Rosane Svartman: sociedade foi o agente transformador das novelas
Autora de tramas como Totalmente Demais e Bom Sucesso, da Globo, autora fala sobre os desafios e como imagina o futuro do formato
Rosane Svartman: sociedade foi o agente transformador das novelas
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Bárbara Sacchitiello
21 de dezembro de 2021 - 6h03
Escrever uma novela é um trabalho autoral. Porém, permeado com cobranças compatíveis com a responsabilidade de atingir – e agradar – diariamente, uma audiência de milhões de pessoas. Encontrar formas de contar as histórias de seus personagens da melhor forma possível faz parte da rotina de Rosane Svartman, uma das autoras a compor o time da Globo, responsável por tramas como Totalmente Demais e Bom Sucesso.
Nascida nos Estados Unidos, Rosane mudou-se para o Brasil ainda criança e, por aqui, dedicou-se aos trabalhos de cineasta, roteirista e produtora. Estreou na Globo em 2008, como autora da série Dicas de um Sedutor. Depois, escreveu duas temporadas de Malhação e, desde então, vem encarando a missão de, com suas novelas, contar histórias para uma audiência insaciável por novidades.
Nesta entrevista, Rosane fala sobre os desafios criativos dos autores e elabora como deve ser a novela do futuro.
Meio & Mensagem: Do ponto de vista criativo, quais são suas principais inspirações e repertório para criar as narrativas e ideias de suas tramas?
Rosane Svartman: A sensação que tenho é que uma telenovela, com 150 capítulos ou mais, tende a sugar tudo que você já leu, ouviu, viu e viveu. Até por isso é muito difícil para mim escrever duas telenovelas seguidas. É preciso se esvaziar da novela anterior. A experiência me ensinou a observar como reajo ao meu entorno, anotar o que me chama a atenção e confiar na minha sensibilidade e também no olhar e escuta das pessoas com que desenvolvo parcerias para construir uma boa história.
M&M: Pela importância que as novelas têm perante o público brasileiro, os autores acabam enfrentando a pressão de sempre produzirem sucessos e de cativar a audiência. Como lida com isso?
Rosane: Uma telenovela é uma obra com um viés autoral inserida em um meio com interesses comerciais e um modelo de negócios bem definido. Todo mundo que se propõe a escrever uma telenovela destinada às impressionantes audiências massivas que a televisão aberta alcança sabe que este é o desafio. Ao mesmo tempo, pessoalmente, acho aterrorizante pensar que estou escrevendo uma história de mais de uma centena de capítulos para milhões de pessoas e o tamanho dessa responsabilidade. Prefiro os passos de formiguinha. Primeiro, me dedico à aprovação da sinopse pela casa, depois ao primeiro bloco de capítulos e assim por diante, pensando sempre em metas específicas. E mais, acho que, assim como no cinema, em um seriado ou no teatro, narrativas às quais também me dedico, o importante é a vontade de contar uma história na qual acredito da melhor forma possível.
M&M: Quais são os maiores desafios, em sua opinião, de criar uma obra para o público de massa, que tenha a missão de cativar pessoas de idades, origens e estilos tão diferentes?
Rosane: Não acredito em fórmulas, mas acredito nas ferramentas narrativas e na linguagem construída ao longo de décadas da telenovela. A telenovela, para mim, tem alguns pilares já estabelecidos, tais como elementos herdados do folhetim, do melodrama e do diálogo com a sociedade. Por exemplo, ao longo dos anos a telenovela ganhou ritmo com cenas mais curtas, núcleos diferentes que possibilitam a produção diária de capítulos mais longos e o fato de ser escrita enquanto é produzida e exibida.
M&M: Você acredita que o público, conforme evolui e tem contato com outras produções, acaba também demandando por novelas diferentes? Como procura acompanhar esses novos anseios?
Rosane: Na primeira telenovela, de 1951, chamada Sua Vida me Pertence, de Walter Forster, um beijo causou grande comoção. Vida Alves, atriz da trama, conta em seu livro como Walter Forster teve que enfrentar barreiras mesmo dentro da emissora para que a cena fosse gravada. Forster percebeu que a fronteira entre o que era público e privado estava sendo esgarçada, e essa repercussão do beijo contribuiu não apenas para a longevidade do formato da telenovela como também para inserir a narrativa no centro do debate social. Hoje dificilmente um capítulo vai ao ar sem um “beijo de novela”. Ao longo de 70 anos, a telenovela mudou, mas eu diria que o maior agente transformador foi justamente a sociedade, suas expectativas e dimensão subjetiva. Não que um autor deva escrever para agradar, porque isso nunca dá certo, mas um autor deve ter a sensibilidade de descobrir o que a sociedade vai querer ver e refletir sobre, debater. A grande Eneida Nogueira, que comandou a área de pesquisas durante muitos anos na Globo, dizia que um autor deve encontrar o que está latente, o que a sociedade quer discutir, mas ainda não sabe.
M&M: Quais são as principais diferenças entre escrever uma novela e escrever obras em outros formatos?
Rosane. São muitas. Em primeiro lugar, uma novela tem mais capítulos e, portanto, precisa de mais viradas ou plot twists em sua história. Escrever uma obra aberta traz frescor e atualidade à trama, mas também traz imperfeiçoes que fazem parte da estrutura narrativa. A novela também utiliza algumas ferramentas de forma diferenciada para que o espectador esporádico possa acompanhar a trama, tais como objetos sagrados que levam aos flashbacks e a repercussão dos acontecimentos em vários núcleos. Por fim, eu diria que uma telenovela exige mais musculatura mesmo, por conta do volume, não existe tempo para o ócio criativo ou para a falta de inspiração. O capítulo precisa sair.
M&M: Desses 70 anos de novelas do Brasil, quais são as obras que você mais admira ou que você considera que marcaram o gênero e serviram de parâmetro para a produção nacional?
Rosane: Nossa, tantas! Uma vez, conversando com um amigo editor, nos perguntamos onde estão os bestsellers recentes da literatura brasileira. Chegamos a conclusão que alguns deles talvez tenham ido para a telenovela, uma matriz narrativa latino-americana que inclusive inverte o fluxo transnacional das narrativas (uma novela como Totalmente Demais, que escrevi com Paulo Halm, já foi vendida para 135 territórios ao redor do mundo). Então autores como Gilberto Braga, Janete Clair, Ivani Ribeiro, Gloria Perez (que foi minha professora), Silvio de Abreu (foi um mestre pra mim), Dias Gomes, João Emanuel Carneiro, Walcyr Carrasco, pra citar alguns, além de tantos colegas, com quem troco no meu dia a dia, são uma inspiração.
M&M: Em sua visão, como serão as novelas do futuro?
Rosane: Penso que a convergência de telas, mídias e narrativas deve ser compreendida e contextualizada culturalmente e historicamente dentro da realidade brasileira. Pela história da televisão brasileira, que é bem diferente da história da TV europeia ou americana, e pela resiliência e sucesso das telenovelas que conquistam até hoje audiências massivas mesmo com uma população multiplataforma, acredito que essa narrativa é a chave para o futuro do audiovisual brasileiro. A telenovela talvez se torne mais curta, talvez seja produzida em temporadas com pesquisas entre elas, ou mesmo se torne uma obra fechada. Mas enquanto a telenovela continuar sendo parte da cultura brasileira, dialogando com a sociedade, ela continuará sendo um produto de massa. E, enquanto produto de massa, pode ser consumida em qualquer plataforma, mídia ou tela e continuará sendo telenovela e, por conseguinte, televisão brasileira.
*Credito da imagem de topo: Shutterstock
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