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Olimpíadas

A segunda pele dos atletas

Mesmo sob restrições do COI, marcas dos fabricantes de artigos esportivos também têm seu momento de brilhar


23 de agosto de 2016 - 12h45

Lançamento Uniformes Olympikus (2)

Olympikus vestiu os times de vôlei e vôlei de praia (crédito: divulgação)

Por Roseani Rocha

Ainda que dedicação e talento sejam os fatores fundamentais para o bom desempenho de um atleta, os materiais esportivos também podem ser determinantes para os resultados conquistados. Por isso, nas Olimpíadas brilham não apenas as marcas dos patrocinadores, como também as dos fabricantes de roupas, calçados e outros itens esportivos que vestem os atletas a cada edição. A diferença é que esses têm uma política rigorosa a seguir estabelecida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI).

Um caso que ficou conhecido na Adidas como “O milagre de Berna” ilustra a importância de um equipamento adequado. Na Copa de 1954, a Alemanha, depois de ter perdido para a Hungria na fase de grupos, reencontrou o adversário na final. A seleção alemã estava perdendo de dois a zero uma partida realizada sob chuva forte, condições em que os atletas mal conseguem se movimentar adequadamente. Mas o fato de a Adidas já ter desenvolvido chuteiras às quais poderiam ser colocadas travas, dando mais estabilidade aos jogadores, foi determinante para a virada do jogo, vencido pela equipe alemã por três a dois.

A história foi retomada por Paulo Zillioto, diretor de conteúdo da Adidas Brasil, para mostrar que o investimento em novas tecnologias é constante na companhia há muito tempo. Na Rio 2016, duas tecnologias foram colocadas em evidência, a Boost, sistema de amortecimento que começou a ser usado em calçados para corridas e, depois, levado a todos os esportes (atletas de tênis e basquete, por exemplo, utilizam); e AdZero, cujo foco é velocidade e é caracterizada por tênis superleves, utilizados por maratonistas e competidores de atletismo. Segundo a Adidas, Boost foi revolucionária, oferecendo o maior retorno de energia da indústria da corrida. “Apesar de não ser patrocinadora dos Jogos, a Adidas é a marca que está envolvida em mais esportes”, afirma Zillioto.

Os centros de pesquisa & desenvolvimento (P&D) da Adidas ficam na Alemanha e em Portland (EUA), mas alguns projetos também acontecem no Brasil. Ainda que um protótipo tenha sido feito na matriz, testes sempre são feitos com atletas do mundo inteiro, garante o executivo. Embora não divulgue números específicos, os calçados recebem o maior aporte de investimento, inclusive por sua diversidade de modelos e necessidades a atender — há atletas de pentatlo que chegam a usar sete calçados diferentes numa prova, por exemplo.

Os atributos dos produtos costumam ser comunicados e detalhados em redes sociais e, de modo mais prático, em eventos nos quais os atletas podem experimentá-los, além das Run Bases, estações nas quais corredores podem pegar emprestados os calçados para experimentar. A visibilidade dos produtos no período olímpico levou a Adidas a revisar para cima sua expectativa de faturamento. Ainda assim, Zillioto considera mais importante o legado e atitude de marca do que o resultado financeiro.

Cidade das Artes, Rio de Janeiro. Rio2016. Photo: Rogério von Krüger for TLC

Todos os produtos da Puma relacionados ao astro jamaicano do atletismo Usain Bolt estão esgotados no mercado brasileiro (crédito: divulgação/Rogério von Krüger)

No caso da Puma, a empresa cresceu 13% no último trimestre e suas receitas vêm aumentando globalmente. Todos os produtos relacionados ao velocista Usain Bolt estão esgotados no Brasil. “Ele tem uma linha específica de roupas casuais, camisetas, tudo está nas lojas. Estamos tentando atender novos pedidos. Essa é uma maneira legal de estar nos Jogos, não apenas com a camisa de uma seleção, mas de um ídolo”, avalia Fabio Kadow, head de marketing da Puma. Como a Adidas, a Puma possui centros de P&D na Alemanha e Estados Unidos, mas também realiza meetings globais a cada trimestre. No momento, a coleção do segundo semestre de 2017 é a que está sendo elaborada.

Na Rio 2016, duas tecnologias da marca estão sendo testadas na prática nas competições. A Disc, de sapatilha sem cadarço, usada por alguns atletas, como o canadense medalha de bronze dos 100m rasos, Andre de Grasse, é uma delas. Neste caso, a ordem foi invertida: em geral, tecnologias desenvolvidas para profissionais chegam depois ao consumidor comum, mas Disc foi um projeto criado para o público em geral que acabou indo parar num pódio olímpico. Já a Ignite Duo mescla duas tecnologias no solado: a parte de trás para amortecimento e a da frente para propiciar flexibilidade.

“São muitas as restrições do COI, mas estamos respeitando todas”, afirma Kadow, em relação às possibilidades de exibição da marca. Entre as restrições impostas pelo Comitê Olímpico estão o tamanho do logotipo nos uniformes e calçados, e a proibição de publicidade envolvendo atletas olímpicos. Todas as peças publicitárias com o ícone Usain Bolt, por exemplo, estão suspensas no período de blackout de marcas, que termina nesta terça-feira, 23. Embora o atletismo seja o carro-chefe da Puma, a marca também investe em futebol (patrocina sete atletas da seleção feminina do Brasil).

A excelência do produto influencia até a comunicação, lembra Kadow. “Quando o produto entrega, nossa história no marketing fica verdadeira e sustentável. Como nossos produtos têm crescido em inovação e design, fico mais tranquilo no meu trabalho de comunicação”, diz. Embora pregue um marketing 360°, ele ressalta o digital como plataforma para customizar a conversa com o consumidor.

A americana Nike também usa eventos importantes para os esportes, como os Jogos, como palco para o lançamento de “grandes evoluções tecnológicas”. Henry Rabello, vice-presidente de marketing e gerente-geral de Olimpíadas da Nike do Brasil, também valoriza que essas sejam levadas rapidamente para os consumidores em geral. Cita como exemplos os calçados Unlimited Colorway, descritos por ele como “a cor que veste os pés dos atletas Nike”; a Flyknit, presente em diferentes modelos de calçado, de sapatilhas de atletismo aos de basquete e corrida; e até mesmo as jaquetas que os atletas usam no pódio. “O objetivo é motivar e inspirar as pessoas a praticarem esporte, terem uma vida mais ativa e quebrarem seus limites e fazerem desta a temporada mais ativa de todos os tempos”, afirma.

Felix Ximenes, diretor de comunicação da Nike Brasil, acrescenta às citadas por Rabello as tecnologias usadas nos uniformes dos atletas, como a Aeroswift — para futebol, basquete e atletismo — e Aeroblades (presente em áreas estratégicas dos uniformes de atletismo, diminui o atrito com o ar, ajudando a aumentar a velocidade). “Os grandes momentos esportivos inspiram as pessoas a se superarem e a iniciarem a prática de uma atividade física. A Olimpíada é o maior evento esportivo do planeta e não há momento melhor para trazer inovação e inspiração para os atletas em todo o mundo. E, para nós, se você tem um corpo, você é um atleta”, defende Ximenes.

A Nike não divulga seus investimentos em pesquisa, mas o tamanho da empresa e o tipo de tecnologias que utiliza no Nike Sports Research Lab (NSRL) deixam claro que não é pouco. No NSRL, o foco é colocado em biomecânica, fisiologia, percepção e desempenho atlético. Para isso, cientistas, engenheiros e designers, ao lidar com atletas de ponta, utilizam recursos como captura de movimentos 3D e câmaras ambientais (lugares que reproduzem atmosferas de temperaturas extremas). O laboratório foi fundado em 1980 em Exeter (New Hampshire), mas migrou para a sede mundial da Nike, em Beaverton (Oregon), onde ocupa 16 mil metros quadrados.

Apostando em modalidades como futebol, futebol americano, atletismo, corrida, basquete, beisebol, hóquei, skate, golfe e tênis, a Nike afirma que não existe uma na qual invista mais. Tudo é visto de forma integrada, com objetivo de fazer com que o atleta, não importa em qual modalidade, atinja o melhor desempenho. O consumidor — seja um atleta profissional, seja amador – é considerado o termômetro das ações da companhia, o que leva a marca a estabelecer tanto quanto possível um relacionamento mais personalizado. O melhor canal para comunicar os atributos de performance dos produtos é, segundo Ximenes, o próprio desempenho do atleta.

Paul Miles, head de marketing global da Asics, conta que a marca não lançou nada específico para os Jogos, por não ser patrocinadora do evento. Um lançamento específico poderia ser considerado marketing de emboscada. “Não há lançamentos agora, respeitamos as regras olímpicas e não faremos nada que possa ser associado a ambush marketing. O espírito das Olimpíadas tem de ser respeitado. Esperamos o mesmo de nossos concorrentes em Tóquio. Há um respeito mútuo e por conta disso nenhuma ativação de produtos está sendo feita aqui”, afirma o executivo da marca que estará entre os patrocinadores oficiais dos Jogos Tóquio 2020.

Participar da Rio 2016, segundo o executivo, atende mais a propósitos como avaliar o que as marcas têm feito, especialmente em ativações de marketing, e ter insights para 2020. Olimpíadas são consideradas grandes plataformas de lançamentos de novas tecnologias e inovação, mas a marca, obviamente, não promove novidades apenas de quatro em quatro anos. “Como fazer o melhor tênis de corrida para quem corre em Copacabana? É uma evolução constante”, pontua.

No entanto, ele não deixa de destacar que a Asics possui tecnologias como Gel e FlyteFoam, esta última lançada no ano passado, um investimento “grandioso” para trazer ao atleta a sensação de velocidade. Em calçados, os últimos lançamentos foram feitos este mês: Dynaflyte e Quantum 360 CM. Cem colaboradores atuam no Instituto de Ciências esportivas da marca em Kobe (Japão) e é de lá que saem as novidades. A Asics patrocina 199 atletas que competiram nos Jogos, além de três comitês olímpicos nacionais — Japão, Holanda e Uruguai — e também fornece material para Mongólia e Filipinas.

Rafaela Silva, medalhista de ouro no judô, e seu quimono da Mizuno

Rafaela Silva, medalhista de ouro no judô, e seu quimono da Mizuno (crédito: divulgação/lara Monsores/CBJ)

A cada edição da Olimpíada, a Mizuno lança uma coleção chamada Golden. Este ano, chegaram ao mercado o Creation (na cor dourada, para corredores), Prophecy e uma nova versão do Última. A coleção Golden Runners é feita em edição limitada, com um logotipo especial para o evento. Todos usam a tecnologia Wave de amortecimento, que está completando 20 anos, mas passa por melhorias a cada ano. A Mizuno global, segundo Fernando Beer, diretor de artigos esportivos da companhia, participou da Rio 2016 com mais de 160 atletas, em modalidades como vôlei, atletismo, esportes aquáticos, ginástica, futebol e tênis de mesa. No Brasil, também patrocina a Confederação Brasileira de Judô (CBJ). Os quimonos da marca são destacados pelo executivo como “os melhores do mundo”, por fatores como a trama do tecido e design dos modelos.

Ele também ressalta o fato de a Mizuno ser a dona do primeiro centro de pesquisa e desenvolvimento de artigos esportivos do mundo, inaugurado em 1938. Além deste, localizado em Osaka (Japão), há um em Portland (EUA) e um na fábrica da Alpargatas, em João Pessoa (PB). “A Mizuno é obcecada por inovação e perfeição. Não vendemos no Brasil, mas o taco de golfe da Mizuno é o melhor do mundo, assim como o de beisebol”, orgulha-se Beer.

Golfe e beisebol são duas modalidades nas quais a Mizuno investe globalmente e mais recentemente incluiu corrida, que, no Brasil — onde atua há 20 anos, por meio de acordo de licenciamento com a Alpargatas —, continua sendo o grande foco. “No Brasil, somos líderes em corrida. Fora do Japão, o principal país é o Brasil”, afirma.

Colocar as pessoas em contato com os produtos, seja nos PDVs seja em eventos é, segundo o executivo, a melhor forma de comunicar seus atributos. A marca promove, por exemplo, a Mizuno Uphill Marathon, maratona de subida, realizada na Serra do Rio do Rastro (SC), com duas opções: 42 km e 25 km (no Desafio Samurai, o atleta pode se inscrever para percorrer as duas). O evento está na quarta edição e abriu 1,2 mil vagas. Por ser realizado em uma das estradas mais bonitas e pela dificuldade que representa, virou até um livro escrito pelo jornalista Erich Beting (Morro Acima – Ed. Máquina do Esporte).

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Equipamento desenvolvido pela empresa (crédito: divulgação)

Bastante conhecida por sua presença na natação, a Speedo também investe em triatlo, corrida de rua e vôlei de praia. Igor de Souza, gerente de marketing da companhia, afirma ter colocado no mercado nesta edição dos Jogos uma nova touca hidrodinâmica. Para ele, comunicar atributos técnicos dos produtos é mais difícil que falar da marca institucionalmente. “Por esta razão, além da tecnologia, nos preocupamos muito com o visual dos produtos para seduzir nossos consumidores”, conta.

Numa Olimpíada, quimonos, camisetas, tênis, biquínis, maiô e até uma touca de natação são todos “traje a rigor”, um rigor técnico que pode, se não determinar, no mínimo contribuir muito com uma vitória.

Duas décadas em quadra
A Olympikus investe cerca de R$ 15 milhões por ano em pesquisa e desenvolvimento de produtos, num trabalho realizado no centro localizado em Parobé (RS), “o maior centro de desenvolvimento do Brasil e da América latina”, nas palavras de Ana Hochscheidt, gerente de marketing da empresa. Na Rio 2016, os produtos em destaque da marca estavam nos corpos dos atletas de vôlei, de quadra e areia, uma vez que a Olympikus é patrocinadora da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) há 19 anos.
Os uniformes oficiais das seleções brasileiras receberam cuidado especial nos tecidos e no design para o qual foi criado um conceito batizado “Big bang”, por ser inspirado na explosão geradora do universo para fazer alusão às estrelas do esporte. “Os uniformes foram um sucesso tanto no vôlei de quadra quanto no de praia”, diz Ana. Tanto que a marca fez acordos especiais de distribuição nas redes Centauro e Bayard, onde colocou à venda uma Coleção Torcedor. Um agasalho também foi feito na mesma estampa e segundo Ana “caiu no gosto da torcida”. Bernardinho, técnico da seleção brasileira masculina, e as jogadoras Ágatha e Bárbara, do vôlei de praia, participaram da campanha publicitária institucional da marca, criada pela Pereira O’Dell e veiculada em canais esportivos da TV paga, antes dos Jogos.

Cartão de visitas
A chinesa 361° afirma que antes mesmo de ter se tornado uma das maiores marcas esportivas da Ásia já estava entre um dos maiores fabricantes de materiais esportivos do mundo. No entanto, há pouco menos de dois anos foi que começou a distribuir os produtos da marca para Europa e América. Nesse contexto, a Rio 2016 é considerada um cartão de visitas da companhia ao Ocidente, selando esse movimento de expansão.
“Apoiar o maior evento esportivo do planeta e vestir da cabeça aos pés mais de cem mil voluntários foi a maneira de demonstrar ao mundo que somos uma potência prestes a competir globalmente com as melhores marcas”, afirma Sérgio Baccaro, diretor de marketing da 361° para a América do Sul. Mas não foram apenas os voluntários que a marca vestiu. Patrocinou as delegações da Grécia e África do Sul, os nadadores chineses Su Yang, Ning Zetao e Ye Shiwen, além da brasileira Graciele Herrmann.
Quando o assunto é inovação, a 361°, cujo centro de P&D fica em Taiwan, ressalta o trabalho feito para calçados. O Qu!kfoam é uma formulação especial de EVA e borracha totalmente encapsulada que gera amortecimento e durabilidade. O recurso começou a ser utilizado em running e agora está em calçados para vôlei e basquete. Baccaro coloca em segundo plano o lado fashion de sua indústria. Antes de vender moda, acredita, uma marca do segmento esportivo vende saúde. Ele atrela esse pensamento à comunicação, concentrada em momentos nos quais o consumidor está em ação. Eventos esportivos e outros locais que juntem muita gente em torno de práticas esportivas são prioridade.
Colaborou Teresa Levin

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