A chama acesa para o marketing de emboscada
Embora ilegal, a estratégia é usada em todo o mundo e levanta uma série de questões
Embora ilegal, a estratégia é usada em todo o mundo e levanta uma série de questões
Escrito em colaboração com Rodrigo Leal e Ana Leticia Allevato, associados da área de PD & PI do escritório
A prática do marketing de emboscada envolve o uso oportunista para promover produtos e/ou serviços sem investir financeiramente em um evento oficial, que pode ser esportivo, musical ou de outro segmento. Embora ilegal, a estratégia é usada em todo o mundo e levanta uma série de questões que se tornam ainda mais urgentes ao longo dos tradicionais Jogos Olímpicos, este ano realizados em Paris.
Para se ter uma ideia da magnitude, os Jogos Olímpicos deste ano devem gerar um impacto econômico de longo prazo de até €11,1 bilhões, de acordo com um estudo encomendado pelos organizadores dos Jogos. Em maio, o Comitê Organizador divulgou ter ultrapassado a arrecadação de €1,1 bilhão em patrocínios. O Time Brasil entrará no evento esportivo batendo um recorde: são 20 patrocínios oficiais firmados com o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), número 54% maior em relação aos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Diante dessas cifras, não há como negar a relevância do mercado publicitário em grandes eventos – o que evidencia também a necessidade de proteção legal de todos os envolvidos, sejam organizadores, parceiros, atletas ou patrocinadores que fazem altos investimentos esperando os impactos positivos e exposição da sua imagem atrelada aos Jogos. É preciso garantir um ambiente ético mesmo diante da disseminação de novas plataformas de conteúdo e publicidade que tornam muito mais fácil e acessível ações de marketing de emboscada.
A linha tênue do entendimento da lei, portanto, seria a prova da intencionalidade de promover uma marca às custas da comoção de um grande evento como esse sem ter adquirido uma cota de patrocínio. Além do peso regulatório e jurídico resultado dessa prática ilegal, as empresas devem levar em conta o impacto reputacional, que pode, inclusive, ser bem maior do que o de uma decisão do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) ou mesmo de uma decisão judicial fixando danos materiais e/ou morais.
No Brasil, a complexidade dessa prática ilegal cresceu significativamente com as redes sociais, que, ao longo dos últimos anos, se disseminaram para mais de 60% da população, segundo relatório anual da We Are Social e Meltwater. Marcas fazem ativações nas imediações de um evento ou campanhas de marketing de influência nas redes sociais com o apoio de influenciadores usando hashtags que fazem, de certa forma, uma associação, ainda que indireta, ao evento em questão. A vinculação desses conteúdos criativos atrai atenção de milhões de pessoas e tende a viralizar rapidamente.
Além disso, o viés humorístico de vídeos e memes, tão característico das redes sociais, pode ajudar a esconder a real intenção de pegar carona na popularidade de determinado evento. Se adicionada a camada tecnológica da inteligência artificial, com a possibilidade de criação instantânea de conteúdos altamente reais, sem qualquer garantia de veracidade, as ações de marketing de emboscada ganham uma faceta ainda mais refinada.
Os próprios organizadores de eventos recomendam que os patrocinadores monitorem redes sociais e outros canais de comunicação dos concorrentes de modo a localizar esse tipo de ação contrária à lei. Vigiar os locais dos eventos e seu entorno também ajuda a inibir o marketing de emboscada mais incisivo. Há, ainda, a análise das aparições sociais dos atletas ou dos artistas convidados que, muitas vezes, são os vetores dessa prática que pode começar bem antes da data oficial do evento.
Uma das preocupações jurídicas recai sobre os ativos de propriedade intelectual dos patrocinadores, que devem ser respeitados por terceiros. Outro aspecto é o próprio uso das marcas dos patrocinadores, que, uma vez associadas a materiais publicitários, podem passar a falsa ideia de que se trata de um comunicado oficial do evento. Por isso, é preciso que as empresas que têm cota de patrocínio revisem atentamente as cláusulas do contrato para não promover ações que também podem ser consideradas irregulares.
O cenário em si é complexo e suscita questões éticas que permeiam o exercício do marketing. Ações de conscientização e discussões sobrea questão ética do marketing de emboscada podem ser úteis para chamar atenção do consumidor à prática ilegal e expor empresas que não estejam agindo de boa fé. Dessa forma, as companhias não estariam ilesas de um impacto reputacional negativo a partir de uma pressão pública ou do risco de um boicote virtual.
Nesse cenário, a tomada de medidas em caráter urgente é crucial, além, claro, do acionamento do CONAR e/ou mesmo do judiciário para interromper campanhas ilegais assim que elas sejam identificadas. Diante da abrangência das redes sociais, a análise global é altamente recomendável. Por outro lado, o papel jurídico na construção de cláusulas contratuais é também bastante relevante, sobretudo para os patrocinadores na proteção dos seus altos investimentos em eventos.
Acredito que a disseminação de uma postura íntegra, com responsabilidade social vinculada ao marketing, é cada vez mais presente na sociedade – e deve ser incentivada como forma de combate a práticas que não deveriam ser consideradas toleráveis pois são altamente nocivas ao ambiente de negócios e podem prejudicar, inclusive, a viabilidade dos grandes eventos – a exemplo dos Jogos Olímpicos de Paris que dependem de seus patrocinadores oficiais para serem realizados.
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