A busca da oferta perfeita
Para a maioria dos mercados e segmentos, as premissas e regras continuam basicamente as mesmas, mas o jogo, definitivamente, mudou de campo
Para a maioria dos mercados e segmentos, as premissas e regras continuam basicamente as mesmas, mas o jogo, definitivamente, mudou de campo
Um dos títulos impressos mais longevos do País foi oficialmente encerrado no final de maio. Após 32 anos de edições contínuas e símbolo da força dos veículos segmentados, a revista Fluir, especializada em surf, deixará de ser publicada. À primeira vista, nada mais paradoxal, pois o esporte que era a razão de Fluir existir finalmente ganhou as massas e está no auge histórico de sua popularidade.
As razões da derrocada ficam mais claras logo no segundo parágrafo desta análise — e dizem respeito a um universo muito mais amplo. A nova audiência interessada nas ondas e em seus ídolos enxerga valor em entregas que as revistas de surf não foram capazes de equiparar em relação às novas plataformas concorrentes que surgiram. Por décadas, as revistas foram a fonte primordial de informação e inspiração, motivando seus leitores a aguardarem ansiosamente por longos 30 dias até a edição seguinte, para conferirem as mais belas imagens das viagens em busca dos picos perfeitos e dos campeonatos do circuito mundial. Hoje, tudo isso está ao alcance de um click no smartphone ou mouse mais próximo, em telas e plataformas ativas e interativas, seja nos programas do canal Off, no app da World Surf League ou nas coberturas da ESPN. Os dilemas das revistas de surf são similares aos de todas as revistas, dos mais diferentes temas e tribos, especialmente as de entretenimento e esportes, cujo público-alvo sempre foram os mais jovens, para os quais o apelo dos vídeos e dos eventos ao vivo fala ainda mais alto. Veja as publicações de música. E as de futebol? Nunca o esporte mais popular do planeta movimentou tanto dinheiro. Mas os veículos periódicos que se dispõem a retratar o mundo da bola já tiveram dias melhores em termos de receitas, tiragens e influência, como as britânicas World Soccer e Four Four Two, a francesa France Football e a nossa estimada Placar.
Tanto sob o aspecto comercial quanto aspiracional, porém, é preciso estender os desafios das revistas a toda mídia impressa, que fez fama e fortuna em uma época na qual a força da oralidade tinha papel fundamental na divulgação dos fatos e fomentação de heróis — um cenário no qual a visão do especialista era ingrediente singular na formação de opinião. Muito da mitologia em torno de grandes estrelas da música e do futebol foi construído dessa maneira. Quantos dos lances épicos de Pelé foram narrados de um torcedor para outro, que, mesmo sem nunca ter assistido a alguns de seus mais belos gols (pois as transmissões pela TV eram artigo escasso), era capaz de descrevê-los de cor e salteado? É uma realidade bem diferente da encarada pela geração que idolatra Messi, Neymar e Cristiano Ronaldo, cujas grandes jogadas são compartilhadas, por milhões, em vídeos cheios de detalhes e ângulos diferentes.
Um recente memorando da direção do New York Times para a equipe do jornal dei xa ainda mais explícito que o elo perdido desta evolução é, sem dúvida, a migração para uma oferta adequada às plataformas digitais. A queda nas barreiras de entrada mudou completamente o ambiente de negócios e os hábitos de consumo de mídia. A concorrência passou, então, a surgir de todos os lados — inclusive dos próprios protagonistas das páginas desses veículos (esportistas, artistas, políticos…) que por meio das redes sociais abriram um canal de contato direto com o público interessado em seus próximos passos. Com a proposta de conceber a redação do futuro de um jornal, o documento do NYT impõe a seus colaboradores o fim das coberturas comoditizadas e estabelece o vídeo como a linguagem mais apropriada para atrair e reter a atenção dos leitores.
Abrindo ainda mais o leque, a essência a mover tais transformações alcança, enfim, um número muito maior de mercados, nos quais as premissas e regras continuam basicamente as mesmas, mas o jogo definitivamente mudou de campo. Como no caso daquela velha pergunta que todo mundo já ouviu um dia, em alguma palestra: se a Blockbuster dominava o aluguel de filmes para consumo doméstico, não seria a empresa mais indicada a investir primeiro nos serviços de vídeo on demand? Pensando bem, não é uma onda muito diferente daquela que as marcas precisam aprender a surfar hoje em dia: a da oferta perfeita para o consumidor contemporâneo — e, sob essa ótica, recomendo a leitura da reportagem assinada por Luiz Gustavo Pacete e Roseani Rocha, publicada a partir da página 18, e do artigo da vicepresidente para a América Latina da WGSN, Letícia Abraham, à página 20.
Compartilhe
Veja também