A apatia não será perdoada
Mudanças comportamentais não são ditadas por governos, mas pelo avanço da sociedade ao longo dos anos
Mudanças comportamentais não são ditadas por governos, mas pelo avanço da sociedade ao longo dos anos
Ao longo da semana, o novo governo começou a ganhar contornos em forma de nomes e indicações das prioridades para áreas estratégicas, como a Economia. Foram confirmados os nomes das equipes de transição e de Paulo Guedes como titular do chamado superministério, criado a partir da junção dos antigos Planejamento, Fazenda e Indústria, Comércio e Serviços. As informações iniciais contraditórias quanto à disposição dos eleitos em tentar a aprovação da reforma da Previdência ainda este ano foram abafadas pelo coro liberal uníssono entoado por Guedes, que parece realmente disposto a comprar as brigas necessárias para colocar em prática o quanto antes seu plano de ação para a retomada do crescimento.
O mercado financeiro até aqui reagiu bem: a sinalização de respeito às contas públicas é um aceno atraente a investidores e pode ser um dos motores da economia, cujo bom desempenho será fiador da influência de Guedes e de sua longevidade no cargo. Os efeitos precisam ser relativamente rápidos, pois parte das medidas seguirá impopular apesar do crédito dado ao novo governo por seus quase 58 milhões de votos.
Outros stakeholders da sociedade seguem em suspense.
O ataque do próximo presidente à Folha de S.Paulo acendeu mais uma vez o alerta quanto à capacidade do mesmo em lidar de forma republicana com outros poderes e opiniões adversas. Sobre os investimentos e iniciativas para as áreas sociais e culturais, que costumam ser relegados a um segundo plano em governos de direita, nada havia sido comentado até o fechamento desta edição impressa, na tarde da quinta-feira, 1o de novembro. São setores sensíveis, nos quais o avanço se dá em gotas, e sua deterioração, aos baldes, como vimos nos anos de recessão que enfrentamos e cujas consequências teremos de lidar pelos próximos anos.
Como esse novo momento do País influenciará a comunicação das empresas, nesse ambiente em que toda bandeira ou causa é logo associada a um dos grupos polarizados em constante peleja? É possível que haja um retrocesso na apropriação e apoio a movimentos por maior diversidade, igualdade em termos de direitos e representatividade, tanto da porta para dentro, em termos de equipe e governança, quanto para fora, em suas relações públicas?
Tema da reportagem de capa desta edição, assinada pela repórter Teresa Levin, o estudo global Edelman Earned Brand apurou quão incisiva deve ser uma marca ao se posicionar.
A pesquisa apontou que 69% dos brasileiros já realizam suas compras por convicção — e podem escolher, trocar ou boicotar uma marca com base em seu posicionamento sobre questões caras à sociedade. É um crescimento de 13 pontos em relação à última edição, publicada em 2017. O estudo revelou também que 51% dos consumidores no País afirmam ter adquirido uma marca pela primeira vez porque se identificaram com o posicionamento dela sobre questões políticas e sociais controversas.
Mudanças comportamentais não são ditadas por governos, mas pelo avanço da sociedade ao longo dos anos. Como influenciadoras e difusoras da cultura de suas épocas, marcas e agências de publicidade têm a responsabilidade de manter tais pautas sob os holofotes, ainda que não seja do agrado de todos. E, ao assumirem seus valores, terão de lidar com o fato de não serem unanimidade — e encontrar um jeito de dialogar com os grupos contrários ou assumir os riscos tão intrínsecos quanto inevitáveis de quando se toma partido.
O que não será perdoado é a apatia.
*Crédito da imagem no topo: Tookapic/Pexels
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