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Haverá resistência ao metaverso?

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Haverá resistência ao metaverso?

Imersão pode ter impactos cognitivos e na saúde mental dos usuários


3 de março de 2022 - 6h01

Em um mundo cada vez mais conectado, o conceito de metaverso e a possibilidade de ele existir hoje ou daqui há 15 anos, como prevê a Meta, torna a imersão digital mais latente. Levando em conta que que alguns games já são considerados metaverso, parte da população já é familiar a ferramentas e soluções propostas por plataformas interativas. Mas essa mistura de realidade será amplamente aceita?

 

(Crédito: Damir Khabirov/Shutterstock)

Liderança no movimento slow, que propõe um consumo mais consciente e orgânico de produtos e serviços, Michelle Prazeres recebeu a intensa discussão sobre o metaverso como mais um atravessador diário na vida do público. Michelle é professora da Faculdade Cásper Líbero e fundadora do Desacelera SP, iniciativa definida como desaceleradora de pessoas e negócios e que toca os projetos Escola do Tempo, que forma lideranças para promoção da qualidade de vida corporativa; Dia Sem Pressa, festival de cultura slow; Guia Desacelera, com mapa de locais para desacelerar em São Paulo; e a Rede Desacelera SP, com pessoas e organizações ligadas ao movimento slow.

De acordo com a especialista, a sociedade caminha para a totalização da tecnologia com agendas ocultas e maquiadas como algo positivo que promove conexão e mobilidade. “É mais um esquema de imersão da nossa vida de forma não saudável e que pode nos levar para lugares não determinados. E essa forma de tecnologia impressa para nós como a única possível é violenta, porque ela carrega o projeto de cinco empresas de tecnologia que lucram cada vez mais a despeito de se responsabilizar. Vamos ficar mais acelerados, mais conectados e mais consumistas porque as plataformas são sobre entretenimento e consumo e não necessariamente sobre alimentação do pensamento crítico”, coloca.

Uma das vertentes do movimento slow é o minimalismo digital. Amplamente divulgado pelo professor de computação Cal Newport em seu livro “Minimalismo Digital: Para uma vida profunda em um mundo superficial”, o minimalismo digital propõe soluções para reduzir o consumo das tecnologias para o seu essencial. Segundo Michelle, até os anos 2000 e com o surgimento das redes sociais, o digital era um alento para manter relações, soluções rápidas e conexão. Os aplicativos de mensagens instantâneas, porém, se tornaram um marco negativo quando passaram a tomar mais tempo e atenção dos indivíduos. Para ela, a tendência é que esse movimento cresça conforme as tecnologias vão avançando de forma desproporcional e desequilibrando a balança entre a vivência digital e a orgânica.

Embora atualmente não caiba mais uma distinção entre o que é real e o que é virtual, pois tudo é real, conforme defende Andrea Jotta, psicóloga coordenadora do Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação da PUC-SP, existem justificativas do porque o público tem recorrido mais ao virtual como forma de escapar sua realidade física.

“Começamos a entrar em um espaço muito complicado de falar se é bom ou ruim porque estamos falando de algo inevitável porque vai vir. A internet tem muito dinheiro e o ambiente face a face está cada vez mais ruim – o mundo está mais hostil. Quanto maior a hostilidade do mundo, maior o isolamento, até por uma questão de sobrevivência como raça. O real foi coibido, minimizado, ficou difícil, até por conta da pandemia”, descreve. A maior inserção no digital também tem relação com o trabalho remoto ou uma cultura que exige presença do indivíduo a todo momento, mesmo que virtualmente, para responder às demandas, a romantização do status de ocupado e outros fatores.

Consequência dessa imersão podem ser positivas e negativas. Para o neurocientista Alvaro Machado Dias, as principais são um maior poder de abstração para crianças e um maior QI; mudanças na conectividade cerebral a partir de ativação maior na visão e processamento abstrato, porém com menor demanda sobre memórias de longo prazo; demência acelerada pelo digital, ou seja, idosos terão que se esforçar menos em face de serviços tecnológicos imersivos; e socialização phygital, que é a percepção certa equivalência de valor entre as relações presenciais e remotas.

Andrea considera que o consumo de produtos não-essenciais tenderá a aumentar pois a realidade virtual trabalha com o onírico e o desejo, além de trazer o imediatismo da aquisição de produtos. Já do ponto de vista relacional, a psicóloga acredita que parte do público pode conceber uma realidade paralela e divergente da sua, o que pode culminar em relações interpessoais recheadas de mentiras. Por isso, ela defende que seja fomentado empatia e responsabilidade entre as premissas dos ambientes virtuais desenvolvidos.

As empresas donas de tais projetos também devem ser responsabilizadas “para além dos termos de compromisso”, defende Michelle. “O debate fundamental para isso é o da regulação. Se somos submetidos a tecnologia, boa parte é por conta da cultura da velocidade e do trabalho. O uso começa como uma escolha, depois vira um hábito, regra e violência. Você não pode exigir que as pessoas sejam minimalistas quando estruturas acima delas exigem que elas estejam conectadas o tempo todo. Temos que transformar culturas”, diz.

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