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Fábio Carvalho fala sobre a compra do Grupo Abril

Futuro dono do empresa comenta o processo de recuperação judicial e seus planos para os projetos editoriais e comerciais da companhia


21 de dezembro de 2018 - 16h33

Fábio Carvalho ainda responde como sócio-fundador e presidente da Legion Holdings, mas se o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovar a proposta que fez para adquirir o Grupo Abril, acumulará a posição de CEO da empresa a partir de fevereiro. O executivo, com ampla experiência no mercado de investimentos de risco, fez uma oferta de R$ 100 mil à família Civita para ter 100% da empresa. Nessa negociação, com os herdeiros de Roberto Civita, já teve sucesso. Agora, além da aprovação do Cade, os bancos credores — Bradesco, Itaú e Santander — também precisam aprovar seu novo interlocutor. “A partir do fechamento dessas rotinas, teremos de fazer um aporte de recursos para garantir a saúde financeira da empresa”, diz Fábio, que terá como CFO, na futura operação na Abril, Lucas Martinelli, seu sócio na Legion. A seguir, o executivo fala ao Meio & Mensagem sobre os desafios do negócio e seus futuros planos para o Grupo Abril.

Fabio Carvalho, da Legion Holdings: Há demanda por produto jornalístico de qualidade e há massa crítica no Grupo Abril (Crédito: Masao Goto Filho / Divulgação)

Meio & Mensagem — A negociação envolveu o valor simbólico de R$ 100 mil à família Civita, confere? Geralmente, esse aporte é muito mais simbólico do que isso, de US$ 1 ou R$ 1.000 (que foi a quantia paga pela Legion ao BTG para adquirir a varejista Leader, em 2016).
Fábio Carvalho — O valor de R$ 100 mil é o idealmente simbólico, geralmente seria até maior, para cobrir custos de cartório, para um grupo de escala desse tamanho. Eu coloquei como R$ 100 mil e nunca foi discutido, eles não argumentaram. Se tivesse colocado R$ 1 teria passado, portanto perdi R$ 99 mil (risos)… Além dos gastos da transação, a família fez investimentos grandes no decorrer do tempo para tentar reverter a crise e julgaram por bem que agora seria a hora de passar a empresa a um especialista.

A Alvarez & Marsal fez um bom trabalho para preparar essa reestruturação, mas algo dessa magnitude não é só bancar uma mudança, fazer corte de custos e outras contenções. Envolve um novo acionista, investimentos de porte, retomada de frente, novo investidor… Tudo para angariar mais capital.

E eu tenho uma carreira desenvolvida em cima disso, desde a época de advogado, depois como consultor e empresário, especializado nisso. E não sou de comprar num dia e vender no outro. Até hoje não vendi a Casa & Vídeo nem me desfiz de outros investimentos. Tenho um método válido para isso, altamente capacitado, a partir do qual poderemos redesenhar, desde a parte de custos até o plano estratégico, além do que tenho recursos para aportar. A família decidiu que era hora de entrar em cena quem gostaria de pegar isso como o início de uma nova história. Não há nada em segredo, nenhuma cláusula especial, não há nenhuma troca duvidosa envolvida nesses R$ 100 mil.

Havia um concorrente na oferta pela Abril, a Guilder Capital, de João Consiglio, com desconto menor que o seu, de 90%, para os credores. Por que a sua proposta é melhor?
A Guilder era concorrente também pela compra do capital, mas não é mais. Uma coisa é comprar capital e outra é gastar dinheiro para pagar dívida, com descontos determinados. Hoje tenho até minhas dúvidas se ainda faz sentido esse movimento da Guilder. Mas o BTG fez uma proposta — não sei se está de pé com a do João Consiglio — que é firme, sem condições, pronta para fechar. Por isso que estamos prosseguindo e vamos negociar com os bancos agora. Já está decidido que será conosco, nós adquirimos o capital e a Enforce (BTG), a dívida. O interlocutor está estabelecido.

Além disso, faz parte de minha atividade negociar com bancos. As instituições não têm motivos para não acreditar que as condições são razoáveis. Eles têm ciência da realidade da companhia.

Há planos de o BTG se beneficiar dessa operação com uma futura produção de conteúdo?
O que posso dizer é que há um interesse manifesto do BTG que, além de tudo, é um dos grandes anunciantes da Exame. O mercado de financeiras está muito aquecido, acelerado e em crescimento, na competição com plataformas digitais. É cedo dizer como vamos prosseguir com isso, precisamos conhecer melhor os detalhes da plataforma e nunca é demais lembrar que, além de interessado, é um anunciante.

Não é parte do nosso investimento ensinar a fazer jornalismo, estou ansioso a aprender, mas do ponto de vista empresarial, sim. Sou anunciante com experiência. Nisso entendemos bastante o caminho que pretendemos seguir, no aprimoramento de produtos digitais, uso de dados para melhorar a experiência do cliente e, mais ainda, a experiência de qualidade do leitor, com a mídia mais programática, diversas evoluções

Os credores detêm as marcas Veja e Exame como garantia. Como isso deverá ficar?
No contexto da negociação, se bem sucedida, devem ser liberadas as garantias, e essas marcas passarão a ser equacionados no contexto da negociação da dívida.

Deverão seguir com o plano de recuperação apresentado? Parte do mercado achou a proposta muito ousada.
O plano é consistente, não é ousado, não tem muita gordura não. Mas negociação é negociação. O valor não é a única variável: tem também o desconto, o prazo, os juros… De toda forma, só poderemos negociar o plano de recuperação uma vez que eu tenha a aprovação do Cade para o controle. Até então é a Alvarez que tem negociado, com prioridade absoluta de pagamento do débito a funcionários.

Concluída a aprovação do Cade, deverá ser incorporado um novo conselho administrativo? Além de você e seus sócios, o BTG poderia ter uma cadeira? Os próprios Civita?
Não: sou o dono da companhia e o BTG não participa de conselho. Se ele entrar como credor, é somente da dívida, não terá assento no conselho administrativo. Conselho não é uma prioridade.

Talvez um conselho editorial. Para funcionar, deve reunir pessoas com qualidade para agregar e o que existe hoje, por exemplo, com a Alvarez, é consistente. No futuro, talvez, com indivíduos de talentos específicos… Afinal de contas conselho é custo, portanto não é prioridade.

A família Civita, no conselho editorial talvez faça mais sentido e, eventualmente, vamos fazer uma transição, é possível. Não queremos fazer nada drástico, nada que crie uma ruptura na forma como os veículos de sucesso hoje são tocados. Existe uma visão clara nossa de aprimoramento de formatos, de estratégia, de interação com o assinante e anunciante… Mas ninguém aqui está planejando como alavanca de valor intervenções no processo editorial. Os títulos são o que são porque foram construídos ao longo dos anos com muita massa crítica de conhecimento, know how e processo, que são parte do patrimônio em aquisição. Vamos manter tudo que é bom e agregar, sobretudo, mais expandindo do que retirando. Revisando o serviço ao leitor ao melhorar a visão sobre os assinantes, até aonde ele acessa conteúdo, em quais plataformas, quais formatos. Revisando as maneiras que os consumidores serão melhor servidos pelas plataformas, de modo mais integrado e conveniente. Um trabalho sobretudo na forma de entrega de conteúdo. E isso tem de ser feito junto a toda equipe editorial e jornalística. Não é parte do nosso investimento ensinar a fazer jornalismo, estou ansioso a aprender, mas do ponto de vista empresarial, sim. Sou anunciante com experiência. Nisso entendemos bastante o caminho que pretendemos seguir, no aprimoramento de produtos digitais, uso de dados para melhorar a experiência do cliente e, mais ainda, a experiência de qualidade do leitor, com a mídia mais programática, diversas evoluções. Vamos trazer as melhores práticas já consolidadas e aquelas que estão na vanguarda. Parte passa pelo conselho editorial, outra pelo foco empresarial, mas sempre mantendo essa separação, pois é da maior importância garantir essa proteção, que já existe e será mantida.

A maioria das empresas de comunicação enfrenta não só a crise de conjuntura econômica, mas a do próprio setor. Porque tamanho investimento de risco numa empresa em especial desvantagem como a Abril? É pela sua história e suas marcas?
O processo de fragmentação de distribuição também fragmentou a produção. O consumidor de notícia tinha um pequeno espectro de provedores de qualidade e formava a opinião dele com relativa facilidade que, a partir disso, formavam seus interesses. Hoje, isso chega de todos os lados, até da tia do WhatsApp. Quando se desverticaliza a produção e distribuição, se pluraliza a produção e, com muita gente, abaixa a qualidade. Na média, diminuiu a qualidade da imprensa, com muita coisa produzida com viés, fatos frágeis ou até mal intencionados. É um processo de deterioração, não é privilegio brasileiro, é facilmente observado em qualquer cultura com a qual temos mais relacionamento. Pode parecer uma grande ameaça à primeira vista, e até é mesmo para instituições de imprensa. Mas eu penso o contrário: assim como em outros produtos dirigidos ao consumidor, a mensuração de qualidade é facilmente percebida, ela ressalta entre os textos pobres, as notícias extremadas, o que gera desconforto. Pegue pelas eleições, que eclodiu rapidamente para discussões rápidas, muitas vezes parecendo debate de futebol… Na verdade, acho que hoje a conversa de futebol tem muito mais qualidade que a conversa política (risos)!

Há, portanto, demanda por produto jornalístico de qualidade e há massa crítica no Grupo Abril. É uma questão de formato, estratégia e relacionamento, como encantar nosso anunciante e nosso leitor. Grande parte do know-how está lá e muitas já estavam em curso no Abril, mas foram conturbadas pela crise aguda que atravessa. O crescimento em digital, por exemplo, é expressivo, mas não sobe numa razão que compense a queda do impresso. Então esse movimento precisa ser acelerado, com evolução técnica de produtos, soluções, formatos, velocidade.

Mas para produzir conteúdo de qualidade em formatos inovadores não seria mais fácil começar algo novo que não partisse de uma dívida de R$ 1,6 bilhão?
Sem dúvida, mas não teria 68 anos de experiência, nem todo conhecimento que o grupo abarca. Além de seu acervo, credibilidade, penetração, canais de distribuição física… Tudo tem seu valor. Pode ser construído, mas leva muito tempo e também envolve riscos.

Na gestão normal, tem uma série de coisas de governança que impede grandes transformações… Mas na crise, é um momento de emergência e suscita paixão, e quem é apaixonado cria. Nesse caso, você não reconstrói sozinho, mas em cima de um exército devotado

Além do que vem muito do tipo de animal que eu sou: um empreendedor de transformação, não sou de pura construção. Se eu quero investir em copos, não acordo um dia e penso “vou abrir uma empresa de copos”. Vou analisar quem fabrica copos, quem vende mais e investir para transformar uma dessas empresas na melhor vendedora de copos. Envolve construção e reconstrução, também, mas dentro de uma coisa que existe. E aquele organismo que existe só está lá pois ele já é uma coleção de sucessos. Ainda que muito tenha dado errado, a Abril não completou 68 anos sem ter muito sucesso. E há uma medida de insucessos de contexto do Brasil que levou à crise, mas não invalida o restante de sua história.

Esse é o meu método. Uma companhia é um complexo de contratos com todos seus stakeholders: funcionários, fornecedores, clientes, credores… Uma crise esfacela boa parte desses contratos e é a oportunidade de reconstruí-los. Na gestão normal, tem uma série de coisas de governança que impede grandes transformações… Mas na crise, é um momento de emergência e suscita paixão, e quem é apaixonado cria. Nesse caso, você não reconstrói sozinho, mas em cima de um exército devotado.

Em sua trajetória, o Grupo Abril tentou diversificar suas receitas numa série de áreas, desde mídia exterior até market place, muitas vendeu, outras encerrou, algumas continuam… No entanto, sua defesa parece se concentrar muito na produção de conteúdo. Esse é o foco de transformação, então? Muito mais que as outras áreas?
Sem dúvida, é o foco. Mas também temos muito apreço pela qualidade logística e a promoção de eventos, onde a Abril tem um excelente histórico, a Casa Cor é o melhor exemplo, e está muito bem posicionada com esse e os outros produtos. Em logística, tem uma parte que cresce muito, direcionada a encomendas, embora a logística de títulos editoriais também sofra um pouco. Mas evidente que conteúdo e jornalismo seguirão como carro-chefe.

A proibição de aporte estrangeiro maior que 30% em empresas jornalísticas no Brasil é um grande impeditivo para a melhoria das empresas do setor? A própria Abril já tentou capitalizar vendendo a fração que a lei permite ao grupo Naspers, no passado, e mesmo assim chegamos até aqui. Como vê esse cenário?
Acho que toda limitação à aplicação de capitais produtivos sempre custa muito alto e tem de ser justificada por um bem maior e claro. Considero, pessoalmente, os 30% uma limitação excessiva. Mas compreendo que existam níveis de controle de capital internacional. Diminuir a restrição facilitaria a vida das instituições de imprensa no Brasil que precisam encarar um mundo em aceleração, num contexto brasileiro em que a inovação é prejudicada, em que falta base tecnológica, num País em que dinheiro custa caro. Mas muito desse quadro não é um desafio só brasileiro, mas internacional e comportamental. A restrição é um problema, embora eu entenda sua raiz. Não quero entrar na questão constitucional, tem de ser respeitada. Além do que mudaria pouco se fosse 30% ou 49%. A questão do controle da mídia, sim, é um debate que tem de ser feito no âmbito constituinte. Seria boa uma flexibilização maior, sem crise para a constituição e a soberania do País. Mas tudo ao seu tempo, o mercado de companhias aéreas passou por isso. E não é o único elemento que pressiona as instituições de imprensa no Brasil. É sobretudo um problema sobre a forma de operação e formato, encontrar novas modalidades de comunicação com o anunciante e o consumidor.

Sobre a decisão da 61ª Vara do Trabalho de SP para que a empresa reintegre todos os funcionários demitidos de 2017 ainda em janeiro: vocês vão recorrer? Como pretende solucionar a dívida trabalhista?
A companhia está recorrendo da decisão, e acreditamos que vamos seguir com a proposta do plano. A solução de pagamento é razoável. Limitando a R$ 238 mil, atende a mais de 90% do quadro e acelera o pagamento a quem mais precisa. Claro, todos precisam e têm direito aos seus salários, mas é uma situação excepcional. Quem está acima dos R$ 238 mil, será negociado com os mesmos descontos em conversa com os credores, e abaixo de R$ 120 mil, recebe mais rápido, numa camada intermediária em prazo. Todo mundo tem suas necessidades, mas acreditamos que é um forma justa de tentar equacionar o problema de todos.

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