“Há lugar para séries e novelas”
Silvio de Abreu, diretor do núcleo de teledramaturgia da Globo, analisa o impacto das séries e da internet no gênero
Silvio de Abreu, diretor do núcleo de teledramaturgia da Globo, analisa o impacto das séries e da internet no gênero
Bárbara Sacchitiello
30 de novembro de 2016 - 12h13
Autor de novelas desde a década de 70, Silvio de Abreu adquiriu uma função que extrapola a criação de personagens, enredos e tramas. Desde 2015, ele é diretor responsável pela dramaturgia diária da TV Globo, área que rende as maiores audiências da casa – e, consequentemente, gera boa parte do faturamento comercial.
A menos de um mês da celebração dos 65 anos da estreia da primeira telenovela no Brasil (Sua Vida me Pertence, exibida pela TV Tupi em dezembro de 1961 marcou o início da teledramaturgia na TV), Silvio de Abreu faz uma análise da importância cultural e social do gênero e também aponta os impactos que as séries internacionais e a Netflix vêm tendo no hábito de consumo dos espectadores brasileiros. Nessa entrevista concedida ao Meio & Mensagem, ele também comenta a variação de audiência das novelas e aponta como é possível fazer os jovens se interessarem por algo tão antigo e comum nas gerações anteriores: sentar diariamente diante da TV para esperar os capítulos começarem.
Meio & Mensagem: Sessenta e cinco anos depois do início de sua exibição no Brasil, é possível dizer que a telenovela ainda é o principal pilar de entretenimento da TV aberta brasileira?
Silvio de Abreu – Sim, claro que é possível. Novelas fazem parte do hábito do espectador brasileiro e da cultura da sociedade quando pensamos em consumo de TV. E continuam sendo as maiores audiências diárias de nossa programação, no horário nobre e também no vespertino, quando registram altos índices no ‘Vale a pena ver de novo’. Hoje pode-se dizer que nunca se viu tanta novela, independentemente da janela de exibição. Mais do que entretenimento, as novelas discutem valores, comportamentos, a contemporaneidade e questões sociais, entre outros, com um conteúdo relevante e de qualidade que acompanha a evolução da sociedade. Não à toa, seus temas e tramas são assunto entre amigos e família em casa, na mesa do bar, no trabalho, na internet e em redes sociais, que registram um alto volume de comentários e repercussão. Por meio de nossa dramaturgia, retratamos o cotidiano do brasileiro e a rica diversidade do país, reiterando nosso compromisso com seus talentos e sua cultura. A novela é, assim, um elemento de integração nacional.
M&M- Quais as principais mudanças pelas quais as novelas passam nos últimos anos (em termos de conteúdo, trama, linguagem, etc)?
Abreu – A novela é um espelho da sociedade que ela representa e seus temas e linguagens mudam à medida que a sociedade muda.Essas mudanças são bem-vindas, são a engrenagem e o tempero de nosso trabalho. É interessante também entender a novela como uma peça única dentro da dramaturgia, com um arco dramático e um processo de criação e de produção muito diferentes do cinema e do teatro, por exemplo. Cada autor e diretor, com suas vivências e experiências, imprime um olhar único em seus processos criativos. Sem contar os fatores tecnológicos que também permitem produções inovadoras e ousadas. Com ou sem mudanças, acreditamos que o que fideliza o público é a relevância da história, a qualidade de sua produção, a adequação na forma de oferecê-la.
Mais do que entretenimento, as novelas discutem valores, comportamentos, a contemporaneidade e questões sociais, entre outros, com um conteúdo relevante e de qualidade que acompanha a evolução da sociedade
M&M -A Globo vem realizando diversos experimentos nas telenovelas, seja em relação à sua duração, à direção e ao próprio estilo da narrativa. Como essas alterações são calculadas?
Abreu – Para nós, estes experimentos são naturais. A Globo é uma empresa que acompanha a evolução da sociedade, está em permanente conexão com o público, e tem um compromisso constante com a inquietação e com a inovação. Se temos possibilidades e recursos, sejam tecnológicos ou criativos, de oferecer produtos cada vez melhores e inovadores, assim faremos. Há alguns anos, passamos a produzir a novela das onze, de uma duração menor e que, pelo horário, nos permite abordar outros temas e experimentar na forma de dirigir e produzir. O mesmo podemos dizer sobre as minisséries e séries – este ano, inclusive, inauguramos um novo gênero em nossa grade com ‘Supermax’. Nossa maior vocação é contar boas histórias, independentemente de duração, direção, linguagem, formato e gênero.
M&M – Como você analisa a queda de audiência das novelas na TV, sobretudo as da faixa nobre (21 horas)?
Abreu – Hoje, as emissoras de TV aberta têm mais audiência do que tinham há 20 anos porque atingem um número maior de lares e pessoas. Em 1997 (ano do início da medição de audiência no panorama nacional), 30 pontos de audiência da Globo equivaliam a 10.106.038 de domicílios com TV. Em 2014, os mesmos 30 pontos correspondiam a 18.146.208 domicílios com TV, um aumento de 79,6%. O Brasil cresceu e, consequentemente, os lares com TV também. E com sites, redes sociais, TV por assinatura e aplicativos disputando a atenção do público. Mesmo nesse cenário multifacetado em que vivemos hoje, com players variados, ofertas de conteúdo e formas diversas de consumo de conteúdo, nossas novelas continuam ocupando o horário nobre da Globo e do público. Sem falar, no consumo dos nossos conteúdos em outras plataformas.
M&M – Quando a Globo decidiu exibir Velho Chico antes de A Lei do Amor, a justificativa foi a de oferecer uma trama que fugisse um pouco do realismo urbano, explorado pelas novelas anteriores da faixa das 21h. A realidade econômica, política e social do País realmente interfere na aceitação de determinada trama por parte do público?
Abreu – Se A Lei do Amor tivesse entrado no ar no início deste ano, precisaríamos adaptar seu conteúdo político por questões óbvias, que nada têm a ver com censura, mas sim com bom senso. E também com a legislação eleitoral. Sabíamos que teríamos algumas restrições por conta da coincidência com a vida real, em ano eleitoral (a novela aborda disputa por cargo de prefeito). Por isso, Velho Chico foi antecipada. Toda novela é uma obra de ficção. É entretenimento, apesar de também estimular reflexões. Acredito que o que move o público é a boa história, é este o principal critério das pessoas na hora de acompanhar uma novela, seja ela mais lúdica, realista, urbana ou rural. O pano de fundo não é o que determina sua qualidade, e sim a trama propriamente dita e a forma como é contada.
M&M- Como você avalia a faixa de novelas das 23h? A emissora pretende continuar investindo na produção no horário?
Abreu – A faixa das onze foi uma grande conquista, fruto de nossa conversa diária com o público, de nossa vontade de entender o que ele quer, para onde ele caminha. É um horário que nos permite ousar e inovar e que só nos deu excelentes experiências até agora: ‘O Astro’, que estreou o horário, e ‘Verdades Secretas’, de 2015, estão entre nossas novelas ganhadoras do Emmy Internacional. Este reconhecimento é mais um motivo para continuarmos investindo nelas. Já temos uma programação planejada até 2020 para o horário.
M&M – Que impacto as séries internacionais trouxeram para as novelas? Você vê as produções da Netflix como concorrentes às novelas da TV aberta?
Abreu – Séries e novelas são produtos muito diferentes, e há lugar para todos eles, fãs para todos eles. Tanto um formato quanto o outro estão em constante evolução na programação da Globo e em outras emissoras e veículos também. Cada um com a sua forma de contar. O que temos feito é cada vez mais é experimentar formatos e gêneros, e séries que duravam o ano inteiro passaram a ter temporadas mais curtas, abrindo espaço para mais séries e novos gêneros. São produções que estão no horário nobre e que têm tido excelentes resultados, como ‘Justiça’, ‘Mister Brau’ e ‘Nada será como antes’, para citar alguns exemplos. A grade de programação da Globo sempre contemplou o formato porque partimos do princípio de que nossa oferta precisa ser variada. Mas as novelas continuam tendo protagonismo, são os produtos que apresentam maior audiência e repercussão, sendo também nosso principal produto de licenciamento internacional.
M&M- A Globo acha viável, em algum tempo, oferecer suas novelas em formato on demand (como já foi realizado com a série Supermax, por exemplo)?
Abreu – Temos feito experimentações no Globo Play tanto com séries quanto com novelas. Com séries, por ser um formato de duração mais curta, conseguimos entregar antes ao espectador. Não é o mesmo disponibilizar 10 episódios do que 180 capítulos. Além disso, outro impeditivo é o processo de gravação das novelas, que acontece paralelamente à sua exibição. A “frente”, como chamamos o número de capítulos prontos a partir do capítulo que está sendo exibido, dificilmente será maior que 2 semanas. Também não é igual entre as novelas, que tem modelos de produção diferenciados de acordo com a história. Cada autor tem seu processo criativo e alguns gostam de sentir a reação do público à determinada trama para avançar naquela história. Mesmo assim, temos realizado no Globo Play ações muito interessantes e de excelentes resultados com conteúdo de novelas. ‘Totalmente Demais’ começou com capítulo zero, na plataforma; no seu fim, estendemos a história de um núcleo com o spin-off ‘Totalmente Sem Noção Demais’. ‘Haja Coração’ teve um spin-off enquanto a novela estava no ar, entregando conteúdo para o desenrolar da trama na TV. Nesse sentido, é fácil perceber a complementariedade entre as plataformas.
M&M- Como você vê essa conexão entre internet (sobretudo redes sociais) e as novelas?
Abreu – TV e internet são parceiras, complementares. Uma chama para o conteúdo da outra. E o mais importante e o fato de nosso espectador poder acompanhar nossa programação de onde ele estiver, quando ele quiser. Não cabe mais a possibilidade de perder um capítulo porque ele não estava em casa ou em frente a uma televisão naquele horário específico. Ele pode resgatar o capítulo no Globo Play para entender a história e voltar à TV, sem “sofrer” esse gap. A internet, portanto, virou uma aliada na ampliação das possibilidades de consumo e de experiências e contato com nosso conteúdo. Falei antes da antecipação de conteúdos de novelas, mas também fizemos o mesmo com séries. Pelo Globo Play, antecipamos episódios de ‘Justiça’ e ‘Supermax’, que foram ótimas oportunidades para nos mostrar que podemos seguir testando.
Não cabe mais a possibilidade de perder um capítulo porque ele não estava em casa ou em frente a uma televisão naquele horário específico. Ele pode resgatar o capítulo no Globo Play para entender a história e voltar à TV, sem “sofrer” esse gap. A internet, portanto, virou uma aliada na ampliação das possibilidades de consumo e de experiências e contato com nosso conteúdo.
M&M – De que forma é possível atrair as novas gerações, que têm diversos outros entretenimentos a disposição, para acompanhar as telenovelas?
Abreu – Essencialmente com uma boa história. As novas gerações não escolhem janelas de exibição, plataformas. Elas estão abertas a tudo, desde que o conteúdo seja relevante para sua vida, seja de qualidade e cumpra o papel de divertir, entreter. ‘Supermax’, por exemplo, estreou um novo gênero na grade da Globo, em uma faixa horária antes ocupada por séries de comédia, e teve ótimo resultado para aquilo que queríamos alcançar quando decidimos, estrategicamente, por sua produção: conquistar um novo perfil de público.
M&M – Como você vê o futuro da novela no Brasil?
Abreu – Quando comecei a fazer novela como ator, em 1967, já me falavam que as novelas estavam morrendo e não iam durar mais que dois anos. Faz 40 anos que faço novelas e elas continuam a interessar o público. A novela é um gênero forte que tem grande relação com o gosto do público brasileiro e a cultura nacional e temos renovado esse público há 65 anos, antes até da inauguração da Globo. As novelas já provaram que têm muito fôlego, e cada vez mais, com novas janelas e plataformas de consumo.
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