Os mitos, benefícios e desafios do resale
Varejistas e marcas como Ikea, Madewell, J Crew e outros compartilham as práticas da revenda
Varejistas e marcas como Ikea, Madewell, J Crew e outros compartilham as práticas da revenda
Thaís Monteiro
18 de janeiro de 2023 - 6h00
“O segredo da mudança é focar toda sua energia não em lutar contra o velho, mas construir o novo”. A frase do Sócrates foi usada por Lee Peterson, VP executivo da WD Partners, empresa focada em escalar inovação, durante o NRF Retail’s Big Show, em um painel que questionava se a revenda poderia aumentar o tráfego em lojas físicas. O paralelo feito pelo executivo foi de que a venda de artigos novos não vai acabar, mas é necessário construir uma nova frente de negócios: o resale.
Revenda foi tema relevante na pauta sustentável do evento, assim como o período inflacionário vivido pelos Estados Unidos e boa parte do mundo. Essas duas pautas, inclusive, dialogam. Conforme Peterson, o consumidor de resale o faz por três motivos principais: em prol do meio ambiente, pela caça ao tesouro de peças vintage ou diferentes, e o preço mais acessível que, em tempos de juros altos, se torna mais relevante.
Em uma pesquisa realizada pela WD Partners e apresentada no evento, a empresa descobriu que 38% dos consumidores de produtos usados pratica a atividade uma vez por semana, um número considerável que denota o tamanho e potencial desse mercado.
A primeira opção para os entrevistados quando questionados onde compram tais produtos é brechós de caridade. “São lojas grandes, com várias fileiras de roupas amontoadas, difíceis de visualizar e com um design de loja, em geral, ruim. “Os varejistas têm que olhar para isso porque essa é sua competição. Se essa é a minha competição, não acho que vai ser tão difícil ganhar mercado”, argumentou Peterson.
A estratégia de resale não está limitada a vestuário. Ainda segundo o levantamento realizado pela WD Partners, os próprios consumidores consideram que uma série de segmentos deveriam fazer revenda de produtos. Alguns deles são de hardware, produtos esportivos, lojas de mobiliário, livrarias e outras. “Se eu tivesse uma livraria, eu começaria a fazer isso agorinha. É como se os consumidores estivessem indo pra lá pra comprar livros usados”, disse.
Outro mito é que a circularidade é uma tendência ou hábito de consumo apenas da Geração Z, quando, na verdade, o público é bem distribuído entre as idades, segundo estudo da WD Partners. E em relação ao preço canibalizar a frente de produtos novos, é necessário lembrar que a venda de produtos usados aumenta a venda de produtos novos também.
Confirmando os dados, a Ikea notou um expressivo aumento do interesse do público em produtos de segunda mão no setor de mobiliário e artigos para casa, além de aumento nas vendas. “As pessoas vão para a loja vender itens e compram coisas novas que são vendidas na loja também”, afirmou Seana Strawn, chefe de design de varejo e identidade de mobiliário doméstico da empresa nos Estados Unidos.
A empresa começou um trabalho de revenda em 2014. Ela recolhe itens usados e os reforma para revender. Além de aumentar as vendas, a iniciativa reduziu a pegada de carbono da companhia. Até 2030, a Ikea quer tornar todos seus produtos sustentáveis, usar apenas veículos elétricos — o que já é feito em operações de Nova York, Los Angeles e Seattle — e zerar sua pegada de carbono.
A executiva também contou que essa estratégia auxiliou na construção de uma relação mais profunda com os consumidores e abriu chance de novos públicos chegarem até a marca, como aqueles de “carteira fina”, definiu. A revenda também aumenta a quantidade de produtos adquiridos e auxilia o consumidor, que pode recorrer à loja como um ponto fiel onde ele pode ganhar um dinheiro caso precise. Esse último aspecto constrói relacionamento e fidelidade.
Sarah LaFleur, fundadora e CEO da startup M.M.LaFleur, que vende roupas feitas por mulheres e para mulheres, também notou aumento de compra na sua loja. Segundo a executiva, quando vendem um produto, os consumidores da M.M.LaFleur têm a opção de retirar dinheiro ou um crédito para usar na loja. “Quando eles usam esse crédito, eles acabam gastando quatro vezes mais o valor do crédito. Serve como remarketing”, contou.
Segundo os executivos presentes nas palestras que tratavam do assunto, a revenda pode não ser para todos. A princípio, é necessário que esse seja um movimento natural adotado pela empresa, que haja um paralelo entre seus propósitos ou a um projeto maior de ESG (sigla para sustentabilidade, social e governança).
A Madewell, por exemplo, estendeu os benefícios da circularidade para funcionários que fabricam os jeans da marca. No projeto em parceria com a Fair Trade USA, a empresa doa uma porcentagem da venda dos jeans certificados com o selo Fair Trade, que são jeans reformados para revenda, para trabalhadores das fábricas. “Garantimos que eles estão sendo bem tratados. Sabemos que os consumidores valorizam isso. A circularidade estende a vida dos produtos, faz com que consumimos menos. Atinge todos os nossos objetivos”, pontuou Liz Hershfield, VP sênior e head de sustentabilidade para J. Crew Group e Madewell.
Para além de promover o movimento circular, as marcas Ikea, Madewell e J. Crew trabalham na educação de consumidores. As lojas físicas das marcas contam com workshops ensinando como cuidar das roupas e mobiliário para uma vida longa do produto, como concertar esses produtos, entre outros. Conforme a executiva da Ikea, a circularidade deve ser uma experiência interessante.
Dos desafios citados pelos executivos em seus painéis, criar uma estrutura operacional foi o mais frequente deles. A M.M. LaFleur, J. Crew e Madewell têm parcerias com empresas que cuidaram da criação da plataforma e trabalham no operacional da circularidade. O que não significa que as empresas estejam envolvidas. Liz defendeu que para uma estratégia circular dar certo é preciso envolver a empresa toda, mesmo que sejam varejistas ou marcas grandes.
“Temos um time pequeno focado nas iniciativas mas é inserido em tudo que fazemos, como a parte do produto. Não vai ser executado a não ser que todo o time esteja envolvido”, colocou.
A Ikea deu a entender que realiza todo o processo sozinha, mas isso lentifica os passos. A empresa começou a trabalhar com revenda em 2024 em pontos físicos e apenas em 2023 está lançando a operação online.
Em seu recado final, Sarah, da M.M. LaFleur afirmou que o intuito da marca é produzir vestuário de longa duração e estimular a circularidade, mas isso não significa que a venda de artigos novos vai acabar. “A maioria das pessoas fica cansada do que usa. Novas coleções chegam e o desejo de ter algo novo aumenta. Não acho que isso vai acabar”, concluiu.
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