O IPO do Spotify foi um tiro no pé?
Funcionários e acionistas anteriores à abertura em bolsa são os grandes ganhadores de uma manobra que, apesar de arrojada, envolve muitos riscos para a empresa sueca
Funcionários e acionistas anteriores à abertura em bolsa são os grandes ganhadores de uma manobra que, apesar de arrojada, envolve muitos riscos para a empresa sueca
Igor Ribeiro
5 de abril de 2018 - 8h29
O Spotify fez um movimento ousado ao abrir seu capital em bolsa na terça-feira, 3 de abril. Optando pela listagem direta, considerado um movimento de risco, o serviço de streaming conseguiu uma ótima valorização de mercado, entre as maiores da história da New York Stock Exchange e de companhias de tecnologia, de modo geral. Colocou em dúvida o papel de destaque (e caro) que grandes bancos de investimento geralmente têm ao intermediar um IPO, uma vez que prescindiu dessa consultoria. E provou que seu modelo de negócio ainda atrai atenção e interesse, mesmo dando prejuízo. Mas, em linhas gerais, o movimento da multinacional sueca foi de fato benéfico para a própria empresa, seus acionistas e stakeholders?
Para Luli Radfahrer, professor-doutor de comunicação digital da ECA-USP, sim. “É uma estratégia de investimento bem diferente de Wall Street, abrindo espaço para uma transparência maior no processo de IPO”, diz, afirmando que é um ganho quando a empresa faz às claras aquilo que outras empresas venderam às escuras. Numa venda tradicional, grandes bancos como Goldman Sachs e Morgan Stanley realizam um longo processo de avaliação de capital da empresa que vai abrir capital e também promovem o cliente ante a prováveis investidores, ganhando uma comissão em cima do processo. Desse modo, muitas ações já estão comprometidas antes mesmo do CEO tocar o sino da bolsa anunciando o pregão com a venda inicial. O negócio é menos arriscado por isso e, se algo dá errado, os bancos também ganham menos. “No caso do Spotify é bem diferente. Um produto que já é bem conhecido, está aprovado e, quando se abriu, ninguém sabia qual era o valor. As pessoas tendem a achar uma barganha se não for um absurdo. E não foi. Era natural que o preço da ação subisse”, complementa Luli.
“Os vencedores são, sem dúvida, os acionistas do Spotify, que são capitalistas de risco, empresas de música como a Sony BMG, investidores iniciais como a chinesa Tencent e funcionários”, afirma Michael Wade, professor de inovação e estratégia da IMD Business School. Com isso, ele reforça algo que já havia sido destacado pelo próprio Daniel Ek, fundador e CEO do Spotify, em comunicado da empresa por ocasião do IPO, em que destaca os funcionários como parte dos acionistas mais valiosos para a empresa, que já vinham negociando papéis em modo privado há anos, e portanto tinham a preferência na abertura de capital. “Eles viram suas participações crescerem maciçamente sem ter que compartilhar os ganhos com o habitual grupo de bancos de investimento e investidores institucionais. E empresas que pensavam em abrir capital, mas estavam nervosas em relação ao caminho tradicional, viram no Spotify uma abordagem de listagem direta pode funcionar”, complementa Wade.
Já os principais perdedores são os próprios bancos de investimento, diz Arturo Bris, também do IMD, diretor do Centro de Competitividade Mundial da instituição. “O Spotify provavelmente evitou dezenas de milhões de dólares em taxas diretas e não precisou dar ofertas especiais a grandes investidores. Fiel às suas raízes escandinavas, o Spotify escolheu uma rota igualitária”, acrescenta ele. “Marca uma nova era na subscrição do IPO, já que os participantes do mercado agora têm acesso direto a informações sobre empresas que buscam informações financeiras. Bancos de investimento não são mais necessários.”
Sem monetizar
Compradores externos também ficaram receosos. “Como investidor mais conservador que sou, considero importante que os interessados nessa compra de ações saibam que nesse caso o processo de venda é a de listagem direta, o que deixa a flutuação de preços muito grande, pode-se ganhar ou perder bastante”, explica Zi Nammur, sócio-diretor da produtora de áudio Squad. Ele lembra que o IPO não tem intenção de monetizar a empresa e, por isso, o impacto em competidores deverá ser mínimo. “Na concorrência, esses serviços são braços de empresas gigantescas como Apple e Google, com lastro para reagir a qualquer momento. O Spotify já tem mais que o dobro de assinantes da Apple por exemplo. A empresa tem a expectativa de chegar aos 96 milhões até o final deste ano.”
Apesar disso, o Spotify reforçou seu propósito de valor e a importância do modelo de streaming e on demand na cultura de hoje. Entre as companhias do mercado, somente o Netflix tem a abrangência e influência do serviço de música. “Apesar do Spotify ter os seus obstáculos particulares – entre eles a queda de braço com as gravadoras, a dificuldade de atrair e manter os usuários pagantes, buscar empresas interessadas em anunciar na plataforma e dar continuidade a esse investimento, a pirataria que se inicia dentro do próprio serviço, entre outros – é uma empresa que, com a injeção de capital, pode seguir passos similares à empresa de vídeo por streaming”, fala Danrley Calabrezi, CEO da agência focada em soluções e criatividade de áudio 2id. Zi concorda, e aponta que a plataforma consegue se valorizar mais pela percepção de usuário do que de investidores o que, em última instância, acaba tendo reflexo também no mercado. “Tamanha valorização do serviço não se reflete nas tarifas cobradas, é essa a nova forma de monetização de várias outras plataformas, com o Netflix por exemplo. As pessoas pagam pouco pelo acesso a muito conteúdo, e as empresas ganham no volume”, afirma o sócio da Squad.
Isso não quer dizer, no entanto, que o serviço de streaming de áudio não tem problemas à frente. O mais imediato é solucionar o entrave do prejuízo gerado pelas intensas negociações de direitos e royalties com gravadoras, selos e editoras de artistas. “O ecossistema perfeito – que engloba artistas, compositores, donos de propriedade intelectual, desenvolvedores da tecnologia, usuários e agora investidores – consiste na remuneração de forma adequada de todos os envolvidos no processo até o ponto de execução da mídia no streaming. Um dos motivos para o déficit bilionário do Spotify está na falta de exatidão na distribuição do pagamento dos royalties”, aponta Danrley, dizendo que o movimento deveria dar esse respiro para que a empresa sueca entrasse nos trilhos. Daniel Ek esperava complementar a receita de assinantes à publicitária o que, embora tenha ajudado, não equalizou a receita. Para Zi Nammur, as tecnologias de análise de comportamento da companhia podem reverter o quadro: “É uma empresa que estuda comportamento humano através da música. Isso faz com que grandes marcas utilizem a plataforma para impulsionar suas campanhas”.
Porém, se esse cenário não se confirmar, o Spotify pode acabar como a principal vítima de seu próprio atrevimento. “A empresa não levantou nenhum novo capital”, explica Wade. “Ao listar diretamente, todos os ganhos foram para os investidores e nenhum para a própria empresa.” Ele cita que o Alibaba, por exemplo, arrecadou US$ 21 bilhões no que foi a maior abertura da história, em 2014. O Facebook arrecadou US$ 16 bilhões. “Infelizmente, o Spotify está perdendo dinheiro (nunca obteve lucro) e, portanto, precisará se tornar mais eficiente, elevar seus preços ou ambos”, diz o professor da IMD. “Eles se tornarão menos flexíveis e mais restritos no modo de operar. E eles assumiram essas restrições adicionais sem o benefício de levantar capital. Embora a listagem direta tenha sido um movimento corajoso que amenizou a ganância de Wall Street.”
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