Saúde mental e negócios: o que pesa na interação nas redes?
Além de combate ao bullying e a competição, o fim dos likes no Instagram e mudanças no Twitter visam mudar o jogo da venda de engajamento
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Thaís Monteiro
26 de julho de 2019 - 6h00
Semelhante a este recurso, o Twitter começou a experimentar no Canadá uma opção que esconde respostas a publicações e comentários que possam ser “distrativos, irrelevantes, ofensivos e que possam inviabilizar as discussões que as pessoas querem ter na plataforma”, segundo explicou a rede social em um post de seu blog oficial. As publicações escondidas ainda poderão ser vistas, no entanto, por usuários que desejarem ao clicar em um ícone cinza.
Por trás dessas iniciativas há um discurso de preocupação com a saúde mental dos usuários. Conforme explicou ao anunciar as novas ferramentas de controle nos comentários, o Instagram acredita que as novas medidas têm o intuito de facilitar o combate ao bullying na plataforma, principalmente entre os mais jovens que, segundo a rede social, é um público que denuncia menos atitudes ofensivas. De acordo com Michel Alcoforado, antropólogo e sócio-fundador da Consumoteca, a nova ferramenta de restrição do Twitter também poderia auxiliar na criação de um ambiente menos tóxico, tendo em vista que a plataforma “é o grande bootcamp das redes sociais, onde todos opinam o que querem e, com certa facilidade, isso se concretiza em discurso de ódio”, diz.
Cuidar da saúde mental corresponde a uma necessidade de parte dos usuários que procuram se desligar de redes sociais. Desintoxicação digital foi pauta em relatórios de tendências para este ano. Além disso, cerca de 64% dos jovens afirmou que está dando uma pausa nas plataformas. Entre os motivos: excesso de negatividade, pressão social e queda na autoestima.
“Para nós, que vemos a parte humana da coisa, independentemente do modelo, os likes estavam se tornando um problema principalmente para crianças e adolescentes porque estimula a formação de um pensamento que baseia suas atitudes na aprovação social. Se você fixa sua autoestima em um número, mais tarde, na vida real, fica difícil lidar com a vida sem filtros”, conta Andrea Jotta, psicóloga do Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação da PUC-SP.
Por outro lado, a movimentação para ocultar comentários pode representar uma barreira para expressão de argumentos diferentes para uma mesma discussão. “O recurso de ‘apagar’ comentários no Facebook por exemplo não é novo. Isso pode ser sim uma forma de eliminar a opinião divergente e isso só mostra o quanto não estamos prontos para discutir, porque simplesmente não sabemos discordar sem agredir”, afirma Rafaela Lotto, sócia do YouPix.
Isabela Ventura, CEO da empresa especialista em marketing de influência Squid, participou da Vidcon, convenção de criadores de conteúdo para as redes sociais, realizada neste ano. Ela divide que a positividade no ambiente digital foi uma preocupação grande das plataformas no evento. “Há um grande trabalho sendo feito para diminuir os impactos de haters, autojulgamento e ansiedade causado pelo uso das redes sociais. Acredito que essa medida em certo ponto busca dar aos usuários um maior controle para manter conversas e interações saudáveis em suas redes”, diz.
Retomando o controle
Em contrapartida, tais recursos podem refletir uma reação das plataformas na tentativa de reter os usuários, sobretudo aqueles que estão mais desapegados das redes sociais, e voltar a ter controle sobre um mercado que acaba se desenvolvendo em paralelo, como a compra de engajamento e de seguidores.“Essa mudança não deixa de ser uma estratégia de proteção para a própria plataforma, que precisa manter o ambiente ‘saudável’ para que os usuários queriam fazer parte dela. Elas também tendem a endereçar essas questões para que o ‘detox’ não seja radical. Plataformas precisam de usuários para atrair anunciantes. O modelo de negócio é claro: mais gente passando mais tempo, produzindo ou consumindo conteúdo é igual a mais receita. Existem exceções mas não são elas que, por enquanto, se destacaram”, afirma Rafaela.
Para Andrea, em um ambiente em que o engajamento deixa de dominar com tanta força, há menos competição por popularidade e, consequentemente, mais usuários ativos e fica mais fácil da plataforma controlar a compra de curtidas ou comentários, por exemplo. Isso não quer dizer, no entanto, que os usuários não possam burlar as métricas da mesma forma. “Na mesma velocidade que essas atualizações surgem e impactam a dinâmica das redes sociais, os usuários são igualmente ágeis em buscar maneiras de hackear esse sistema”, diz Isabela.
O fim da economia das curtidas
Na opinião de Michel, com o fim das curtidas ou o ocultamento de comentários, o engajamento no conteúdo do Instagram passa a ter maior valor. “O jogo social está posto no compartilhamento. O grande questionamento é o que vai de fato continuar a engajar”, avalia. “Acho que esse assunto tomou mais importância do que merece, ele é só uma forma de interação, existem muitas outras. Eu sinto mais falta do Instagram ter links clicáveis no conteúdo orgânico, por exemplo, do que ter likes que acabam por manter a interação apenas na plataforma e que se finda nela”, diz Rafaela.
Tanto para Andrea quanto para Isabela, a nova fase das redes sociais pode representar uma reavaliação de páginas e conteúdos que os usuários consomem. “Torço para que esse movimento possa fazer com que as marcas passem a considerar cada vez menos os influenciadores apenas pelos números, mas também pela criatividade do conteúdo e pela qualidade das conversas geradas. Do lado dos influenciadores, espero que essa mudança faça com que eles entendam que o número de likes diz pouco sobre um perfil e passem a investir cada vez mais no conteúdo autêntico que engaje de verdade sua comunidade”, avalia.
**Crédito da imagem no topo: Con Karampelas/Unsplash
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