Iniciativas independentes visam aumentar diversidade no jornalismo
Executivas do portal Notícia Preta e da ONG ÉNois contam sobre os desafios de trazer vozes mais diversas para a mídia brasileira
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Carolina Huertas
28 de junho de 2022 - 7h40
Apenas 20% dos jornalistas brasileiros são negros, de acordo com a pesquisa Perfil Racial da Imprensa Brasileira. Os dados do estudo revelam que apesar de 56,20% (IBGE) da população brasileira se autodeclarar negra, 77,6% dos jornalistas se declaram brancos; 20,1% pretos ou pardos; 2,1% amarelos e 0,2% indígena. Os dados também revelam uma questão hierárquica: 61,8% dos cargos gerenciais são ocupados por brancos, enquanto apenas 39,8% por negros. Já nos cargos operacionais os negros são a maioria com 60,2% contra 38,2% de pessoas brancas.
Na busca de modificar essa estrutura midiática, agentes independentes, como o portal Notícia Preta e a ONG Énois, têm se organizado para dar voz a profissionais de grupos socialmente. O portal Notícia Preta foi fundado em 2018 por Thaís Bernardes a partir do incômodo da profissional enquanto jornalista em não ler matérias onde pessoas como ela, negras, se vissem representadas ou respeitadas.
“Quando o criei, em 2018, eu coordenava a comunicação da Secretaria de Estado de Direitos Humanos do RJ e por mim passavam os casos mais absurdos que aconteciam no Estado. Quando os jornalistas me procuravam era, na maioria das vezes, para pedir o contato de uma mãe que teve seu filho assassinado. Mas ele não queria ouvi-la, necessariamente, ele queria reproduzir estereótipos de uma mãe preta que perdeu seu filho, é pobre e favelada. Eu decidi que faria um jornalismo diferente, onde nosso interesse é pelo fato mas também pelas pessoas. O que eu faço é jornalismo humanizado”, conta.
Apesar da população negra representar 75% dos mortos pela polícia de acordo com dados do 13º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2019, a Rede de Observatórios da Segurança, divulgou o relatório “Racismo, motor da violência”, que mostrou que em um ano, apenas 0,4%, das notícias sobre segurança pública e violência referiam-se a racismo e/ou injúria racial. O estudo analisou 12.559 notícias sobre a temática durante um ano, em cinco estados brasileiros, publicadas em jornais, sites, portais noticiosos, perfis de redes sociais e grupos de WhatsApp, e apenas 50 mencionaram os termos raciais.
Trabalho de base
Além do portal, Thais conta que o NP atua hoje também como incubadora e um espaço 100% digital que forma comunicadores negros e periféricos oriundos das cinco regiōes do Brasil. No projeto, eles têm a oportunidade de aprender questões como Direitos Humanos, história da Imprensa Negra no Brasil, assessoria de Imprensa, gestão de redes sociais, edição de vídeo e mais. “Nosso objetivo é formar e inserir no mercado de trabalho profissionais qualificados e com olhar diverso da comunicação”, afirma.
A executiva conta que nesses 3 anos de jornal, mais de 60 pessoas já passaram pelo NP, entre profissionais e estudantes que integram a incubadora para aprender a fazer um jornalismo antirracista. “Quando formamos profissionais e também treinamos os que já estão nas redações ou empresas estamos na verdade fazendo um trabalho de transformação social”, reforça Thais.
Também buscando atuar do lado educacional, a organização Énois, criado em 2009, surgiu como uma oficina de jornalismo para adolescentes e jovens na Casa do Zezinho, no Capão Redondo. Com a proposta de trazer aos centros das narrativas vozes periféricas, negras, indígenas, LGBTQA+, PCDs, anos depois desenvolveram o projeto Escola de Jornalismo, que oferecia aulas de como produzir pautas de forma diversa para jovens do Brasil inteiro, impactando cerca de 4.000 pessoas.
Hoje, o projeto atua como um laboratório de jornalismo que apoia o jornalismo diverso, inclusivo e representativo, através de programas e projetos que atingem todas as regiões brasileiras. Além de fortalecer veículos independentes e oferecer formações para jornalistas e comunicadores locais.
“O jornalismo é um pilar central da democracia, e um dos princípios democráticos é de ouvir e acolher as vozes plurais e suas urgências. Um jornalismo mais diverso consegue gerar impacto concreto na sociedade. Por exemplo, através da formação do programa Diversidade nas Redações, Kleber Nunes, um jornalista local de Pernambuco, realizou uma pauta sobre a falta de vacinações de um povo indígena do seu território. Ao publicar essa pauta, ele mobilizou as esferas públicas locais e federais para realizarem essa vacinação. Através de uma formação da Énois, garantimos a vacinação de um povo indígena”, conta Isabela Alves, coordenadora de comunidades do Énois.
A organização já foi classificada como uma das 100 melhores ONGS do Brasil e recebeu o prêmio Jabuti em economia com o programa Prato Firmeza, ação que segundo a executiva, foi iniciado com um orçamento de R$ 100,00.
Investimento na mudança
Apesar dos projetos terem seus propósitos e movimentações já estabelecidas, a falta de recursos financeiros impacta o trabalho das organizações e inviabiliza assim maiores impactos na estrutura da mídia brasileira. Isabela conta que é de extrema importância ter o apoio dos captadores e empresas que confiam nosso trabalho da ONG e dão assim a liberdade para que exerçam um jornalismo verdadeiro, diverso e inclusivo.
“Nosso maior desafio é atender a sustentabilidade da organização. Ainda dependemos de leis de incentivo para concretizar nossos programas, e por isso, estamos sempre nos inscrevendo em editais públicos. Entendemos que, para ir mais longe e continuar impactando o jornalismo com a diversidade, precisamos que nossa Rede faça parte desse caminho, estamos construindo uma nova campanha de arrecadação pessoa física”, comenta Isabela.
“Ter um portal de notícias não é algo barato. Manter o site no ar, pagar profissionais e ferramentas tem um custo que muitas vezes o leitor não percebe, pois o conteúdo é gratuito, mas fazê-lo não. Hoje 90% da nossa renda é proveniente de empresas privadas que investem no jornal por acreditarem no propósito e por se interessarem de fato pela temática racial. Empresas e marcas antirracistas investem na mídia antirracista. Também temos anúncios em nosso portal, como qualquer jornal tradicional. E apenas 10% é proveniente dos assinantes. As pessoas gostam de ler informação, mas não querem pagar por elas, justamente por não entenderem que informação de qualidade, apurada, tem um custo”, reflete Thais.
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