Assinar

“Trump foi a melhor coisa que já aconteceu ao jornalismo”, diz Pondé

Buscar

“Trump foi a melhor coisa que já aconteceu ao jornalismo”, diz Pondé

Buscar
Publicidade
Mídia

“Trump foi a melhor coisa que já aconteceu ao jornalismo”, diz Pondé

Conhecido por ter opiniões controversas, o filósofo Luiz Felipe Pondé acredita que a ascensão de Trump trouxe à tona as tensões do modo de produção jornalística


11 de abril de 2017 - 7h00

O jornalismo anda descreditado pois está carregado de ideologia. O ponto de vista é polêmico, mas é o que acredita o colunista da Folha de S. Paulo e filósofo Luiz Felipe Pondé, conhecido por suas afirmações controversas. Ele conversou com Meio & Mensagem na semana passada, momentos antes de apresentar um painel em evento sobre Mídia e Pós-Verdade da Associação Nacional de Editoras e Jornais (ANER). Veja o que pensa o colunista sobre algumas das questões que permeiam o jornalismo atualmente.

Luiz Felipe Pondé. Foto: Rafael Renzo.

Luiz Felipe Pondé em evento da ANER. Foto: Rafael Renzo.

Pós-verdade e democracia

A dúvida com relação à verdade e democracia já está na filosofia grega. O próprio Platão já suspeitava de que a democracia era permeável às versões de “verdade”. A democracia nada mais é do que um regime retórico e argumentativo, então a verdade acaba sendo aquilo que a maioria pensa, e sobre quem convence melhor. Antes das mídias sociais, as pessoas já desconfiavam das versões justamente porque existe uma construção do conhecimento. A própria teoria da história e da filosofia pós-moderna já falam que verdade é narrativa ou poder, muitas vezes contada do ponto de vista do vencedor, etc. Existe um universo teórico que justifica a relativização da ideia de verdade. O evento específico de pós-verdade relacionado à mídias sociais e notícias falsas é resultado disso.

Produção e consumo de notícias

O problema não é tanto em relação às notícias falsas, pois o jornalismo ainda tenta cercar o tema. Acredito que o que está em foco é a crise de credibilidade no formato de produção de notícia: as pessoas, com as mídias sociais, acham que questionar as marcas de notícias é uma forma de guerrilha em nome da liberdade. A gente pode combater e expor sites mentirosos, mas a dimensão profunda da sociedade e seu uso das mídias sociais é complexa. Muita gente vai continuar suspeitando e dizendo que uma coisa ou outra não é verdade. Quando Trump acusa a CNN ou NYT de ser “fake news”, atinge seu eleitor que não tem o mesmo viés político do NYT.  Trump é a melhor coisa que aconteceu para o jornalismo nos últimos anos: vai aumentar o emprego, anúncios e empregos para jornalistas (risos). Ele, com suas ideias horrorosas, acabou mostrando que existe gente invisível atrás das telas do Facebook que está muito ressentida.

Credibilidade

O alinhamento de grandes veículos com ideologias e a formação de muitos jornalistas na faculdade, alinhados à ideologias, também descredita os veículos e suas redações. Isso faz com que o que se considera verdade pareça um ponto de vista ideológico, e Trump navegou por esse campo. Acho que a imprensa brasileira é menos descaradamente alinhada a alguma ideologia do que a mídia americana. No Brasil, embora haja um movimento dos veículos de estar mais perto disso ou daquilo, eles mantém uma distância profilática em relação a uma adesão completamente ideológica. Acho isso bom porque cria uma pluralidade. As pessoas tendem a querer que o mundo seja preto e branco, e então existem dois tipos de crise de credibilidade: aquela advinda desse pressuposto paranoico de que todo o conhecimento é poder, associado ao público mais letrada e ao fato de que, quando o jornal não fala o que você quer, você fica ‘puto’; e outra associada ao fato de que se pode colocar notícias em qualquer lugar. Como a invisibilidade comanda o ressentimento no mundo contemporâneo, os invisíveis gostam de ter raiva das marcas.

Plataformas

As plataformas se mexeram porque ficaram com a conta, e grandes empresas de mídia, como Google e Facebook, tiveram que reconhecer que muitos de seus jornalistas estavam indo buscar informações nestes meios. Nem sempre elas poderão ir até o fim ou investir no combate à pós-verdade, porque vivem da economia do clique, que as escraviza mais do que as pessoas imaginam. Outro desafio é em que medida será possível instruir um algoritmo de forma que ele não simplesmente vá em cima do conteúdo que mais se repete. Se conseguirem fazer isso, será possível esvaziar a relação entre vídeos que incitam a violência e anunciantes, por exemplo. Mas isso depende muito do dinheiro e da técnica, afinal o ser humano é cada vez menos relevante diante dos algoritmos.

Inteligência Artificial

A ficção sempre tem uma certa dimensão de “viagem na maionese”, mas é possível que o algoritmo venha a substituir algumas funções, inclusive a do jornalista, na medida em que consegue lidar com muitos dados continuamente. No pé em que a coisa está hoje, tenho impressão de que essa tecnologia está longe de conseguir fazer algum tipo de discernimento qualitativo, porque está ligada à quantidade. Acho que ainda não chegamos lá, mas se a IA for mais barata e se conseguir produzir a reportagens e conteúdos em cima de análise de dados, acredito que grande parte da mídia vai migrar para isso. O custo determina a vida de todo mundo.

Alfabetização

Na região da Escandinávia, um site começou a trabalhar com uma ferramenta onde o usuário só pode compartilhar o conteúdo se responder a uma série de perguntas, e acho que isso faz parte da ideia de alfabetização. Acho que vale tudo, inclusive a criação de plataformas que ajudem a identificar conteúdos falsos.  Acredito que uma pergunta deve ser feita, no entanto. Qual é o impacto real em se acreditar em uma notícia falsa e em se produzir mentiras? Alguns estudos dos EUA mostram que as pessoas não estão interessadas em política. Esse interesse é um mito de jornalistas, professores e políticos, a maior parte das pessoas não tem tempo e não estão interessadas. Quando tem algum evento importante elas aderem e falam, mas se não, vão tocando a vida delas.

 

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Marcas promovem ações para divulgar a série Senna, da Netflix

    Marcas promovem ações para divulgar a série Senna, da Netflix

    Guaraná Antarctica e Heineken celebram estreia da série sobre o piloto com cinema e latas comemorativas

  • Inclusão racial perde força – e investimentos – no marketing de influência

    Inclusão racial perde força – e investimentos – no marketing de influência

    Profissionais do segmento apontam arrefecimento do interesse das marcas em falar sobre diversidade inclusive no mês da Consciência Negra