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50 anos depois e não está tudo bem

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Opinião

50 anos depois e não está tudo bem

Tratar o mundo como se tivesse acabado de começar nos coloca mais perto de repetir os mesmos erros


17 de abril de 2018 - 10h49

Monumento a Martin Luther King, em Washington (Crédito: Andrey Krav/iStock)

A National Geografic acaba de oferecer ao mundo um importante exemplo de compromisso com a transformação de valores e com a construção de um mundo melhor. Em sua mais recente edição, que marcou o início de uma série de reportagens sobre racismo em homenagem aos 50 anos da morte de Martin Luther King, a editora Susan Goldberg apresentou os resultados do trabalho desenvolvido por um time de historiadores contratados com o objetivo de analisar criticamente o conteúdo publicado pela revista desde sua primeira edição e revelar o racismo presente em suas páginas — inicialmente como reflexo da visão predominante no mundo colonialista onde a revista foi criada e, a partir daí, como resultado de uma cultura racista perversa e raramente questionada por seus reprodutores.

Susan Goldberg acredita que reconhecer o passado é necessário para que se estabeleçam laços de confiança e credibilidade com a sociedade. “Isso mostra para as pessoas que você está pensando sobre esses assuntos, que você se importa e quer fazer um trabalho melhor”, afirma, enquanto cria um parâmetro necessário para o surgimento de uma nova consciência a respeito da indústria da comunicação e de seu papel como responsável pela reprodução, legitimação, transformação e construção de valores, cultura e comportamentos sociais.

É verdade, a  segregação era do jeito que era, como disse John Edwin Mason, professor da Universidade da Virgínia, especialista em história da fotografia e da África e responsável pela pesquisa, mas se passaram 130 anos, quase o mesmo tempo que demorou para uma mulher assumir o posto de editora na revista, até a National Geografic perceber a necessidade de olhar para trás, aprender, ganhar consciência de sua autoridade, de seu papel e propor uma prática capaz de apontar uma nova direção.

Tratar o mundo como se ele tivesse acabado de começar, esquecendo de onde viemos e o que fizemos, nos coloca mais perto de repetir os mesmos erros e ninguém precisa disso

Não estamos falando de algo corriqueiro e muito menos banal. É nas atitudes que tomamos que vive a consciência de quem somos, de quem já fomos, de quem podemos ser a partir do que vemos, ouvimos, pensamos, praticamos. Tratar o mundo como se ele tivesse acabado de começar, esquecendo de onde viemos e o que fizemos, nos coloca mais perto de repetir os mesmos erros e ninguém precisa disso.

Não importa que opinião tenhamos sobre o futuro das agências de publicidade, a discussão que está na mesa é sobre o futuro da comunicação, o futuro daquilo que nos informa, nos educa, nos torna capazes de conhecer, avaliar, julgar, reconhecer, acreditar, confiar. Nosso Sistema de Comunicação está em crise há anos e isso inclui o negócio do qual fazemos parte. Sem confiança, não há caminho possível e Susan Goldberg fez o que precisava ser feito ao reconhecer no passado um gatilho de transformação. Para ela, não seria possível falar dos 50 anos da morte de Luther King sem isso.

Somando-se o investimento realizado pelas 30 maiores agências de publicidade brasileiras, sem considerar descontos e negociações, a indústria do marketing e da publicidade investiu R$ 8 bilhões em 2017, segundo a Kantar Ibope Media, na propagação de mensagens, conceitos e comportamentos somente no Brasil. Nenhum grupo educacional, família ou organização não governamental que precise combater qualquer tipo de comportamento destrutivo como preconceitos, padrões e violência gerados ou legitimados pelas mensagens amplificadas por esse investimento ou voltada para a criação e defesa de agendas positivas relacionadas a direitos humanos é páreo para isso — segundo o último senso do Grupo de Institutos e Fundações Empresarias, o total de investimento social de seus associados no Brasil em 2016 foi de R$ 2,9 bilhões.

Sobre o nosso papel, o compromisso com diversidade, equidade, dignidade e respeito representados nos corredores das empresas que compõem a nossa indústria e no resíduo que geramos a partir de cada narrativa de cada marca e propósito transformado em conceito e materializado em embalagens, filmes, apps, influenciadores, cartazes precisa ser colocado na mesa e questionado à luz do poder que já temos consciência de que possuímos e a partir do que já sabemos que somos capazes de fazer.

Não nascemos ontem e isso precisa significar que tivemos tempo de errar, aprender e ganhar a consciência capaz de gerar novos comportamentos. Está na hora de quebrar as egrégoras que nos aprisionam no aparente conforto da repetição. Nesse momento, enquanto vemos crescer em todo o mundo a desconfiança e o medo capazes de nos levar de volta a um tipo desagregador e violento de busca por segurança, nada parece ser mais importante.

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