Parceria afinada
A união de diferentes artistas para a composição de um disco ou uma faixa gerou vários sucessos ao longo da história da indústria da música.
A união de diferentes artistas para a composição de um disco ou uma faixa gerou vários sucessos ao longo da história da indústria da música.
16 de setembro de 2019 - 10h08
A união de diferentes artistas para a composição de um disco ou uma faixa gerou vários sucessos ao longo da história da indústria da música.
A cocriação ganhou novos contornos com o interesse das marcas em dialogar com as audiências de bandas e cantores. Em colaboração com agências e produtoras, artistas consagrados e independentes têm trabalhado em sinergia com anunciantes na composição de faixas especiais.Na busca de encontrar valores e públicos em comum para realizar parcerias, a análise da base de fãs e a forma da interação com seus ídolos é um dos desafios para a criação de um hit. Além da sensibilidade e o olhar artísticos dos compositores, a inteligência artificial adiciona uma camada de complexidade no processo de produção das obras fonográficas.
Alguns artistas comparam o processo criativo ao parto. Outros, à guerra. Há ainda os que conseguem manter a disciplina de escrever oito horas por dia, cinco dias na semana. Independentemente da forma, essas composições costumam tocar os corações e mentes dos fãs. Em busca de atrelar os valores de suas marcas aos dos artistas e transmitir sua mensagem para a audiência, os anunciantes têm se tornado parceiros dos compositores na criação de músicas.
“A música consegue comunicar a marca de forma muito poderosa, combinando a narrativa com sua emoção fundamental”, afirma Leo Avila, vice-presidente de criação da Santa Clara. Entretanto, como equalizar onde começa e termina o trabalho de cada elo dessa cadeia? Cada caso é um caso, indicam os profissionais que atuam diariamente nessa função. “A equação chave é: qual é o limite da agência em relação ao artista e qual o profissionalismo do artista que é esperado pela agência”, afirma André Faria, diretor criativo da produtora Evil Twin.
Dentro da Santa Clara, há casos em que os parceiros enviam a base melódica e a agência escreve a letra. Em outros, os criativos enviam letras e os parceiros criam a melodia. Em uma terceira vertente, todos se reúnem em uma mesma mesa de trabalho, incluindo intérpretes. Esse foi o caso da campanha que a agência criou para a divisão de soluções de agricultura da Basf. O clipe Juntos Pelo Seu Legado promoveu um dueto entre Lucyana Villar e Renato Teixeira. Nela, além do trabalho criativo da agência, o cliente participou ativamente no processo de escrita da música. “Ao nascer assim, pôde cantar de forma muito profunda a verdade do campo, uma verdade que é inacessível para quem não vive essa realidade 24 horas por dia, sete dias por semana e décadas a fio”, afirma Leo.
No caso da Piccadilly, o lançamento da coleção PV20, em agosto, uniu as artistas Liège, Gisele De Santi e Nalanda, que compuseram a música Todas. Com a faixa, que também ganhou um videoclipe, a marca de calçados se propôs a inspirar mulheres a serem o que quiserem. As agências GAD e Sound Thinkers, responsável pela estratégia sonora, participaram do projeto.
A potência musical é transversal a vários segmentos da economia, tanto de uma empresa com mais de cem anos de existência, como é o caso da Basf, quanto à uma startup que pretende chegar aos consumidores de uma grande metrópole. O C6 Bank, por exemplo, estreou no mercado anunciante lançando a música It’s Your Life, interpretada por Zeeba, Isadora e Marina Diniz. No início da divulgação, os intérpretes trataram a canção como mais um conteúdo autoral. Depois de estrear em rádios e serviços de streaming, uma campanha de massa em mídia OOH e digital apontou que se tratava, na realidade, do lançamento do banco ao público.
“O ponto era encontrar os músicos e produtores certos para termos uma música com potencial de virar sucesso, e chegar na campanha já com o coração das pessoas”, explica Flávio Pinheiro, sócio da Musickeria, que fez a conexão entre os artistas e o banco. Atualmente, a canção possui cerca de 1,3 milhão de reproduções no YouTube. “As love brands são construídas quando o consumidor se identifica por uma campanha e marca de forma emocional. O conteúdo é essencial nesse processo”, destaca o sócio da Musickeria.
Um intérprete que se relaciona com seu público se torna, então, essencial para a marca. E é nesse momento em que a análise qualitativa dos dados de interações sociais dos artistas se torna relevante. “O artista é uma plataforma de comunicação. Analisar essa base é essencial, da mesma forma é importante que o artista se identifique com a marca de forma que a influência junto ao público seja verdadeira”, afirma Flávio.
Assim, a Musickeria escalou o trio Toni Garrido, Fernanda Abreu e DJ Memê para atuar numa campanha da farmacêutica Hypera. A ideia era usar a música Tempo Modernos, de Lulu Santos, para divulgar o suplemento alimentar Vitasay 50+, voltado ao público com mais de cinquenta anos. Junto à música, o anunciante criou uma agenda extensa de PR, incluindo shows voltados à faixa etária, e campanhas digitais. A produção do clipe foi feita pela KondZilla.
Entretanto, há situações em que artistas são escalados, mas ainda é necessária consultoria de profissionais mais experientes. Em uma campanha para a Kroton, a Ogilvy pretendia lançar um novo MC. Para auxiliar o estreante no processo de criação das letras e da melodia, a produtora Evil Twin escalou o DJ Zegon — ex-Planet Hemp e atual membro do Tropkillaz. “Essa coparticipação de artistas no processo criativo antes de gravar é fundamental. É necessário entender o briefing como interpretação artística”, explica André Faria, sócio e diretor criativo da Evil Twin. “O triângulo produtor, agência e artista é feito por visões diferentes; quando uma produtora tem um perfil ativo, ela consegue tirar muito mais do processo”, finaliza.
Music powered by data
O crescimento da capacidade de processamento, tanto de aparelhos de telefone quanto de grandes servidores de inteligência artificial, trouxe ao mundo da música possibilidades e rumos diferentes. E nesse novo ambiente também há espaço para os anunciantes. Para a marca de uísque Ballantine’s, por exemplo, a Santa Clara criou uma música com a proposta de que ela fosse única para cada usuário do Facebook que topasse interagir com a campanha voltada ao Dia do Samba. Com a API, quem começasse a ouvir a música seria questionado sobre qual próxima estrofe combinaria mais consigo. “A marca sempre trabalhou muito com a plataforma musical, seja em eventos, parcerias ou músicos. Nos juntamos à DaHouse para usar o canvas do Facebook (um formato de anúncios dentro da plataforma mobile da empresa) desse jeito e, ao final, você recebia a música que ajudou a fazer para ouvir sem interrupções e compartilhar”, recorda Leo.
Em outros casos, ferramentas avançadas de inteligência artificial, como o Watson Beat, da IBM, podem auxiliar, inclusive, os produtores no momento de gerar uma melodia. Junto ao produtor musical Alex Da Kid, a empresa utilizou sua marca de AI em diversos momentos do processo de criação da canção Not Easy, desde a escolha do tema da música, com o AlchemyLanguage, que buscou os temas culturais mais falados pela sociedade nos últimos cinco anos — analisando jornais, discursos da Suprema Corte dos Estados Unidos, sinopses de filmes e artigos de Wikipedia.
Depois, outra ferramenta, o Tone Analyser, vasculhou as redes sociais e blogs para descobrir como as pessoas se sentiam sobre esses assuntos. Assim, chegou ao tema “coração partido” para a música. Já na parte final do processo, usou o Watson Beat para explorar diversos conceitos que poderiam ser aplicados à música. A parceria rendeu à IBM a possibilidade de divulgar a peça como benchmark para o serviço. Agora, está disponível em plataformas de streaming e conta com a participação de X Ambassadors, Elle King e Wiz Khalifa.
Os serviços de streamings também podem auxiliar de forma ativa. “À produção, o Spotify é a melhor coisa que aconteceu. Há os algoritmos que ajudam a ter referências. Se quiser uma playlist de mulheres que tocaram sintetizadores em 2019, ele faz essa categorização e isso ajuda muito em tempo e criatividade”, afirma André Faria, da Evil Twin.
Há, ainda, exemplos em que a música e os dados servem, juntos, ao propósito de construção de uma marca chegando ao mercado. A balada Kaos, de Las Vegas, foi lançada este ano e é considerada a maior casa noturna da América do Norte. Responsável pela conta publicitária, a AKQA Portland se deparou com o desafio de criar a identidade de um empreendimento que recebe cantores de gêneros que vão do rap ao country.
“O triângulo produtor, agência e artista é feito por visões diferentes; quando uma produtora tem um perfil ativo, ela consegue tirar muito mais do processo” – André Faria, da Evil Twin
Com esse briefing, a agência desenvolveu um logo que se adapta em tempo real ao repertório do cantor e ao clima da balada durante a apresentação, sem perder a identidade da empresa. Para isso, escalou designers e sua equipe de dados para construir 12 variáveis sonoras que se adaptam e se relacionam entre si. “A experiência da balada é uma amálgama de elementos caóticos: lasers, água, canhões de fogo e milhões de obras de arte, além de telas de LED do tamanho de prédios. É exatamente dessa forma caótica que queríamos que a marca se posicionasse: sendo tão imprevisível e caótica quanto a balada em si”, explica Pedro Sanguiné, designer gráfico da AKQA responsável pelo projeto.
Para o trabalho foram usados modelos de gráficos de predição meteorológica, baseados na teoria do caos. A partir disso, foram desenvolvidos algoritmos e ferramentas para gerar a visualização ótica da marca. “Branding é sobre criar uma experimentação visual, sônica e experimental que apresente apenas uma mensagem: identidade. Usar dados nesse processo é apenas o curso natural dessa jornada”, analisa Pedro.
O valor do clássico
No vídeo que integra essa reportagem especial, instituições de música clássica explicam como buscam entrar no orçamento publicitário das grandes marcas oferecendo propriedades que vão desde ativações com um público diferenciado até a negociação dos naming rights das casas de espetáculos.
Veja em http://bit.ly/2M0fzGb
Construção de marca ou divulgação artística?
A ambientação do varejo a partir da música não é algo novo. Desde uma rádio do dial tocando ao fundo até playlists de streaming, é comum que pontos de venda busquem melhorar a experiência de seus clientes com ambientação sonora. A profissionalização dessa trilha sonora, entretanto, aponta caminhos para entender a música como uma ferramenta de branding para grandes marcas e varejistas.
“Desenvolvemos um estudo musical da marca, transformando a essência da marca em um book digital — que é um grupo de músicas”, afirma Danrley Calabrezi, fundador da 2id, especializada no segmento. Para a Chili Beans, o estudo da marca demonstrou o que era tido como uma visão equivocada do seu público. Antes, a marca entendia que o rock seria seu principal ativo no momento da interação com o público. O que a 2id descobriu, entretanto, é que o gênero é apenas o terceiro com maior conexão emocional com o público da rede. Em primeiro lugar, veio a música eletrônica, seguida pelo hip hop.
“Branding é sobre criar uma experimentação visual, sônica e experimental que apresente apenas uam mensagem: Identidade” – Pedro Sanguiné, da AQKA
Assim, a agência reformulou as playlists das lojas para aumentar a conexão com os visitantes.
Na visão do executivo, apesar de ser uma ferramenta de branding, com difícil mensuração de retorno sobre investimento, é possível traçar um paralelo em lojas que possuem uma identidade musical clara e o aumento nas vendas. Por outro ângulo, é também uma plataforma de distribuição ainda pouco explorada, afirma Danrley. Em um projeto para a rede Morana, exemplifica, a agência incluiu uma canção nova da cantora Rachell Luz. “Em uma semana, ela atingiu 23% a mais de procura no aplicativo Shazam. É um novo veículo de comunicação que pode, inclusive, tomar o lugar do rádio de dial”, opina.
JOGO RÁPIDO
“Nada começa do zero no universo das marcas ou dos artistas”Quais critérios um anunciante deve levar em conta no momento de escolher uma personalidade musical para ser a voz de sua marca? Primeiro de tudo, é necessário que haja uma confluência entre valores e missão das duas personalidades públicas, afirma Samantha Almeida, head de conteúdo da Ogilvy. Mas não apenas isso. É importante que sua base de seguidores reconheça nos artistas o mesmo conjunto de valores da marca. “Mesmo que você comece a construir uma música que não existe, tanto marca quanto artista trazem para essa cocriação toda sua bagagem de experiência”.
Meio & Mensagem — Quais são as vantagens estratégicas de uma marca ao se associar à uma produção musical?
Samantha Almeida — Primeiro, é superimportante entender qual é o lugar das produções culturais e das produções musicais. Elas carregam dentro do DNA o que chamamos de passion point. Quando você vê um conteúdo audiovisual, um artista, uma música, não é só sobre a sua relação racional com aquele conteúdo. É sobre o imaginário coletivo, sobre a capacidade de encantamento que um artista e uma produção musical têm. E isso é fundamental, não dá para esquecer que música é um dos principais conteúdos consumidos, no mundo, especialmente pelo target jovem, e que ela comunica e constrói pontes entre pessoas naturalmente, sem que você tenha que racionalizar muito. É fundamental construir pontes maiores entre comunicações de marca, conteúdo e entretenimento.
M&M — Quais são os principais cuidados que uma marca precisa tomar ao escolher um artista para realizar uma parceria?
Samantha — É fundamental que marca e artista compartilhem a mesma visão de mundo, que eles consigam identificar o lugar que ocupam, missões e valores. Mas tão importante quanto isso é que eles saibam que têm essa identidade e, sobretudo, que a base de seguidores, de fãs, também reconheça nos artistas os mesmos valores que ele reconhece na marca e vice-versa. Em uma época que é tão importante você fazer para fora, na frente das câmeras, é fundamental também fazer por dentro, nas estruturas, nos times, nas empregabilidades, na contratação, na visão de mundo, no posicionamento. E é fundamental que a base de seguidores reconheça esse alinhamento.
M&M — Como é possível medir até onde uma agência pode ir sem invadir a identidade criativa de um artista durante um projeto?
Samantha — Na verdade, teríamos que reverter a pergunta, trazê-la para outro prisma. A pergunta certa seria “como é que arte, consumo, comportamento, marcas e sustentação de marcas podem caminhar juntas para construir algo que seja relevante para o consumidor final?”. Temos que partir do princípio que todos nós, assim como artistas e marcas, somos servidores de pessoas. Ao invés de entender como eles competem por espaço, o objetivo é entender como eles se multiplicam no espaço e como uma marca não se torna um ser estranho dentro de uma produção cultural, podendo, inclusive, servir de suporte para essa criação e ajudar a construir a sua própria imagem dentro daquele conteúdo. Mais importante é entender que se existe um duelo entre marcas e artistas, quem tem que sair ganhando é o consumidor.
M&M — No momento da cocriação, é mais comum a construção da letra e da melodia do zero ou a adaptação de uma base já produzida pelo artista?
Samantha — Nada começa do zero no universo das marcas ou dos artistas, porque o zero não existe. As marcas existem, elas têm uma função na vida das pessoas, um posicionamento, assim como os artistas também têm uma arte, uma imagem, um posicionamento que faz sentido para as pessoas e, por isso, são consumidos. Mesmo que você comece a construir uma música que não existe, tanto marca quanto artista trazem para essa cocriação toda sua bagagem de experiência. Por isso que o importante é acharmos o denominador comum: que verdade esses dois universos compartilham?
M&M — Recentemente, você fez a transição da Mynd para a Ogilvy, depois de anos na Avon. Como tem sido essa experiência?
Samantha — Estamos o tempo inteiro em construção dessa resposta. É muito importante, e eu sinto essa necessidade, me manter uma profissional que consiga transitar em diversos universos. Sempre trabalhei pensando em como posso causar atração social na vida das pessoas, como fazer com que elas parem para prestar atenção, como trazer relevância para a vida delas. Se a plataforma é de produto dentro de uma marca, artista com entretenimento, ou de conteúdos digitais para uma marca, isso é o resultado final e importa muito menos do que a capacidade de gerar relevância, conversa, de ser útil de verdade para o consumidor, seja por meio de um produto, serviço ou de um conteúdo de indulgência, que tira das pessoas aquele sorrisinho de lado no final do dia. A plataforma, o lugar, o lado em que vou estar dessa negociação — que tem vários agentes — sempre foi um pouco de consequência. Estou muito feliz, pois fazendo parte da Ogilvy Brasil, dentro de um grupo como o WPP, com clientes e oportunidade incríveis, olho e vejo um oceano infinito para poder trazer tudo o que aprendi sobre comportamento, entretenimento, como criar relações profundas entre pessoas, como conectar pessoas com olhar de entretenimento e de prazer.
Compartilhe
Veja também
No TikTok dos charts
Gravadoras e artistas incluíram planos de marketing específicos para a plataforma, abrangendo a criação de coreografias para os usuários replicarem ou versos que podem viralizar
Palco virtual
Plataformas de streaming e redes sociais registram aumento de audiência e de investimento publicitário com ações de artistas e marcas