um divisor de águas entre os séculos 20 e 21. A crise do Covid-19 é o exemplo prático que faltava para que as empresas de comunicação entendam que só o que salva o negócio é o bom jornalismo e a relevância junto à audiência. Todas as outras fórmulas mágicas são adaptações de modelos que deram certo em 1950 e 1970. Novos meios, nativos digitais, também aprendem a ocupar um espaço nobre, dentro das mesmas 24 horas do dia de cada cidadão. Informação útil vem de outras maneiras, não mais apenas em impresso, rádio e TV. Hoje, vemos lives de especialistas, muito mais explicativas do que os telejornais. Escutamos podcasts de economistas, que contam a realidade das Bolsas com extrema confiabilidade. Ou seja, há novas formas de se informar. Qual a vantagem das marcas tradicionais? A história de confiança. Por isso, é preciso não trair esse resquício de admiração que a audiência ainda tem. E, praticar bom jornalismo como forma de subsistência. O vírus está servindo para acelerar o inevitável processo de renovação dos modelos de negócio e a qualidade do jornalismo.
“O dinheiro para sustentar o negócio precisa vir mais do cidadão do que do anunciante”, afirma Eduardo Tessler
M&M — Neste momento, como a informação jornalística no digital pode ampliar os modelos de negócios dos veículos jornalísticos?
Tessler — Se a cobertura é relevante e fundamental, a opção por assinaturas daquele serviço, daquele veículo, é um movimento sem volta. Os veículos de informação não têm outra opção: o dinheiro para sustentar o negócio precisa vir mais do cidadão do que do anunciante. A régua mudou. E, lamentavelmente, a maior parte das empresas ainda não consegue entender a nova realidade, mesmo com essa oportunidade de ouro de agora.
*Crédito da foto no topo: Nadia Bormotova/iStock
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