Chegou a vez de investir na revenda de produtos usados?
Um tema até então ausente, de repente foi assunto de três palestras nesta edição da NRF
Um tema até então ausente, de repente foi assunto de três palestras nesta edição da NRF
19 de janeiro de 2023 - 10h25
Quando três palestras principais, de um evento importante como a NRF, tocam no mesmo tema, a gente deve parar e prestar atenção. Sob o risco de estarmos falando de algo que venha a sumir no ano seguinte (que nem o metaverso), o tópico de revender produtos usados apareceu na segunda-feira em uma palestra sobre revender itens do segmento de luxo, e em outras duas no último dia.
Uma versava sobre como executar e escalar uma estratégia de revenda, algo mais técnico/operacional, já indo ao ponto do como fazer isso funcionar na prática. A melhor delas, na minha humilde opinião, foi uma que debatia se haveriam impactos positivos em se fazer revenda de produtos lado a lado com produtos novos, em lojas já existentes, efetivamente aumentando o tráfego na loja física, apresentado pelo mago dos slides Lee Peterson, da WD Partners.
Ele apresentou uma pesquisa profunda a respeito do tema (que você pode baixar aqui: Can resale increase foot traffic in stores?), que continham dados que parecem suportar a tese de que, sim, os consumidores estão cada vez mais interessados na ideia de comprar produtos usados. E quanto mais eu pensava a respeito, mais sentido fazia. Vejamos…
Faz sentido quando olhamos do ângulo de preservação do meio ambiente, de redução de desperdício, uma agenda ecológica portanto. Faz sentido do ponto de vista econômico, pois se traduz em preços menores para o consumidor – inclusive, 74% dos entrevistados pela pesquisa apontaram “preço” como principal fator de compra – e portanto, aumenta o acesso de produtos por camadas menos privilegiadas da população, tão comprimidas em tempos de inflação mais alta, então, uma agenda também social.
E faz sentido pois se trata de uma atividade do core business do varejo, vender produtos! Ou seja, temos aqui o que, aparentemente, é a conjunção ideal. Está alinhado com o propósito do negócio, está 100% em linha com a tão famigerada agenda ESG, cobrada pelos clientes das empresas. E existem benefícios reais para o consumidor, traduzidos em preços menores!
Ademais, não estamos falando de adotar práticas ESG só para dar um “check” em um item na lista de obrigações, e sim fazer algo genuinamente conectado com o propósito do negócio do varejo.
Indo além, há um elemento de experiência de loja e de geração de tráfego. Esses itens têm que ser descobertos, ou seja, o consumidor tem que ir à loja física para “encontrar” o que está disponível para ser comprado, dado que os itens são diferentes entre si e não padronizados. Isso por si só gera tráfego, excitação e uma nova razão de ir à loja.
Junto de Lee estava Seana Strawn, da IKEA USA, que implantou um projeto real, e explicou que os clientes que vão à loja buscando itens de revenda saem da loja com itens novos também na sua cesta de compras – e com cestas maiores que clientes que não compram itens de revenda.
Por tudo isso – é essencialmente varejo, é ESG, tem ganho direto pro consumidor, agrega na experiência de loja, gera tráfego, aumenta ticket médio – que faço uma modesta aposta que essa tendência tem boas chances de ir para a frente.
Voltando para a pesquisa da WD Partners, quando perguntados com que frequência compram, vendem ou trocam produtos usados, a resposta chama a atenção. 71% responderam que uma vez ao mês e 38% uma vez na semana! Você consegue imaginar pelo menos uma compra ou uma “passeada” do cliente na sua loja uma vez na semana?! E com a visão da Seana, de que eles saem com sacolas mais cheias e com itens novos. Uau!
No Brasil, os dados da ferramenta de buscas do Google mostram um aumento de 572% nas pesquisas por peças de “segunda mão” (usadas) entre os primeiros semestres de 2019 e 2022. E voltando um pouquinho no tempo, o Sebrae levantou na base da Receita Federal que houve um aumento de 48,5% no número de lojas que vendem produtos usados no primeiro semestre de 2021, em relação ao mesmo período de 2020. Ou seja, é uma tendência que vem crescendo, silenciosamente, entre os brasileiros também.
No YouTube e no Instagram, também cresce o número de publicações de blogueiras com os “looks do dia” que, quando perguntadas “de onde é tal peça”, a resposta é: brechó! E aí como fazer para achar uma peça igual? Talvez a oportunidade e um grande chamariz para essa tendência seja justamente a exclusividade em meio a um mundo com muito “mais do mesmo”. E não podemos restringir à moda: o número de eletrônicos e itens para casa que são vendidos em lojas de itens usados também são altos, afinal, pequenos defeitos são compensados por um preço mais acessível.
Na palestra do Lee ele foi categórico: não é porque nós não percebemos antes que não está acontecendo. Os clientes já estão comprando, já estão querendo. Falta apenas o varejo perceber e começar a vender, e a escalar. A concorrência nessa categoria ainda é muito amadora. Há um espaço e uma oportunidade enorme para aquelas marcas que saírem na frente!
Portanto, deixo aí a provocação: talvez tenha chegado a hora e a vez de investir na revenda de produtos usados! Mas, claro, logo já me vem à cabeça vários desafios: Como vamos dar entrada no estoque desses itens? A gente vai fazer nota de compra de pessoas físicas? Como fica o cadastro? E o SPED? Diversões que só quem vive no Brasil consegue imaginar. Mas esse é o desafio de ser Varejo na terra de Cabral. Nesse sentido, conte comigo para ajudar onde puder. Estamos juntos!
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