O que representa a entrada da Netflix em Cannes?
Debate sobre legitimidade de plataformas de streaming em grandes premiações traz dúvidas para a cadeia de exibição
O que representa a entrada da Netflix em Cannes?
BuscarO que representa a entrada da Netflix em Cannes?
BuscarDebate sobre legitimidade de plataformas de streaming em grandes premiações traz dúvidas para a cadeia de exibição
Karina Balan Julio
26 de maio de 2017 - 12h57
Quantas vezes você já ouviu alguém dizer que não veria um filme em cartaz e que “esperaria sair no Netflix”?. Nos tempos em que a plataforma era apenas um repositório de séries e filmes, essa era a lógica para alguns consumidores, enquanto outros preferiam assistir a um lançamento no cinema, de modo mais “exclusivo”. Agora que a plataforma se tornou um império de conteúdo original, o cenário é ainda mais complexo. A Netflix apresentou dois filmes inéditos no Festival Internacional de Cannes este ano, e dividiu críticos e membros do mercado uma vez que as obras não terão distribuição em salas de cinema tradicionais.
O festival, que termina este final de semana, traz o filme Okja, original da plataforma, para a concorrência pela Palma de Ouro e também apresenta de forma inédita o longa The Meyerowitz Stories. Os filmes foram alvos de aplausos e vaias no festival, assim como o longa “Wonderstruck”, apresentado pela Amazon, outra plataforma que está entrando com força no mercado audiovisual.
Tá difícil competir, Netflix
Para Mauro Garcia, presidente da Brasil Audiovisual Independente (BRAVI), a resistência à entrada de empresas de conteúdo OTT (over the top) nas premiações denota um conservadorismo dos membros do mercado de cinema tradicional, mas aponta também desafios em relação à cadeia de exibição.
“ O que estamos vendo é o empoderamento destas plataformas: hoje elas têm um volume de recursos suficiente para financiar grandes séries e mesmo longas no cinema. A questão Cannes demonstra como elas passaram a ser grandes players, como HBO e outros grandes canais, que sempre financiaram conteúdo audiovisual. Há um fator que extrapola a cadeia de exploração comercial tradicional, que chamamos de janela. Até então, a cadeia começava no cinema, que era considerada a primeira e mais nobre janela de exibição. Não é à toa que a questão da bilheteria era tão importante, pois era a primeira audição de um filme ”, afirma Mauro.
Durante a coletiva de imprensa do festival, na semana passada, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar criticou a participação da Netflix, dizendo ser um contrassenso o fato de um filme que não pode ser exibido em tela grande estar em um festival de cinema. O CEO da Netflix, Reed Hastings, por sua vez reclamou no Twitter que “o establishment está se unindo contra a empresa”. O chief content officer da plataforma, Ted Sarandos, também defendeu o novo modelo. “Vivemos em meio a uma geração que tem visto os melhores filmes já feitos diretamente no celular, então acho que todos nós temos que nos acertar com o lugar onde a tecnologia está nos levando”, disse.
A questão das premiações não é nova. Cerimônias como o Oscar, por exemplo, já permitiram a entrada de filmes que extrapolam a janela do cinema – este ano, por exemplo, o longa Manchester By the Sea concorreu ao Oscar em diversas categorias, inclusive a melhor filme. O desafio agora, segundo Garcia, é pensar em modelos que compensem as janelas que foram puladas.
“Naturalmente, depois de o filme sair dos cinemas, ele seria explorado no pay per view, canais premium e assim sucessivamente. Quando uma obra é lançada por uma plataforma e ela quer exclusividade sobre a primeira janela, ela quebra uma hierarquia estabelecida. Como é possível explorar comercialmente uma obra se ela já começa inédita em uma plataforma? Poderá voltar para o cinema depois ou será vendida para canais? Ou vai ficar presa lá e sem possibilidade de exploração comercial? Podemos estar perdendo valor na exploração na cauda longa quando a Netflix lança um filme na plataforma. A Netflix está priorizando ela mesma na exibição, e isso talvez mate outras possibilidades de exploração da obra”, questiona.
Ele ainda explica a relação passional que rege o pensamento de Almodóvar e outros defensores do sistema de distribuição tradicional, que contestam a concorrência com filmes de players digitais. “Isso é uma coisa francesa, de rejeitar tudo o que é novo e externo. Estamos em um momento de reação a essas plataformas porque alteram todos os modelos existentes até então, desde a forma de negociação até distribuição, e muitos outros players ainda vão chegar. Para Cannes, que tem uma espécie de ‘xenofobia’ e tradicionalmente não exibe filmes de mercado, isso é como uma heresia”
No campo das hipóteses, as críticas podem no mínimo fazer a Netflix repensar suas janelas e olhar para novas possibilidades de distribuição, argumentou Mauro. “Quem sabe a empresa não vai ter sua própria cadeia de cinemas? Sabemos que está marcando território, e se quiserem ir atrás de resultados terão que ir além disso”. O festival de Cannes, contudo, mesmo aceitando os filmes este ano, voltou atrás e criou uma nova regra. A partir de 2018, vai exibir apenas filmes com distribuição em salas de cinema. Hollywood impõe algo parecido: os candidatos ao Oscar de melhor filme devem ter sido exibidos pelo menos sete dias seguidos, três vezes por dia, nos cinemas de Los Angeles.
Compartilhe
Veja também
ANPD acusa TikTok de tratamento irregular de dados de menores
Autoridade Nacional de Proteção de Dados pede que rede encerre "feed sem cadastro" e fortaleça mecanismo de verificação de idade
Uncover leva marketing mix modeling para empresas de médio porte
Martech visa expansão de negócios com solução para clientes menores e estratégia de internacionalização