Desafios e transformação: qual o cenário do varejo no Brasil?
Enquanto a economia cria uma sombra sobre o varejo, companhias assumem o desafio de levar para a estrutura as mudanças no comportamento, canais e jornadas
Enquanto a economia cria uma sombra sobre o varejo, companhias assumem o desafio de levar para a estrutura as mudanças no comportamento, canais e jornadas
Taís Farias
13 de janeiro de 2024 - 6h00
Enquanto os executivos brasileiros vão à Retail’s Big Show, em Nova York, buscando se blindar com as principais tendências do setor e encontrar um norte para o consumo em tempos tão complexos, o cenário do varejo – e do consumo – no Brasil é, no mínimo, desafiador.
Ao longo de 2023, não foram poucas as manchetes que estamparam uma crise no setor e em alguns de seus players. As explicações para esse cenário são muitas, mas partem de uma raiz comum: a economia.
Para Alberto Serrentino, conselheiro e fundador da Varese Retail, o principal ofensor do varejo ao longo do último período foi a taxa de juros, termo que define a remuneração cobrada pelo empréstimo de dinheiro. Se em 2022, o aumento da taxa foi gradativo, 2023 já começou com juros altos. Em paralelo, a inflação, aumento contínuo dos bens e serviços, caiu impedindo os varejistas de repassar a pressão para os preços.
“Isso tem um efeito perverso múltiplo porque, em primeiro lugar, sufoca a demanda. No Brasil, se consome quase tudo a crédito e uma subida nos juros, como a que nós tivemos, provoca um encurtamento de prazos, aumento de valor de parcela, encarecimento do crédito, seja ele explícito ou embutido nos preços, maior rigor na construção de crédito, que acaba gerando perda de vendas”, explica Serrentino.
Do outro lado, as empresas também vêm sofrendo com as despesas financeiras e, por isso, fazendo um enorme esforço para aumentar vendas e melhorar resultados operacionais. Esse aperto nas contas levou a um contingenciamento de investimentos. Inclusive, em áreas tidas como estratégicas, como experiência, comunicação e digital.
O cenário, daqui para frente, é de um otimismo moderado. A espera é por uma manutenção dos indicadores positivos, queda na taxa de juros e que a renda disponível volte a crescer, mas com a certeza de isso acontecerá gradativamente. O resultado são empresas mais realistas ou cautelosas com os seus orçamentos.
Junto a economia, outros fatores trouxeram nuvens para o horizonte do varejo brasileiro. No último ano, grandes players do cenário nacional passaram por crises financeiras e de reputação. Dois exemplos emblemáticos são, primeiro, a Americanas que comunicou ao mercado a identificação de inconsistências contábeis avaliadas em cerca de R$ 20 bilhões. No fim de dezembro a companhia teve plano de recuperação judicial aprovado em Assembleia Geral de Credores. No universo do vestuário, credores da Lojas Marisa entraram na Justiça para pedir pela falência da companhia por dívidas que ultrapassariam os R$ 500 milhões.
Fatos como esses alimentam uma sensação de crise ainda que o efeito direto não atinja, necessariamente, o consumo no ponto de venda. “Pega muito mais em você conseguir crédito no banco, do que no consumidor final”, aborda Eduardo Yamashita, diretor de operações da Gouvêa Ecosystem. Ao mesmo tempo, algumas ameaças cruzaram oceanos e o mercado brasileiro assistiu o crescimento em relevância da presença de players estrangeiros e, especialmente asiáticos, como Shein, Shopee e AliExpress.
Os analistas explicam que esse fenômeno denominado como e-commerce cross border – ou seja, que cruza fronteiras – afeta não só o Brasil, mas todo o mundo. Outros mercados, como o norte-americano, também vêm sentindo a investida das plataformas chinesas. Essa percepção, assim como as diferenças no tratamento tributário, está acelerando conversas sobre regulamentação.
Mas essa seria só uma gota no oceano de mudanças criado a partir da pandemia. “O contexto está absolutamente complexo à ponto de as empresas não conseguirem entender mais o cenário competitivo em torno delas. Você não vê o seu consumidor indo embora”, relata Yamashita. Nas análises da Gouvêa Ecosystem, isso tem sido chamado de meta concorrência, um dos elementos dessa nova configuração de mercado.
O executivo explica que a pandemia representou uma mudança global no comportamento de consumo. Mas, cada região e economia, transfigurou isso em um comportamento específico. Enquanto o varejo norte-americano teria se fortalecido, o desafio brasileiro é entender o que seria o smart consumer. Um consumidor focado em escolhas que tenham melhor custo-benefício e que repriorizou marcas e canais, um reflexo do encurtamento dos bolsos e da digitalização.
“O que há um consenso de mercado que todo mundo entendeu que o consumidor é digitalizado e quer ser atendido onde preferir. A integração completa dessa estrutura é o caminho que os vencedores estão trilhando”, defende o diretor de operações.
O cliente, por sua vez, se tornou mais omnicanal e maduro digitalmente. Está usando novas ferramentas e se acostumou a intercalar e integrar canais de venda em sua jornada, o que muitas companhias ainda sofrem para acompanhar.
“Agora, há uma certa acomodação na qual as vendas digitais, desde o ano passado, não estão mais crescendo de forma agressiva. Mas isso não é um fator de comportamento de consumo, de hábitos ou de demanda. É muito mais um maior conservadorismo e racionalidade por parte do varejo nas políticas comerciais e uma busca por crescimento sustentável e vendas lucrativas. Não há mais uma agressividade muito grande nas vendas digitais para buscar clientes novos e vender a qualquer preço. Isso, obviamente, tira uma parte do apelo, mas a penetração digital estabilizou em um patamar muito superior ao que nós tínhamos antes da pandemia”, explica Serrentino.
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