11 de dezembro de 2019 - 17h30
Por Vanessa Gonçalves
A corrida pela tão sonhada medalha de ouro já começou. Os Jogos Olímpicos de Tóquio se iniciam em 24 de julho de 2020, mas as marcas querem começar a colher os louros de uma parceria com possíveis campeões olímpicos o quanto antes. Embora as empresas sonhem com o storytelling perfeito — do atleta que após muito esforço e dedicação é coroado no pódio olímpico —, nem sempre essa parceria dá certo. A culpa? Da emoção. Anderson Gurgel, professor de Marketing Esportivo da Universidade Mackenzie, explica que a emoção, ingrediente principal para as campanhas de marketing, tem duas perspectivas.
“De um lado, tem a emoção que conecta a sentimentos incríveis, do outro, leva a grandes erros. É, definitivamente, um território explosivo”. O motivo é simples. Atletas não são produtos. São pessoas que se propuseram a um processo de competição acirrada, e que demanda uma renúncia muito grande e um dia todo esse esforço pode ir por água abaixo. “A vida de atleta exige muito e coloca muita pressão sobre essas pessoas. Isso, por si só, é um fenômeno explosivo. Um ambiente de emoção não é controlável”, ressalta Gurgel.
Um exemplo clássico é o de Oscar Pistorius. Apelidado de Blade Runner, foi o único atleta paralímpico a competir numa Olimpíada, em Londres 2012, com atletas não deficientes. A história de superação foi apagada em 14 de fevereiro de 2013, quando matou a namorada com quatro tiros. Antes mesmo de ser condenado pelo crime, marcas como Nike e Oakley pularam fora da barca. Como diz o ditado: “amigos, amigos, negócios à parte”.
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E como não relembrar cases de sucesso que foram destruídos pela ruína dos atletas? Lance Armstrong tinha o storytelling perfeito para qualquer marca: após vencer um câncer, conquistou sete vezes consecutivas o Tour de France, entre 1999 e 2005. Aposentou-se, mas voltou às pistas em 2009. Em seu retorno, as acusações de doping o baniram do esporte. E a imagem antes inabalável se transformou em um disco riscado. Novamente a Nike foi a primeira da fila a cancelar os contratos, seguida pela cervejaria Anheuser-Busch e pela fabricante de bicicletas Trek. Processado, em 2018, Armstrong teve de devolver US$ 5 milhões à US Postal, serviço de correios dos Estados Unidos, que patrocinou a equipe do ex-atleta durante seis das sete conquistas no Tour de France e que tinha no contrato uma cláusula antidoping.
Além de reunir a elite esportiva mundial, os Jogos Olímpicos engajam consumidores, marcas e mídia em torno de momentos de frustração e glória. A primeira parte dessa série especial apresenta, em quatro capítulos, há duas edições, os desafios dos anunciantes para ativar o patrocínio, as estratégias dos patrocinadores do Time Brasil, a estreia dos esportes radicais no cenário olímpico e os planos dos veículos para levar a uma audiência multiplataforma todos os detalhes dos Jogos de Tóquio 2020.
Cálculo olímpico
Este componente radioativo da relação entre patrocínio e atletas requer das marcas um cálculo meticuloso para avaliar oportunidades e riscos. A melhor maneira de compreender isso é comparando ao mercado financeiro. “Os maiores ganhos estão nos investimentos com maiores riscos. Investimentos seguros não rendem tanto. As empresas acabam levando isso muito em conta”, explica Anderson Gurgel. No Brasil, aplicam-se dois modelos de patrocínio olímpico. Os pontuais, em que apoio ocorre mais próximo ao evento, e os de longo prazo, que cobrem todo o ciclo olímpico de um determinado esporte ou atleta.
No caso da Havaianas, a parceria com a surfista Tatiana Weston-Webb, que representará o Brasil em Tóquio, aconteceu antes mesmo de a atleta se credenciar para os Jogos, como revela Fernanda Romano, diretora de marketing da Alpargatas. “Estamos conversando com a Tati já há algum tempo. Ela representa muito mais do que uma atleta, vemos nela o potencial para ser uma embaixadora do lifestyle da marca no âmbito global. Queremos, claro, apoiá-la no esporte e sabemos que nossos atletas, especialmente as mulheres, precisam sempre de apoio”.
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Com essa visão, a Havaianas estendeu o patrocínio para outras duas jovens surfistas, Nairê Marquez e Isabelle Nalu. A escolha das atletas respondeu a critérios importantes para a marca, especialmente por ser a primeira vez que Havaianas patrocina atletas globalmente e não como parcerias pontuais, como no passado. “Foi importante entender a verdadeira identificação que elas têm com a personalidade da nossa marca. Esse foi o principal critério. A Havaianas celebra um estilo de vida alegre e descontraído, no qual as pessoas podem ser o que são, fazer o que gostam e se expressar livremente. O surfe em si já representa isso e as meninas que escolhemos reforçam essa mensagem”, pontua Fernanda Romano.
Porém, as apostas olímpicas da Havaianas param por aí. Segundo a diretora de marketing da Alpargatas, o patrocínio de Tatiana Weston-Webb foi uma parceria desenhada há tempos e aconteceria independentemente dos Jogos Olímpicos.
Time grande
Caminho diferente seguem marcas como Petrobras, Ajinomoto e Nissan. A estatal e as outras duas empresas privadas investem no patrocínio de times de atletas na preparação para Tóquio 2020. Desde 2012, a companhia japonesa aposta no Time Nissan 2.0. O projeto tem como objetivo colaborar com a formação de atletas brasileiros, mesclando esportistas em diferentes momentos de carreira, unindo nomes consagrados a jovens promessas. O Time Nissan é formado por 11 atletas de nove modalidades esportivas, além do mentor Clodoaldo Silva, detentor de 14 medalhas em Jogos Paralímpicos. O grupo se divide em seis atletas olímpicos e seis paralímpicos.
No caso da Petrobras, há uma mudança de foco. A estatal que patrocinou seis confederações até a Rio 2016, voltou todas as suas ações para o Time Petrobras, que já existia antes da Olimpíada no Brasil. Com um investimento de R$ 9,8 milhões, a empresa apoia a preparação de 20 atletas olímpicos e cinco paralímpicos. A opção por uma ação de longo prazo tem como propósito “apoiar toda a preparação dos atletas para o ciclo olímpico, incluindo outras competições, como campeonatos mundiais, associando nossa marca aos bons resultados”, diz Aislan Greca, gerente de patrocínio e eventos da empresa.
E os resultados já estão sendo colhidos. Só nos Jogos Pan-Americanos e Parapan-Americanos, em Lima, no Peru, em 2019, o Time Petrobras trouxe para casa 24 medalhas. Ao contrário da Nissan, a escolha dos patrocinados do Time Petrobras teve como parâmetro a busca por atletas de alto rendimento e com perspectiva de bons resultados nos Jogos. “A Petrobras busca associar sua imagem a atributos do esporte como desafio, superação, energia e capacidade técnica”, explica Aislan. E, para representar essas características, é preciso estar no topo.
No caso da Ajinomoto, o apoio vem num formato diferente. Os mais de 20 atletas e paratletas de diversas modalidades que formam o time da empresa receberão suporte nutricional — entre eles, produtos da marca — até o fim dos ciclos olímpico e paralímpico, em dezembro do próximo ano. Priscila Santana, gerente de comunicação da empresa, explica que a opção de patrocínio de longo prazo tem como foco “contribuir tanto para a conquista de melhores resultados em Tóquio pelos atletas brasileiros quanto para a própria evolução do esporte nacional”.
Apresentado em 2 de julho, o Time Ajinomoto é uma extensão do Projeto Vitória, iniciado no Japão, em 2003. Trata-se de uma ação global que oferece suporte nutricional aos esportistas. A contrapartida da parceria é exatamente divulgar a importância do suporte nutricional para o desenvolvimento de um atleta e o conceito Kachimeshi — palavra japonesa que significa nutrição para vencer. Apesar da flexibilização da divulgação de patrocínios pessoais dos atletas, Priscila Santana garante que o foco das parcerias não é a somente a conquista de medalhas, mas essa vitória como “consequência de um processo natural de desenvolvimento”. A parceria da Ajinomoto se estende ao Comitê Olímpico do Brasil (COB), ao Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e à Federação Paulista de Judô.
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Flexibilização de regras
Desde a Olimpíada no Rio, o Comitê Olímpico Internacional (COI) concedeu aos países o poder para decidir sobre a flexibilização do uso da imagem de atletas por patrocinadores não olímpicos, numa importante atualização da Regra 40 da Carta Olímpica, que restringia o uso do nome, imagem ou desempenho esportivo de um atleta, membro da equipe técnica ou outro profissional credenciado durante o período de disputa da Olimpíada em publicidade impressa, televisiva, digital, mídia exterior e redes sociais por empresas que não patrocinassem o evento.
A mudança agora possibilita que as marcas apoiadoras de atletas durante o ciclo olímpico possam exibir publicidade genérica de seus patrocinados. Entretanto, o COB manteve a proibição até o fim da Rio 2016. Manoela Penna, diretora de comunicação e marketing do COB, explica que a medida não foi adotada em 2016 porque ocorreu no meio do ciclo e com alguns compromissos comerciais já fechados. Diante disso, o comitê entendeu que mudar a regra no meio do jogo seria injusto para todas as partes. Com o início do novo ciclo olímpico, o COB viu com bons olhos garantir essa flexibilização.
“Entendemos que isso traz um impacto positivo, na medida em que teremos mais gente falando sobre o esporte olímpico. Traz mais players, ou seja, empresas usando o esporte olímpico como plataforma de comunicação e ativação”, afirma Manoela Penna. A flexibilização da regra 40 não só valoriza o esporte olímpico, como também consegue promover os principais ativos do COB: os atletas.
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Entretanto, o afrouxamento da regra não significa que “liberou geral”. Patrocinadores não olímpicos precisam seguir uma série de recomendações. Miriam D’Agostini, gerente de marketing e eventos do COB, detalha. “Pode ser realizada somente publicidade genérica com atletas patrocinados durante o período da Regra 40. A campanha deve ser veiculada dois meses antes do evento e não deve fazer associação ao movimento olímpico”. Além disso, ela deverá ser submetida à aprovação do COB, além de contar com o aval dos envolvidos na propaganda.
Essa é uma forma de evitar que marcas se associem aos atletas somente na véspera da competição para surfar na onda de um bom desempenho olímpico. É uma forma de incentivar que este apoio seja de longo prazo, favorecendo a preparação dos atletas. Miriam D’Agostini afirma, ainda, que o COI deve divulgar um novo guideline com as regras desta flexibilização e com novidades, acompanhando as mudanças do mercado. “Antigamente não tinha a questão de posts nas redes sociais de atleta agradecendo nada. Hoje, temos de aceitar que os atletas também são uma plataforma de comunicação”.Os posts nas redes sociais estão liberados, mas com uma série de restrições. Nada de mostrar medalhas e instalações olímpicas. Essas campanhas genéricas devem valorizar a relação atleta-marca e não o movimento olímpico. “A ideia é que se tenha uma relação longeva e verdadeira entre marcas e atletas, sem ferir as propriedades olímpicas”, explica Manoela Penna. Antenada a essa mudança, a Petrobras pretende usar e abusar da imagem de seus patrocinados nas redes sociais.
“Possuímos direito de uso de imagem dos atletas. Ativamos o patrocínio ao Time Petrobras por meio das redes sociais, como Instagram, Twitter, Facebook, pelo site especial, em ações com o público interno — como sessões de fotos em visitas de atletas a instalações da companhia, visitas a espaços públicos para autógrafos — e por meio de ações de imprensa, como entrevistas coletivas e exclusivas. Contamos a história de vida dos atletas e suas histórias de superação, que é um atributo ligado à marca Petrobras”, afirma o gerente de patrocínio e eventos da companhia.
Imagem rejuvenescida
Buscando atrair o público jovem e rejuvenescer os Jogos Olímpicos, o COI decidiu incluir cinco novas modalidades esportivas no calendário em 2020. Entram beisebol e softbol (versão feminina do esporte), escalada, karatê, skate e surfe. Anderson Gurgel acredita que essa percepção do COI está diretamente ligada à necessidade de atrair novos players de investimento para a competição.
Marcelo Laguna, jornalista esportivo especialista em esportes olímpicos, compartilha essa opinião. Para ele, trata-se de uma questão estritamente financeira. “Quando você vê o mundo do skate, por exemplo, percebe que toda a engrenagem gira em torno de um universo que gera uma grana impressionante em roupas, calçados e acessórios. O surfe, numa escala menor, a mesma coisa. O COI quer atrair o patrocinador e o público consumidor que tem este dinheiro”.
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Para Laguna, isso pode, inclusive, fazer com que o COI exagere na dose e permita que modalidades como breakdance — que fez sucesso nos Jogos da Juventude — e os e-sports se tornem, em algum momento, esportes olímpicos. Tudo por conta do apelo de marketing que agregam e por trazerem na bagagem novas possibilidades de patrocínios para os Jogos.
Atletas blogueirinhos
Em tempos digitais, não basta ser atleta de ponta e ter chances de pódio em Tóquio 2020. Para conseguir patrocínio é preciso saber se comunicar. E, de preferência, nas redes sociais. A tendência é que as marcas foquem suas atenções nos atletas que aliem as características de desempenho esportivo às de influencer digital.
Se por um lado isso pode beneficiar atletas em sua preparação com apoio financeiro, por outro, pode prejudicar aqueles que não são tão familiarizados com o mundo digital. “Acho que as empresas olham demais para isso em detrimento a atletas que não têm uma boa performance nas redes sociais. Até porque o foco do atleta não é ser social media. Há atletas mais reservados e que têm até melhor desempenho esportivo do que aqueles que vão bem no Instagram”, reflete Laguna.
Priscila Santana, da Ajinomoto, corrobora com essa ideia. “Quanto à popularidade dos atletas na rede, isso é importante para a divulgação dos valores do esporte e como exemplo dos benefícios da adoção do conceito Kachimeshi”. Seguindo essa lógica, o ginasta Arthur Nory desponta como atleta perfeito para as marcas. Recém campeão mundial na barra fixa, chega a Tóquio com chances reais de medalha. E, para melhorar, soma 1,4 milhão de seguidores no Instagram. Prato cheio para as ações de marketing. O atleta faz parte dos times da Petrobras e da Ajinomoto.
Todas as qualidades, porém, foram adquiridas depois de um rebranding da marca Nory. Acusado de racismo em 2015, o atleta ficou suspenso da seleção olímpica, teve a bolsa-atleta cancelada e passou a usar o sobrenome Nory (antes era conhecido como Arthur Mariano). “Nory soube dar a volta por cima. A imagem dele é ótima. E ele sabe falar bem com o público nas redes”, destaca Marcelo Laguna.
Complicados e perfeitinhos
Com a aposentadoria de Usain Bolt e Michael Phelps, pela primeira vez em pelo menos uma década a Olimpíada chega sem um grande destaque masculino como atleta ou figura de marketing. Para Laguna, o grande nome para Tóquio deve ser a ginasta norte-americana Simone Biles. O jornalista também aposta no judoca francês Teddy Riner. Imbatível desde 2010, o grandalhão de 2,04 metros tem tudo para levar mais um ouro para casa.
As promessas brasileiras que podem interessar as marcas são o velocista Paulo André Camilo, que deve se consagrar como primeiro brasileiro a correr os 100 metros rasos abaixo dos 10 segundos, o nadador Bruno Fratus, o atleta do arremesso de peso Darlan Romani, o canoísta Isaquias Queiroz, a judoca Mayra Aguiar, os ginastas Arthur Zanetti e Arthur Nory, as iatistas Martine Grael e Kahena Kunze, a maratonista aquática Ana Marcela Cunha e o mesa tenista Hugo Calderano.
Canoista Isaquias Queiroz é o brasileiro com o maior número de medalhas em uma Olimpíada. O atleta conquistou 2 Pratas e 1 Bronze na Rio 2016
Dos novos esportes, destaque para o surfista Gabriel Medina e os skatistas Pedro Barros e Rayssa Leal. Se conseguir a vaga, Rayssa chegará aos Jogos como atleta de ponta e com apenas 12 anos. Entre os paralímpicos, destaque para o nadador Daniel Dias, que soma 24 medalhas paralímpicas, o lançador de disco Claudiney Batista e o velocista Petrúcio Ferreira.