O impacto da “taxa da blusinhas” e o efeito Trump no varejo
Avanço em taxações de produtos internacionais aproxima realidade brasileira e norte-americana em uma resposta à escalada das plataformas cross-border
Avanço em taxações de produtos internacionais aproxima realidade brasileira e norte-americana em uma resposta à escalada das plataformas cross-border
Giovana Oréfice e Taís Farias
12 de janeiro de 2025 - 6h00
No fim de novembro, a Receita Federal divulgou dados sobre os primeiros meses de vigência da taxação de compras internacionais até US$ 50, a “taxa das blusinhas”. De acordo com o órgão, a ação provocou uma queda de 40% nas importações de produtos nessa faixa de valor. Em três meses, a taxa das blusinhas teria rendido R$ 533 milhões para o Governo Federal. Se esse patamar for mantido, a arrecadação deve ser superior a R$ 2 bilhões por ano.
No Brasil, até agosto do ano passado, as compras internacionais eram isentas de taxas para clientes de empresas participantes do Remessa Conforme, programa da Receita Federal, que contava com empresas como a Amazon, Shopee e Shein. Esse cenário mudou a partir do Projeto de Lei 914/2024, sobre Mobilidade Verde e Inovação, mas que continha por meio de uma emenda a iniciativa que ficou conhecido popularmente como “taxa das blusinhas”.
A medida prevê a taxação de 20% sobre compras internacionais de até US$ 50, cerca de R$ 300. Quando a proposta foi oficializada pela Câmara dos Deputados, no final de maio, diversos marketplaces se manifestaram contra a decisão, alegando retrocesso e desestímulo ao investimento internacional. Outros, porém, defenderam a proposta. O Projeto foi aprovado pelo Senado Federal, a Câmara dos Deputados e, no fim de junho, recebeu sanção presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva.
O mercado brasileiro não é o único a ser desafiado pela dinâmica das plataformas cross-border, operações que atravessam fronteiras. Durante a corrida eleitoral nos Estados Unidos, uma das propostas apresentadas pelo, agora eleito, Donald Trump dizia respeito às tarifas em importações no país. Em uma tentativa de intensificar a guerra comercial entre EUA e China, ele declarou seu desejo de impor uma taxa de 10% ou 20% sobre todas as importações no país e criar uma taxa específica para produtos chineses de 60% a 100%.
A National Retail Federation, associação responsável pela NRF Big Show, divulgou um estudo sobre o impacto das tarifas universais de Trump, caso aprovadas. Segundo o relatório, os consumidores norte-americanos poderiam perder entre US$ 46 bilhões e US$ 78 bilhões em poder de compra a cada ano com as novas tarifas sobre importações.
Embora os fabricantes estadunidenses fossem beneficiados, o estudo defende que os ganhos para os produtores e para o Tesouro com a receita tarifária não superariam as perdas gerais para os consumidores e que famílias de baixa renda seriam especialmente afetadas. No setor de vestuário, por exemplo, os consumidores pagariam de US$ 13,9 bilhões a US$ 24 bilhões a mais nos produtos.
Há, no entanto, outras análises sobre o possível impacto da medida no varejo. “Pode ser que isso impacte o mercado norte-americano, ainda que a diferença de preço do produto fabricado na China para o produto fabricado nos Estados Unidos ou na Europa seja muito grande. Então, isso vai gerar muito mais caixa para o governo americano do que, obrigatoriamente, ser danoso para as exportações chinesas. Até porque o câmbio na China é controlado”, aponta Roberto Kanter, economista e professor de MBAs da FGV.
Nesse sentido, o governo chinês poderia desvalorizar sua moeda para driblar o aumento tarifário. Em novembro do ano passado, já antevendo um possível aumento nas tarifas, as exportações da China para os Estados Unidos aumentaram 7% chegando a US$ 312 bilhões, segundo a administração alfandegária. Dada a dimensão do mercado norte-americano e da produção chinesa, uma mudança nessa dinâmica não afetaria apenas as suas economias.
“Se os EUA promoverão políticas que dificultam as importações, quem exportava para lá, ao perder parte do mercado americano, buscará outros países para desovar a produção. O Brasil é um dos primeiros da lista, quer pelas dezenas de tratados assinados com a China no recente evento do G20, no Rio de Janeiro, quer pela evolução dos investimentos chineses no Brasil, há anos”, defende Jorge Gonçalves Filho, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV). Nesse sentido, o tamanho do impacto no mercado interno dependeria das políticas adotadas pelo governo brasileiro.
Para Eduardo Yamashita, diretor de operações da Gouvêa Ecosystem, uma mudança no modelo norte-americano resultaria em um cenário parecido com o brasileiro. “De saída, esperamos uma redução desse fluxo de cross-border. Definitivamente, não vai acabar. Até pelo tamanho do sortimento, variedade, competitividade de preços, mesmo com impostos. Mas ele tende, sim, a desincentivar esse consumo. Uma vez desincentivado, é claro que o consumidor passa a dar preferência para o consumo local, assim como tem acontecido aqui no Brasil”, explica.
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