O que Bezos revela ao expor chantagem de tabloide
Caso envolvendo National Enquirer estimula debate sobre ética, independência jornalística e influência política nos Estados Unidos
O que Bezos revela ao expor chantagem de tabloide
BuscarO que Bezos revela ao expor chantagem de tabloide
BuscarCaso envolvendo National Enquirer estimula debate sobre ética, independência jornalística e influência política nos Estados Unidos
Igor Ribeiro
8 de fevereiro de 2019 - 10h30
Nesta quinta-feira, 7, veio a público uma postagem de Jeff Bezos, CEO e fundador da Amazon, sobre uma série de chantagens que vem sofrendo da empresa American Media Inc. (AMI), dona do tabloide National Enquirer. Em seu depoimento, o executivo relata detalhes de mensagens que ameaçavam publicar fotos íntimas suas e de sua atual namorada caso ele não desmentisse publicamente denúncias, parte delas publicadas pelo seu jornal, o Washington Post, sobre motivações políticas do grupo editorial pertencente a David Pecker.
Para contexto: a AMI teria ganhado imunidade federal graças a acordos envolvendo Donald Trump. Em troca, os editores do National Enquirer esconderam evidências provando a infidelidade conjugal do presidente americano, facilitando o caminho do então candidato republicano à Casa Branca. Os publishers da AMI também intermediaram o contato entre o presidente e a família real da Arábia Saudita, de quem são próximos. Diversos veículos investigaram essas histórias e apresentaram provas. O Washington Post foi um deles.
No início deste ano, em sequência às notícias sobre o divórcio entre Jeff e MacKenzie Bezos, o National Enquirer começou uma série de publicações evidenciando o caso entre o dono da Amazon e a apresentadora de TV Lauren Sanchez, com fotos de paparazzi e reprodução de mensagens trocadas entre os dois. Bezos pediu que seu chefe de segurança pessoal investigasse como o tabloide adquiriu esses textos. A tensão entre as partes culminou na chantagem e, posteriormente, no relato público do executivo por meio da plataforma Medium.
Lógica de mercado
A primeira constatação, nada surpreendente, é o expediente crítico que o noticiário de celebridades pode utilizar para expor suas investigações. Não é possível determinar a frequência com que isso acontece, nos EUA ou fora. Mas é fato que faz parte de um fenômeno de mercado, já que a curiosidade sobre famosos é um tráfego de audiência que, por sua vez, gera publicidade e dinheiro. Determinar limites éticos nesse círculo é um debate constante e, ao que tudo indica, sem solução no horizonte próximo.
Influência política
A gravidade da denúncia traz, a reboque, a influência política sobre a mídia e como esse jogo de poder pode ser determinante. Não há indícios de que a chantagem relatada tenha partido, nem que indiretamente, do presidente americano, mas mostra como é importante para a AMI a manutenção desse relacionamento com o executivo federal. Por outro lado, a demanda por uma publicação de Bezos refutando os interesses políticos do Enquirer também denota a importância que um verniz de imparcialidade ainda possui, mesmo para um tabloide de celebridades.
Fofoca e fake news
Hoje, quando a ascensão das fake news é estudada com seriedade e diferentes regulações tentam limitar seu crescimento progressivo, se destaca o trabalho midiático profissional, responsável e sustentado na busca da verdade. Nesse contexto, notícias sobre celebridades também atravessam um desafio pessoal de se descolar de fofoca e boato, que se confundem com desinformação e fake news. Dizer, portanto, que um trabalho midiático qualquer é influenciado pelo poder político é desmerecer, no jogo de poder, a qualidade da apuração e questionar sua intenção.
A força de Bezos
Por outro lado, ao exigir enfaticamente que Bezos vá a público desmentir razões políticas na apuração do Enquirer, a AMI reconhece na própria figura do dono da Amazon algum nível de poder que merece especial atenção. A chantagem revelada não exige que a retratação seja publicada necessariamente no Washington Post, mas que Bezos e seu chefe de segurança façam uma declaração de que o tabloide não tem motivação política “a ser publicada num veículo noticioso de concordância mútua” (“released through a mutually-agreeable news outlet”). Dentro do contexto de jogo de poder e validação de credibilidade, é importante que a AMI se descole das acusações e que tenha isso reconhecido por um dos homens mais ricos do mundo.
Ilegalidade e legitimidade
Não é segredo de que usar de informação privilegiada para se conseguir o que quer é um expediente de diversos setores, incluindo a mídia. Mas a exposição de Bezos está reacendendo um debate para determinar, dentro do contexto americano, se essa prática é legítima ou se pode ser considerada crime, conforme o entendimento de “chantagem” e “extorsão”, como acusa Bezos. Não há dúvidas que há um conflito ético e até moral, mas a ilegalidade da prática, dentro das ferramentas jornalísticas conhecidas, não gera unanimidade. De toda forma, Bezos diz em seu texto que seus advogados disseram à AMI que ela não tem direito de publicar suas fotos íntimas, sobre penalidade de direitos de imagem, já que não haveria, nelas, notícia de interesse público (o que pode ser argumentado dentro dos meandros da lei).
Pessoal e profissional
Bezos teve coragem de expor a chantagem, sim. Mas também parece que não teria outra saída. As reportagens que indicaram que os donos do Enquirer esconderam informações sobre Trump (e até pagaram para uma ex-modelo da Playboy não vir à público sobre um caso extra-conjugal) são conhecidas da mídia e foram levadas a público com diversas provas. Bezos dizer publicamente que isso não existe seria desmentir e desautorizar os esforços jornalísticos da própria empresa na qual investiu US$ 250 milhões de sua fortuna pessoal.
Independência jornalística
Por fim, Bezos utilizou o Medium e não o Washington Post para expor a chantagem. Isso denota seu descolamento do veículo, num trabalho para manter a credibilidade do jornal. Por sua vez, o Post deve prosseguir com a própria apuração, beneficiário que é, obviamente, da proximidade de um dos lados, mas mantendo, provavelmente, sua independência jornalística. Pode parecer pouco, mas dentro do processo de reinvenção do modelo de negócio midiático e transformação numa época de hiper-produção e distribuição de conteúdo, a credibilidade aparece, novamente, como busca prioritária.
* Crédito da imagem no topo: Spencer Platt/Getty Images
Compartilhe
Veja também
Como a possível divisão do Google impactaria o mercado publicitário?
Possível separação de propriedades do Google, como o Chrome, poderia prejudicar anunciantes e publishers de pequeno porte, segundo especialistas
Governo dos EUA oficializa pedido de divisão entre Google e Chrome
Após ter expressado sua intenção um dia antes, Governo dos Estados Unidos oficializa pedido de separação do Google, por meio da venda de seu navegador Chrome