C&A: desejo de personalizar em massa
Paulo Correa, CEO da varejista de moda, acredita que o uso da inteligência artificial para o setor já é algo muito mais tangível e menos buzz que o metaverso
Paulo Correa, CEO da varejista de moda, acredita que o uso da inteligência artificial para o setor já é algo muito mais tangível e menos buzz que o metaverso
Roseani Rocha
16 de janeiro de 2023 - 6h00
Em sua quinta visita à NRF, o CEO da C&A, Paulo Correa comenta que este ano sua expectativa maior está em torno de temas como a inteligência artificial, especialmente usada para precificação e sortimento de lojas, além de, na comunicação, ajudar na personalização em massa, a partir de informação sobre os hábitos de cada consumidor. Já assuntos como o metaverso ainda estão, para ele, mais na fase do buzz. Mas, como em algum momento o metaverso vai virar fato, também precisa ser acompanhado. Embora reconheça que de um ano para o outro grandes eventos de negócios possam ser repetitivos, já que as coisas não mudam tão radicalmente, ele credita à própria presença brasileira tão grande na NRF o fato de o nosso varejo de moda ser um que não deixa muito a dever a outros países, em termos de serviço e tecnologias. Também pontua que, apesar do cenário macroeconômico, com inflação – a inimiga do consumo – em alta e sem perspectiva em curto prazo de que ela baixe, a retomada da vida normal das pessoas, após os anos de pandemia, faz com que muitos sintam um gap no guarda-roupa. Logo, o setor tem diante de si, a despeito das perspectivas econômicas, uma janela de oportunidade.
Meio & Mensagem – Das tendências sendo discutidas na NRF este ano, o que mais interessa à C&A e por quê?
Paulo Correa – Essa é a quinta vez que eu venho. Acho que a primeira foi há uns 12 anos. Uma das vezes até participei desse painel do Alberto (Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, que havia moderado um painel com Roberto Funari, CEO da Alpargatas e Giorgio Pradi, presidente da Sunglasshut NA). Faz uns três, quatro anos que eu não vinha. É interessante, embora eu ache que de alguma maneira todo ano é um pouco repetitivo. Não vejo uma mudança tão radical, mas é bom voltar e ver o que está acontecendo. Dentro das tendências, desta rodada estou muito com algumas coisas na cabeça. Uma das principais é a inteligência artificial, que está, de fato, chegando à dimensão de aplicações no negócio. Quero entender o que mais as pessoas estão fazendo. Nós já estamos fazendo algumas coisas interessantes na C&A. Estamos usando hoje inteligência artificial para precificação, por exemplo, para decisão de preços por lojas. O CEO da Macy’s estava falando em preço por cada loja e canal, assim como sortimento também deveria ser. Por isso eu gostaria de entender melhor o que estão fazendo em termos de sortimento por loja, usando modelo de inteligência artificial. Como adaptar ao público, nível de renda… No Brasil, com uma história tão distinta em termos de consumidor e de relevância, tem que ter um nível de personalização muito maior do que existe em relação a sortimento. Foi interessante que o palestrante da Luxxotica (Giorgio Pradi) tenta manter uma coisa padrão em todos os lugares. São fórmulas diferentes. Não necessariamente a mesma fórmula serve para todo mundo, mas vejo que tem muitas oportunidades. Estou também analisando tendências em termos de produtos, do entendimento de atributos de produtos que funcionaram nos últimos tempos consigo definir e garantir um nível de probabilidade maior de ser relevante para o cliente. Então, IA é um assunto grande e importantíssimo nesse evento. Óbvio que tem de estar de olho no que está rolando no metaverso, mas não acho que é ainda uma história aplicável a negócios, que tenha um super impacto. Ainda é mais buzz do que fato, mas um dia vai ser fato, então, tem que estar monitorando quando ficar relevante de verdade. E existe uma questão de personalização. Essa questão de usar a tecnologia para personalizar em massa é onde está o “sweet spot” para a C&A. Temos uma base de clientes com mais de 20 milhões de pessoas. E posso mandar uma mensagem que seja relevante para você, porque tenho certeza de que tem algo interessante para você lá na minha loja. Essa dimensão de conseguir identificar preferências e fazer que a curadoria do que a gente tem seja interessante para você é uma história na qual temos avançado e investido. E eu queria ser o melhor do Brasil nesse sentido.
M&M – A economia circular tem sido um tópico importante, a julgar pela lista de palestras. Como empresas de fast fashion encaram essa discussão, que teoricamente vai contra seu modelo de negócio, do giro rápido e constante de produtos?
Paulo – Já temos feito muita coisa nesse sentido; temos jeans reciclável, compostável. Fomos os primeiros a fazer isso no Brasil. Malha compostável também. Estamos com uma parceria com uma startup que compra roupas usadas, a Daz Roupaz, e as pessoas recebem crédito para usar dentro das lojas da C&A. O second hand é um negócio muito importante. Saí de uma palestra que falava sobre o fim da era da abundância. Até a preferência dos clientes por produtos que sejam mais duradouros, que têm um ciclo de vida mais longo e sejam menos tão tendência que vai usar pouco tempo, ter produtos mais versáteis se conecta muito com isso. Agora, as preferências e as histórias novas vão continuar. O ser humano é assim, gosta de novidade. E a moda te permite se expressar, do mesmo jeito que tem nas redes sociais de repente uma trend de um aplicativo, uma foto, uma pergunta, uma dança, isso vai continuar ter. Mas cada vez mais tem espaço para histórias mais duradouras também. Vai ter um pouco dos dois.
M&M – Entre ver uma tendência/solução interessante e poder aplicar efetivamente no negócio, na loja, depende mais, em geral de que fatores?
Paulo – Na minha experiência, quando a gente vem para um evento desse vê muita coisa, muita informação; vai chegar quinta-feira vou estar com a cabeça fervendo. Mas haverá duas ou três coisas no final que realmente ficam de insights. Meu processo é assim, no final você tem que dar uma concentrada, pensar em duas, três coisas que mais te impactaram e tentar fazer alguma coisa concreta. Estou aqui com meu vice-presidente de Operações e Serviços Financeiros (Fernando Brossi) e vamos trocando ideia o tempo inteiro. De repente, tem algumas coisas que juntamos e falamos “vamos testar x, y ou z?”. para mim, é o melhor jeito de tangibilizar, senão fica muita informação, não tem mão para fazer tanta coisa ou ficar só pensando, pensando, pensando e não conseguir concretizar nada. Aí não vejo tanto valor.
M&M – O que é mais importante para atender a jornada de compra atual dos consumidores, considerando produtos em si e comunicação/relacionamento com esses clientes?
Paulo – Relevância e conveniência. Relevância no sentido de “qual a mensagem?”, “qual a informação que interessa de verdade para cada pessoa?”. Essas histórias muito massificadas, macro, acho cada vez menos relevantes. Essa história da personalização, como falei, é importantíssima. Relevância, para mim, tem a ver com isso. E a conveniência é o momento certo. Tem determinados canais que eram clássicos no passado e que hoje em dia têm um outro papel, quase um suporte. Outros, têm o papel basicamente da conversão. Você provoca com aquela mensagem, aquilo gera apelo para algumas pessoas e elas já querem fazer a compra. Então, dentro do funil de comunicação cada canal tem um determinado papel. E tem a dimensão da conveniência “o que que me interessa?” naquele momento da minha jornada de compra. Se estou no Instagram de bobeira, querendo relaxar e, de repente, vem um anúncio com uma oferta, pode ser para mim uma coisa invasiva, para você pode ser diferente: “puxa que legal, estava precisando disso”. A conveniência da mensagem hoje em dia tem muito mais importância que tinha no passado, que era aquela coisa mais massificada. A tecnologia está te dando a possibilidade de ser cada vez mais relevante no um-a-um e com a mensagem no canal que convenha mais na jornada de compra.
M&M – Qual sua avaliação sobre a qualidade do varejo de moda brasileiro em relação às tecnologias e soluções já utilizadas em outros mercados do mundo?
Paulo – Estávamos no Soho, visitando várias lojas internacionais, diferentes etc. e achei muito interessante que saí com a sensação de que tem “algumas” coisas novas, mas não tem tantas coisas novas. A evolução do varejo brasileiro de moda é claríssima e talvez este tipo de evento, com essa grande delegação brasileira, faça com que a gente esteja bem atualizado. Brasileiro gosta de novidade. Então, acho que estamos caminhando bastante bem, as experiências que a conseguimos proporcionar nas lojas, as tecnologias que estamos conseguindo trazer. Tem muita coisa legal e atualizada em relação a muitas lojas do mundo. Das coisas interessantes eu vi, por exemplo, esse sistema de self-checkout com uma cesta em que você tem uma operação muito rápida e confiável, com uma tecnologia muito bacana. Sei que no Brasil já estávamos nos mobilizando para isso, mas ver ao vivo e como funciona é sempre diferente do que só o prospecto e a informação.
M&M – Na pandemia, o varejo de moda foi um dos mais prejudicados. Qual o cenário para 2023, considerando dois fatores, o retorno total da vida social e as perspectivas econômicas e de poder de consumo da população brasileira?
Paulo – Todo mundo está com muitas interrogações sobre como será o cenário macro para este ano agora. Começamos com uma taxa de juro muito alta, com baixa perspectiva disso descer, e taxa de juros é inimiga do consumo. Não vejo de maneira muito otimista a evolução macroeconômica do Brasil para este ano. Porém, ao mesmo tempo, não sou pessimista, porque ao mesmo tempo tem esse elemento que você trouxe, da retomada da vida normal. É muito comum eu conversar com amigos, amigas, clientes, que falam que o guarda-roupa está desatualizado, “estou precisando dar uma remodelada”. O moletom da pandemia já ficou para trás, as pessoas estão saindo de casa, indo a restaurantes, festas, se encontrando com os amigos, viajando e tem um gap no guarda-roupa nesse momento. Então, nesse sentido, estou bastante otimista. Pode ser um momento bom para a moda. Apesar do macroeconômico não ajudar, o contexto do nosso segmento é positivo e deve ter um resultado melhor.
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