Bárbara Sacchitiello
28 de abril de 2023 - 6h01
Monica Albuquerque: conteúdo original precisa funcionar no território primário (Crédito: Divulgação)
No ano de 2021, ainda em um cenário de pandemia de Covid-19, os executivos internacionais da WarnerMedia demandaram para o escritório brasileiro a produção de um formato de ficção que se assemelhassem às clássicas novelas nacionais.
A ideia surgiu a partir do forte interesse do público por produções internacionais que figuram nos catálogos das plataformas internacionais de streaming e que tem o melodrama como elemento narrativo.
Um núcleo de produção, sob a liderança de Silvio de Abreu (que, posteriormente, deixou a companhia) chegou a ser estruturado, mas a fusão com a Discovery, que originou a gigante Warner Bros. Discovery (WBD), congelou o projeto por cerca de um ano.
Agora em 2023, a companhia autorizou a retomada da produção nacional do formato, cujo primeiro trabalho será a trama Beleza Fatal, escrita por Raphael Montes.
Para um player estrangeiro, produzir dramaturgia local é uma tarefa complexa, que envolve diversas camadas de aprovações e estratégias, segundo Monica Albuquerque, head de gestão de talentos e desenvolvimento de conteúdos scripted Latam.
Apesar disso, a executiva garante que a companhia pretende iniciar uma produção contínua de dramaturgia local com base em parcerias e coproduções. Para isso, ela defende que as produtoras nacionais ganhem uma nova estrutura para atender uma demanda de produção que só tende a crescer.
Meio & Mensagem: Qual a importância da produção local para uma empresa do porte da Warner Bros. Discovery?
Monica Albuquerque: É muito grande, sobretudo no Brasil e México, que são os grandes vetores da América Latina. E, especificamente no Brasil, é impressionante como algo que acontece aqui gera impacto no mundo inteiro, como tivemos com [a série] Pacto Brutal. O Brasil tem uma voz muito potente e conseguir acessá-la é nosso grande desafio nesse momento. E se trata de um desafio complexo porque não é algo que conseguimos fazer sozinhos. Não é uma indústria em que monto uma fábrica, começo a produzir e distribuir pães. Precisamos fazer isso junto dos criadores locais. Quando falamos de conteúdo, falamos sobre cultura, comportamento social, antropologia do consumo. Não podemos ser donos ou decisores; temos que trabalhar juntos. Neste momento, temos o desafio de ampliar as fronteiras no negócio do streaming, que para nós ainda é novo, e o Brasil é muito interessante por ser um território que adota rapidamente qualquer tendência, além de ser um mercado gigante e ter grande capacidade de gerar influência nas redes sociais. Isso é um comportamento muito particular. Por isso, trabalhamos por tentativa e erro: vamos errar, aprender e tentar de novo essas decisões estratégicas.
M&M: Qual é a principal característica que uma produção local precisa ter?
Monica: Quando pensamos em produção de conteúdo original, necessariamente ele precisa funcionar no território primário. E, claro, como somos uma empresa global, quando desenvolvemos um conteúdo, também pensamos que ele seja capaz de viajar. E isso é um grande desafio pois, conseguir estruturar todos os processos e fluxos para ter uma rapidez de resposta e análise de métricas que ainda nem estão definidas é algo bem difícil. Por isso que precisamos estar juntos. O negócio do audiovisual é criação, produção e distribuição. Não se pode desconectar essas partes.
M&M: A HBO Max chegou a criar um núcleo de produção de novelas, que depois foi paralisado. Em que patamar está essa divisão agora?
Monica: Criamos um núcleo de novelas ainda antes da fusão com a Discovery, já que a demanda chegou para nós em meados de 2021. Desenvolvemos a lógica do que chamamos internamente de telessérie, que usa todos os recursos do melodrama, mas de maneira reformatada, retirando elementos que uma novela linear precisa ter, mas que o streaming não precisa, como a reiteração. De julho ao fim de 2021 estudamos muito isso e trabalhamos em cima de possíveis histórias. Recebemos mais de 200 projetos, selecionados 18 deles e, no ano passado, começamos a trabalhar em cima deles, elegendo Beleza Fatal, do Rafael Montes. Quando íamos começar a produzir, foi oficializada a fusão [entre WarnerMedia e Discovery]. Naquele momento, mundialmente, todos os projetos da companhia, no mundo todo, foram parados. Após isso, fizemos um exercício de como viabilizaríamos novos modelos de produção e chegamos a fazer um desenho de produção desse núcleo em Portugal, mas depois foi alterada a estratégia e essa produção retornou ao Brasil. Após Beleza Fatal temos o remake de Dona Beija já aprovado e a ideia é que seja um trabalho contínuo.
M&M: Para um player estrangeiro, qual o desafio de fazer ficção nacional?
Monica: O maior desafio é em relação à estrutura. Na WBD estamos divididos por quadrantes e temos que olhar diversas frentes ao mesmo tempo. Mas o mais importante é que, em cada um dos países da América Latina, tenhamos um time que tenha a cultura e a temperatura daquele local, para fazer a roda girar. Não podemos estar desconectados. E, como acabamos de passar por um grande processo de fusão e reestruturação, esse também é um esforço organizacional. Nossos processos internos precisam ganhar velocidade em toda a escala de informação, de aprovação, porque precisamos, o tempo todo, fornecer contexto aos executivos globais, explicando o que queremos fazer o porquê estamos acreditando naquele projeto de conteúdo. São muitas camadas e muitas pressões, pois o mundo está vivendo uma pressão econômica enorme e essa é uma indústria nova, que também sofre questionamentos e pressões sobre seu modelo de negócio, janelas de exibição. E tudo, claro, sempre conectado à estratégia da empresa, passando pelo modelo de produção e de negócios. De fato, é algo muito desafiador, mas ao mesmo tempo é maravilhoso estar começando essa página em branco e construir esses blocos. É preciso, claro, muita energia e resiliência, mas é muito interessante esse desafio intelectual de desenvolvimento de conteúdo, que é muito interessante. O foco do meu trabalho é desenvolver conteúdo, garantir que os roteiros estejam estruturados, que as narrativas estejam corretas e que tenhamos todos os gêneros que precisamos ter. Mas, estou o tempo todo conectando isso à estratégia da empresa, senão não adianta.
M&M: E qual é, nesse momento, a estratégia da empresa?
Monica: É entender qual é o público que consome nosso conteúdo, como ele consome e que modelos alternativos nos temos de investir nessa produção, porque nem tudo precisa ser feito de forma própria. Precisamos abrir espaço para as coproduções, para que esse modelo funcione tanto nas plataformas de streaming como em nossos canais lineares. Enfim, são muitas perguntas, o tempo todo, que temos de nos fazer. Cada um de nós tem questões específicas, de suas áreas, mas como grupo, temos também os desafios gerais, porque toda essa incerteza e volatilidade está presente em todas as etapas da cadeia. Mas isso também é muito legal porque gera oportunidades, inclusive criativas e de negócios. Agora com a novela [Beleza Fatal], por exemplo, estamos em uma conversa bacana com o pessoal do comercial, para definir como trabalhar merchandising e product placement em um projeto de streaming que será todo gravado antes de ser exibido. Como colocamos isso dentro do conteúdo de forma a interessar o mercado publicitário? É um exercício de criatividade também e vivenciamos todas essas emoções. Mas é um privilégio estar nesse momento, vivendo toda essa transformação.
M&M: Qual a importância que a coprodução tem para a WBD e de que forma as produtoras nacionais impactam nas produções?
Monica: Elas são fundamentais. Na verdade, precisamos que as produtoras, inclusive, se estruturem cada vez mais, porque produzir conteúdo desse tamanho é muito difícil. Nossa novela terá 40 capítulos, algo que, para uma produção original de streaming, é muita coisa. É como se estivéssemos produzindo três temporadas de séries ao mesmo tempo. Isso é novo para o mercado, ninguém fez ainda – tirando, obviamente a Globo, que tem os estúdios montados. O mercado ainda não tem essa estrutura e gravar um conteúdo mais longo gera muitas necessidades específicas de produção. Não se grava uma novela da mesma forma que se grava uma série. Às vezes, em uma série, é possível gravar por capítulos. Mas, em uma novela, é impossível. É preciso locação e outro desenho. Então, ter esse volume exige um desenho de produção muito diferente e, para isso, precisamos que todas as produtoras parceiras se capacitem para ter esses novos modelos de produção e isso tem sido um grande aprendizado ao mercado também. Vemos já um movimento bacana de criação de infraestrutura, mas vamos precisar de mais porque aumentaremos o volume e todo mundo precisa estar muito capacitado. Não temos a menor intenção de produzir internamente, continuaremos coproduzindo com o mercado.
M&M: A ideia da empresa, então, é seguir no modelo de coproduções?
Monica: Sem dúvida, porque é um modelo mais leve, do ponto de vista financeiro, mas também é um modelo mais criativo. É possível ter diversas parcerias com olhares diferentes, testar coisas distintas. Mas, para isso, todo mundo precisa estar estruturado. Por isso que torcemos para que tudo funcione perfeitamente para que justifique os investimentos e apostas de todos, que gere um fluxo de trabalho regular. Precisamos gerar esse fôlego, essa frente de produção permanente. Isso que vai gerar a indústria. Não podemos viver de soluções. Após a pandemia, é importante que aconteça essa retomada com visão de longo prazo, para que tenhamos uma indústria sustentável. E, agora, queremos estruturar uma frente de produção de dois anos, para que sempre pensamos nos próximos dois anos. É isso que faz com que possamos manter a engrenagem funcionando, com uma perspectiva. Acho que todos os players buscam isso.