Bárbara Sacchitiello
23 de julho de 2024 - 13h06
O “fim” de uma era para a publicidade digital, como toda a indústria esperava desde quando o Google anunciou o fim da extensão aos cookies de terceiros em seu navegador, aparentemente não acontecerá.
(Crédito: Shutterstock)
O recuo da big tech na proposta, comunicado nessa segunda-feira, 22, sinaliza que as intenções da companhia em criar outro estilo de direcionamento de publicidade digital não se desenrolaram como o planejado. Embora siga trabalhando no Privacy Sandbox, projeto que propôs uma alternativa ao endereçamento das campanhas digitais, a empresa reconheceu, em comunicado, que “essa transição exige um trabalho significativo por parte de muitos participantes e terá um impacto nos publishers, nos anunciantes e em todos os envolvidos na publicidade online”.
O termo cookies começou a entrar no cotidiano da agenda da indústria da comunicação de forma mais massiva em 2020. Foi em janeiro daquele ano que, pela primeira vez, o Google comunicou ao mundo a pretensão de eliminar os cookies de terceiros de seu navegador.
“Os usuários estão exigindo maior privacidade — incluindo transparência, escolha e controle sobre como seus dados são usados — e está claro que o ecossistema da web precisa evoluir para atender a essas demandas crescentes”, disse Justin Schuh, na época diretor de engenharia do Chrome, em um post publicado no blog da companhia no dia 14 de janeiro daquele ano.
Privacy Sandbox
Na época do anúncio, o Google já trabalhava no desenvolvimento do Privacy Sandbox, projeto criado em 2019 e que pretendia continuar fornecendo aos anunciantes a possibilidade de impactar os usuários no ambiente online, porém, mantendo as informações desses indivíduos em anonimato.
O Google disse, ainda em janeiro de 2020, estar confiante de que o Privacy Sandbox poderia Sandbox “sustentar uma internet saudável e suportada por anúncios de maneira que tornará os cookies de terceiros obsoletos”.
Em março de 2020, o Google confirmou que deixaria, de fato, de usar cookies de terceiros para identificação dos usuários do Chrome e demais serviços com a proposta de vender anúncios publicitários.
Em fevereiro de 2020, Chetna Bindra, head de gerenciamento de produto do Google, dividiu com o Meio & Mensagem detalhes sobre a iniciativa Privacy Sandbox e explicou que ela partia da missão de oferecer segurança aos usuários e ainda manter formas de criadores de conteúdo conseguirem financiar seu trabalho com a publicidade.
“As expectativas das pessoas em relação à coleta e ao uso de dados estão mudando e, a partir de leis de privacidade como LGPD, GDPR etc, está claro que os cidadãos e os governos querem entender melhor como as informações são coletadas, usadas e compartilhadas. Os esforços de plataformas, navegadores e empresas de bloqueio de anúncios já estão colocando novos limites sobre estas expectativas”, declarou à reportagem.
Esses anúncios do Google acabaram, de certa forma, ofuscados pela pandemia de Covid-19, que eclodiu em março de 2020 e mobilizou a agenda econômica de todo o planeta. Ainda assim, as plataformas digitais e as empresas de publicidade já tinham compreendido o grande desafio que teriam pela frente por conta da necessidade de se adequar a um novo mundo de acesso a dados.
Apesar da pandemia, o Google manteve os planos ativos e, em junho de 2021, deu mais detalhes sobre os planos de implementação do Privacy Sandbox. Na ocasião, a promessa do buscador era eliminar gradualmente todo o suporte aos cookies de terceiros no Chrome até o fim de 2022.
No fim de março de 2021, o Google anunciou o início dos testes do algoritmo Federated Learning of Cohorts (FLoC), que garante a privacidade dos usuários a partir do agrupamento por interesses comuns em detrimento de dados individuais.
Primeiro adiamento
Em junho de 2021, contudo, o Google começou a sinalizar que o cronograma de eliminação do suporte aos cookies de terceiros não seguiria conforme o planejado. A empresa comunicou que deixaria para 2023 o início da suspensão do suporte aos cookies, fornecendo mais tempo para que anunciantes e agências se preparassem para um novo cenário de publicidade digital.
Na ocasião, algumas grandes marcas não receberem bem a notícia do adiamento, uma vez que elas já vinham, cada uma à sua maneira, investindo em soluções e ferramentas próprias para a captação de dados primários dos usuários.
Em setembro de 2021, o Google publicou seu primeiro Guia de Privacidade para Anunciantes, cuja proposta era instruir as empresas a respeito das maneiras de manter a conexão com seu público-alvo sem acesso aos dados dos usuários.
O material preparado pela empresa trazia algumas orientações a respeito de como os anunciantes podem coletar e trabalhar os dados primários, que passariam a ser ainda mais importantes após a extinção dos cookies de terceiros.
Em dezembro de 2021 foi a vez do IAB-Brasil apresentar O Guia para a Era Pós-Cookies de Terceiros, desenvolvido especificamente para o mercado brasileiro, com ideias para que as empresas continuarem se conectando com seu público-alvo sem o apoio dos cookies.
Google: a proposta do Topics
Em janeiro de 2022, o Google anunciou um novo recurso que pretendia auxiliar os anunciantes a direcionarem suas mensagens no ambiente digital. Com o nome de Topics, a ferramenta tinha o objetivo de fornecer às marcas e agências a possibilidade de direcionamento de mensagens com base nos interesses dos usuários ao mesmo tempo em que mantinham a privacidade no ambiente digital.
A tecnologia do Topics foi desenvolvida a partir do feedback e aprendizado gerado com o FLoC (Federated Learning of Cohorts).
Em fevereiro daquele ano, empresas como Adobe e Yahoo, além do próprio Google, já vinham apresentando ao mercado soluções alternativas de endereçamento de campanhas e ações digitais sem o uso de cookies de terceiros.
Novo adiamento: 2024
Em julho de 2022, porém, toda a preparação que a indústria vinha fazendo foi, novamente, impactada pelo novo adiamento anunciado pelo Google. A big tech comunicou que a extinção total dos cookies ficaria somente para o segundo semestre de 2024.
Na ocasião, a indústria de publicidade avaliou que, embora a nova medida fornecesse mais tempo para que agências e anunciantes se preparassem para o tal futuro sem cookies, postergar mais uma vez a extinção do Chrome era uma maneira de adiar o que a indústria, na época, considerava inadiável.
Em junho do ano passado, o IAB Brasil realizou uma pesquisa, em parceria com a Nielsen, que apontou que 52% dos profissionais de marketing diziam estar preparados para o futuro sem extensão aos cookies de terceiros.
O levantamento também apontou que 97% dos entrevistados acreditavam que as mudanças nos cookies afetariam, de alguma forma, o uso de dados de suas empresas.
Janeiro de 2024: o início do fim
Em dezembro de 2023 parecia que os planos anunciados pelo Google, finalmente, seriam colocados em prática. A companhia anunciou que, no dia 4 de janeiro do ano seguinte (2024) limitaria o acesso aos cookies de terceiro para 1% da base total de usuários do Chrome.
A promessa foi cumprida e a ideia era, justamente, começar com uma base pequena de usuários para entender os impactos do fim da extensão aos cookies. Segundo o Google, a ideia era desligar o rastreamento dos cookies a toda a base do Chrome até o fim do ano.
A própria big tech, contudo, indicava que esse prazo poderia não ser cumprido. Em seu blog, ao comentar sobre o início do processo, o Google havia deixado claro que a iniciativa estaria sujeita a “quaisquer alterações remanescentes relativas à concorrência, apresentadas pela Autoridade de Concorrência e Mercados do Reino Unido.”
Em fevereiro deste ano, o Ad Age publicou uma reportagem comentando que o Google enfrentava pressão da indústria sobre os possíveis impactos do fim dos cookies e das consequências para a publicidade digital.
A IAB Tech Lab havia divulgado, naquela semana, um relatório apontando uma série de deficiências no Privacy Sandbox. A organização examinou dezenas de novos protocolos de anúncios que alteram partes do ecossistema de tecnologia que são vitais para publishers e anunciantes.
O relatório analisava os efeitos da política do Google em mensuração e atribuição, na mudança da dinâmica dos leilões de anúncios e no forte impulso tecnológico imposto às empresas para construir o novo ecossistema.
Mais um adiamento e o recuo no projeto
No último mês de abril, o Google comunicou que, mais uma vez, adiaria os planos de eliminação de cookies após encontrar obstáculos ao testar publicidade programática sem cookies, por conta, sobretudo, da pressão por parte de reguladores do Reino Unido.
“Reconhecemos que existem desafios em curso relacionados à conciliação de feedbacks divergentes da indústria, reguladores e desenvolvedores, e continuaremos a nos envolver de perto com todo o ecossistema”, anunciou o Google.
Agora, ao anunciar que não irá mais extinguir os cookies de terceiros, como havia declarado anteriormente, o Google argumentou que a proposta era dar mais poder de escolha aos usuários.
A partir de uma nova solução – ainda em definição – os usuários poderão fazer uma “escolha informada” em relação a sua navegação na internet. Ou seja, os usuários decidirão o que compartilhar de sua presença online e rever essa escolha em outros momentos.
A big tech enfatizou, contudo, que o Privacy Sandbox não será descontinuado. “Somos gratos a todas as organizações e indivíduos que trabalharam conosco nos últimos quatro anos para desenvolver, testar e adotar o Privacy Sandbox. E à medida que finalizarmos esta abordagem, continuaremos a consultar a CMA (Autoridade de Concorrência e Mercados do Reino Unido), a ICO e outros reguladores a nível mundial. Esperamos continuar a colaboração com o ecossistema na próxima fase da jornada para uma web mais privada”, concluiu o Google.