Ricardo Silvestre: “Influenciadores negros não são valorizados”
Fundador da Black Influence, agência cuja proposta é conectar marcas à comunidade negra, descreve como criadores de conteúdo negros são vistos e pelo mercado
Ricardo Silvestre: “Influenciadores negros não são valorizados”
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Thaís Monteiro
11 de junho de 2020 - 6h00
De duas semanas para cá, o debate sobre o racismo no mundo e também no Brasil tem se intensificado, impulsionado pelas mortes de George Floyd, nos Estados Unidos, e de João Pedro, no Brasil, por policiais. Boa parte da discussão se estabelece nas redes sociais e movimentos vêm impulsionando a divulgação de criadores de conteúdo negros, seja por indicações de perfis a seguir ou na “tomada de conta”, em que alguns profissionais e ativistas negros ocupam os perfis de figuras públicas brancas, como o do ator Paulo Gustavo, que está sendo cuidado pela filósofa Djamila Ribeiro, ou da chef Paola Carosella, que está sendo abastecido pela advogada Winnie Bueno.
Desde 2019 trabalhando para ajudar marcas a se comunicar de maneira correta com a comunidade negra, sem que haja apropriações indevidas, e buscando uma maior valorização para profissionais, influenciadores e criadores de conteúdo negros ou periféricos, Ricardo Silvestre, fundador da agência Black Influence, vê a mobilização como positiva para o marketing de influência. “Com certeza pode contribuir porque é só nesse momento, quando esse debate está em pauta ou em novembro, no Mês da Consciência Negra, que o mercado de comunicação dá atenção para influenciadores negros. Então é o momento ideal para que as marcas e sociedade percebam, de fato, a importância desses profissionais, que tem muita qualificação, que falam com a comunidade negra de um jeito incrível por serem parte dela e por serem extremamente estratégicos em relação a isso, mas que não são utilizados da maneira correta”, afirma.
Ricardo agencia nomes como Rodrigo França, Roger Cipó, Murilo Araújo, Nina Silva, Jaqueline Goes e, esta semana, assume o perfil do Instagram do ator Armando Babaioff. “Ele vai usar esse espaço como bem entender, mas a ideia é dividir um pouco de suas ideias, seu dia a dia, o seu trabalho e principalmente trocar com outras pessoas através dessa humilde rede social. A ideia é que ele use a minha bolha (sim moramos em bolhas) como bem entenda. (não são milhões, mas sei que são muitos olhares atentos)”, diz a publicação do ator.Ao Meio & Mensagem, o empreendedor e publicitário compartilha sua visão sobre a diferença de abordagem das marcas e agências a influenciadores brancos e influenciadores negros e como a pandemia pode impactar no setor.
Meio & Mensagem – Influencers negros são reconhecidos devidamente pelas marcas?
Ricardo Silvestre – Infelizmente os influenciadores negros não são devidamente reconhecidos e valorizados pelas marcas. Essa é uma das vertentes pela qual eu luto muito muito no mercado, inclusive. Essas pessoas são procuradas geralmente em novembro, que é o Mês da Consciência Negra, que é quando as marcas decidem falar com a comunidade negra, ou em momentos como o que a gente tem vivido, do Black Lives Matter. O desafio é justamente mostrar para marcas o quão importante é se comunicar com a comunidade negra o ano todo, visto que as pessoas negras consomem todos os dias e não só em novembro.
Há diferenças nesse mercado entre a relação com influencer negros e brancos? Quais?
Há diferença sim entre influenciadores brancos e negros, principalmente com relação à valorização. Muitos influenciadores negros são procurados para trabalhar de graça em troca, geralmente, de permutas, enquanto, na minha concepção, influenciadores brancos são devidamente remunerados. Fora isso tem uma questão de contratação de valores. Os influenciadores negros tendem a ganhar menos do que influenciadores brancos e, muitas vezes, eles tem até mais qualificação para falar sobre determinado assunto e não são devidamente valorizados nesse sentido.
Quando influenciadores negros são chamados para ações com marcas?
Quase 100% das vezes eles são chamados para falar sobre racismo e pautas raciais. Aí também temos um outro super desafio que é mostrar que essas pessoas falam sobre diversos temas e com muita propriedade. São profissionais estudiosos, são cientistas que querem falar de mais coisas além do racismo, porque o racismo é uma violência contra pessoas negras e, às vezes, falar sobre isso o tempo todo também é uma forma de violência. O influenciador negro não fala só sobre racismo.
De que forma as agências e marcas podem trabalhar para mudar esse cenário?
Acho que o primeiro passo para mudar esse cenário é que as marcas queiram, de fato, criar uma comunicação inclusiva e queiram, de fato, conversar com a comunidade negra o ano todo sem que haja interesse por trás disso. A partir desse momento, a partir de quando ela reconhece a importância disso, o próximo passo é contratar empresas especializadas nisso – empresas de pessoas negras, porque elas têm qualificação para falar com pessoas negras – e a partir disso começar um trabalho em conjunto para mudança desse cenário, mas é imprescindível que essas empresas e marcas contratem empresas negras que falem sobre isso.
Como a pandemia impactou o mercado de influência, tanto do ponto de vista positivo quanto do negativo?
Ao meu ver e até acompanhando alguns dados de mercado, o segmento de influenciadores foi um dos menos afetados. Ele se manteve aquecido e foi um dos que mais cresceu nesse tempo de pandemia. Porém o questionamento que eu faço é: quem são esses influenciadores? Para mim são sempre as mesmas pessoas que são contratadas pelas marcas: influenciadores brancos, que nem sempre representam ou estão de acordo com os valores daquela marca. A gente tem um problema recente em que uma blogueira fez uma festa no meio da pandemia e perdeu vários contratos. Isso me fez refletir muito sobre como as marcas fecham parcerias com uma pessoa específica ao invés de dar oportunidade para outras, que falam com diversidade e de maneiras diferentes, e com outros públicos.
“A população negra não é nicho”
Acha que as mudanças trazidas pela pandemia podem perdurar?
Acredito muito que as mudanças trazidas pela pandemia vão perdurar sim, principalmente com relação a consumo de internet. Muita gente que não era adepta da internet começou a ser. Com certeza, houve uma alta de consumo e uma alta de acessos à rede social e a qualquer outro aplicativo que usa internet. Então acho que é uma tendência, sim, que esses meios continuem em alta.
**Crédito da imagem no topo: Ajwad Creative/iStock
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