De volta para o futuro? Não! De volta ao básico!
Reflexões da NRF sobre ser preciso redefinir o básico no Varejo
Reflexões da NRF sobre ser preciso redefinir o básico no Varejo
17 de janeiro de 2024 - 13h34
E começou mais uma NRF! Não depois, mas durante um longo e tenebroso inverno, acontece a maior feira de varejo do mundo, agora na sua 113ª edição. Isso mesmo, fazem cento e treze anos que a NRF organiza uma feira de varejo.
Naquela época, em prol da precisão histórica, era uma reunião dos seus membros, e o nome era NRDGA – National Retail Dry Goods Association. Numa tradução (muito) livre: Associação Nacional dos Varejistas de Artigos Secos. Mas, na minha cabeça, eu adoro imaginar que, se fosse no Brasil ou em Portugal, ela teria sido chamada de “Associação Nacional dos Varejistas de Secos e Molhados”. Enfim, estou divagando…
É um evento modesto (#sqn), algo em torno de (mais de) 40.000 pessoas, dos quais a maior nacionalidade presente, depois dos americanos, são os brasileiros. É isso mesmo: a única língua que tem tradução simultânea em todas as palestras, é o português do Brasil. Algumas línguas nem sempre tem tradução disponível como, pasmem, o espanhol.
Mas apesar de toda essa grandeza, só consigo imaginar o que acharia um varejista viajante do tempo, que tivesse participado da reunião dos membros da NRDGA em 1911 e que estivesse hoje no Javits Convention Center – o pavilhão de exposições onde o evento acontece.
Minha imaginação se atiça não pelo fato de tanta maravilha tecnológica que ele veria. Para isso, ele não precisava ser um varejista para se impressionar. Qualquer viajante do tempo tomaria esse susto. Porém um varejista, em particular, teria uma surpresa de uma diferente ordem ao ouvir: “Back to the Basics!”, ou seja, voltemos ao básico.
É importante destacar que o básico aqui é sinônimo de “fazer com excelência” e usando a tecnologia a favor. Às vezes a gente se perde entre as ferramentas e os objetivos. Achamos que a tecnologia por si só vai trazer resultados, quando na verdade, ela é só um meio de fazer de forma escalável e repetitiva um bom processo. Mas, se você não tem bons processos e não tem boa execução, você só vai automatizar a bagunça.
Na conversa da Michelle Evans, da Euromonitor, com Ian Bailey, presidente da Kmart Austrália – uma rede de supermercados que virou uma força, fazendo exatamente isso: excelente execução –, eles falaram sobre muita coisa básica, como por exemplo como buscar baixar os preços para o consumidor fez com que eles crescessem em receita.
Na verdade, a Kmart Austrália foca em reduzir o ticket médio por item e, com isso, ganha em PA (peças por atendimento, ou de forma simples, quantos itens tem numa mesma compra), aumentando o ticket médio por cliente. Os clientes amam que os preços baixam e recompensam a loja comprando mais coisas lá. Ao invés de fazer como todos os outros vinham fazendo, aumentando o ticket médio sem aumentar o número de itens na cesta, ou seja, só aumentar o preço. Benefício nenhum para o consumidor.
Também falaram sobre como gerenciar o sortimento de produtos e sair de certas categorias caso você não consiga executá-las bem. Como exemplo, Bailey mencionou como eles pararam de vender TVs, pois a margem era muito baixa, o produto ocupava uma metragem da loja muito grande e ele percebeu que nunca seria número 1 ou 2 nessa categoria, deixando o mercado para quem sabe fazer. O impacto na receita era importante, mas na margem foi melhor, e assim ele usou o espaço disponível na loja para melhorar nas categorias-chave, aumentando a profundidade de sortimento. Em resumo, fazer menos, mas fazer bem feito as coisas que você sabe fazer.
E eles foram tão bem que as suas marcas próprias não só viraram 85% das vendas em suas lojas, como chegaram a ponto de licenciarem seus produtos para outras empresas venderem em regiões diferentes da Austrália. Ele citou um exemplo fantástico de uma linha de brinquedos de madeira que foram licenciados para a Mattel vender nos EUA. Sim, a empresa que faz a Barbie! Você nunca imaginaria que um varejo ia executar manufatura melhor que uma outra indústria, né? Mas aqui estamos, com uma execução tão boa, que acho que precisamos criar o conceito de DTC (Direct To Consumer) reverso. Ou seja, o varejo foi para a indústria e passou a vender por atacado. Um DTS talvez, Direct-To-Supply – direto para a indústria?
E para reforçar ainda mais o ponto de fazer o básico bem feito, ouvimos do Lee Peterson, da WD Partners, a necessidade das lojas físicas se preocuparem com a “vibe”, ou seja, no que o ambiente transmite de sensações e emoções para o cliente. E o ponto dele é fantástico: as lojas físicas evoluíram para acompanhar digital, mas como tudo na vida, requer equilíbrio. E-commerce não trabalha orientado a emoções, mas sim à eficiência no processo de compra. Clique, clique, clique, pagou e saiu. Tudo muito rápido e prático. Mas, se as lojas físicas seguirem somente esse caminho, tentando reproduzir o nível de produtividade do site, vão perder feio – e já estão perdendo. É preciso voltar ao básico também nas lojas, usando o espaço físico e a presença humana em favor da experiência do cliente.
Um exemplo que ele mostrou é a loja da YETI, que vende coolers. A marca investiu em um ambiente que tem um bar e toda uma harmonização que combina com as experiências que a pessoa vai ter com o seu cooler. Outro exemplo é a Los Poblanos, do Novo México, que investiu tanto no ambiente, que descaracterizou um supermercado e uma farmácia padrão, incentivando e engajando a ida dos clientes até lá. O sentimento é de estar numa outra experiência. Tão bonito e agradável que dá vontade de ir várias e várias vezes. E aí está, propósito, conexão com o cliente, afirmação da marca.
Me bateu muito forte quando ele disse: “Qual foi a última vez que você se preocupou com a escolha da música do sistema de som da sua loja?”. Olha que pérola! Antes o varejista se preocupava até mesmo com a música. E quando falamos de “básico”, não há nada mais básico do que a escolha da música para criar na loja um ambiente que conecta e engaja o cliente. A tecnologia aqui envolvida foi inventada há mais de 100 anos, por um físico italiano chamado Marconi, e se chama rádio…
Não me entenda mal. A loja tem que fazer o básico também no digital: clique e retira na loja; prateleira infinita, ou seja, vender na loja todo o estoque da empresa, mesmo se estiver em outra loja ou no site; autoatendimento, para aquelas situações em que o cliente está com pressa e não quer falar com ninguém. Mas ao fazer isso, sim eficiente, não podemos esquecer que a loja tem um papel muito mais nobre, de contato, de conexão, trazendo para os consumidores a clareza de que é uma empresa e um negócio, mas por trás dele, estão humanos que também buscam essa conexão. A gente ia na loja e ficava amigo do dono. Essa conexão foi perdida, e só a loja física pode resgatar isso.
Claro que tem tecnologia, inovação e IA. Mencionado em quase metade dos títulos de palestras (e me deu um dejà vu tremendo do metaverso em 2022), a tal da inteligência artificial, especialmente a generativa, está em todo lugar. Mas, esse assunto fica para um próximo artigo.
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